Sim São Paulo: músicas nas capitais brasileiras

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Participo nesta segunda-feira de um debate que discute a pesquisa feita pela Sim São Paulo, através de seu braço de pesquisas, Data Sim, em parceria com o instituto JLeiva, sobre música nas capitais brasileiras no Itaú Cultural, às 14h. Estarei lá ao lado da Roberta Maritinelli (TV Cultura), Edson Natale (Itaú Cultural), Ricardo Meirelles e Samuely Laurentino (ambos da JLeiva) – mais informações aqui.

Cultura e tecnologia em São Paulo

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Fui convidado para participar do livro Hábitos Culturais dos Paulistas, uma pesquisa feita entre a JLeiva e o Datafolha, para falar sobre as transformações que a tecnologia impôs ao nosso contato com a cultura. A pesquisa é excelente, quebra alguns tabus e abre cenários bem interessantes para um futuro próximo – ela pode ser acessada neste site. Além do capítulo no livro (que ainda conta com textos de Hugo Possolo, dos Paralapatões, José Roberto Toledo, do Estadão Dados, entre outros), também participei de duas mesas de discussão nesta terça e quarta na Pinacoteca, com alguns dos envolvidos no livro (Baixo Ribeiro, da Choque Cultural, em um dia e Pena Schimidt e Alessandro Janoni, do Datafolha, no outro). Abaixo, o texto que escrevi para o livro, que pode ser baixado em PDF aqui.

Um país conectado

Viver no Brasil na segunda década do século 21 é habitar várias épocas ao mesmo tempo. O país atravessou o século passado sob a sombra de um epíteto infame, a frase “O Brasil é o país do futuro”.

Ela foi dita pela primeira vez, com ironia, por um personagem do livro País do Carnaval, de Jorge Amado, nos anos 1930. Virou título do livro ufanista do austríaco Stefan Zweig em 1941 e, no final dos anos 1960, foi transformada em mote nacionalista pelo ditador militar Emílio Garrastazu Médici. Hoje, por linhas tortas, ela parece ter deixado de ser futuro do pretérito para se tornar presente.

“O futuro já começou” não é mero arremedo da letra do jingle que Marcos Valle compôs para o final de ano da TV Globo nos anos 1970 – a realidade digital para onde estamos sendo tragados desde a popularização da world wide web há vinte anos vem borrando nossa sensação de futuro e nos fazendo crer em um mundo de não ficção científica. Ainda estamos longe dos carros voadores ou de morar na Lua, mas a transformação provocada pela internet na virada do milênio foi colossal e seu impacto talvez seja maior do que a urbanização do planeta, um processo que começou há pouco mais de um século e que atingirá seu auge nas próximas décadas (a ONU estima que, em quinze anos, 70% da população do mundo morará em grandes cidades).

Nossa sensação de futuro foi embaçada pela onipresença da rede e pela miniaturização dos dispositivos de acesso a ela – repare como todo filme de ficção científica produzido até 1994 ficou datado pelo simples fato de não cogitar a existência da internet no futuro.

O que antes chamávamos de “futuro” foi ultrapassado pela realidade de redes sociais e smartphones. Fazemos reservas de restaurante e compramos ingresso para o cinema apenas via celular – e sem usar a voz. O conteúdo sob demanda já está nas TVs e nos sites e logo chegará às rádios. Livros e discos eletrônicos são vendidos diretamente para o aparelho de consumo, mudando a natureza das lojas. Aplicativos nos ajudam a achar o melhor caminho para chegar em casa ou a chamar táxis mais rapidamente. Wi-fi em todo lugar. Movimentações bancárias e comerciais podem ser feitas de casa, por qualquer um, sem haver a menor necessidade de manusear dinheiro. Registramos cada passo de nossos filhos para publicar para amigos e familiares ao descobrirmos que a melhor câmera é aquela que está sempre à mão – ou melhor, no bolso ou nos próprios celulares.

Qualquer dúvida pode ser saciada com uma busca, qualquer endereço pode ser encontrado com poucos cliques, e o celular virou uma mistura de central de entretenimento com controle remoto da realidade. Todos andamos encurvados, tateando fixamente um retângulo preto nas mãos. Em pouco tempo, essa caixinha irá para os óculos e para o pulso, da mesma forma que os computadores tradicionais (notebook ou desktop) estão perdendo espaço para o smartphone. Repare: você já usa mais seu celular do que seu PC.

Nova realidade digital
Calhou de essa nova realidade digital pairar sobre o mundo no mesmo momento em que o Brasil passa a se equilibrar com as próprias pernas. Estamos saindo de nossa adolescência pátria ao mesmo tempo que o mundo se horizontaliza com a internet – e, aos poucos, estamos conquistando o planeta. De repente, “ser brasileiro” ganhou conotações completamente diferentes dos clichês do passado, que figuravam o país em algum ponto equidistante entre Carmen

Miranda, o filme Cidade de Deus, Gisele Bündchen e o funk carioca. Aos olhos estrangeiros, o Brasil sempre foi um animal bonito e exótico, mas o início de nossa maturidade cívica, escancarada nos protestos de junho de 2013, mudou a visão externa sobre o país.

E a forma como usamos a internet é crucial nessa nova abordagem para o resto do mundo. Somos o segundo país que mais consome smartphones e o vice-líder em presença no Facebook, além de dominarmos outras tantas redes sociais com uma presença massiva que só não ultrapassa a dos Estados Unidos. O Brasil é conhecido por ter se embrenhado em diferentes áreas do mundo digital e ter conseguido deter autoridade nos pontos mais remotos desse universo. Do pioneirismo da adoção do software livre em gestão pública ao maior encontro de pessoas conectadas do planeta (a Campus Party de São Paulo ultrapassou a versão original, espanhola, há dois anos), das plataformas de transparência política ao sistema bancário eletrônico (considerado superior ao de países europeus em termos de segurança), do maior festival de cultura da internet do mundo (o YouPix, em São Paulo, reúne quase 20 mil pessoas por ano) a enormes comunidades de gamers on-line, o Brasil é reconhecido constantemente como um gigante digital. E muitos desses hábitos, ainda em transformação, são detectados com clareza nesta pesquisa.

Embora a TV aberta ainda seja o hábito mais comum entre todos os entrevistados, é fácil perceber que esse cenário está mudando drasticamente – basta confrontar a quantidade de pessoas que não acessa a internet (27%, número que tende a cair) com o fato de que metade dos que responderam à pesquisa acessa a rede diariamente, seja para entrar em contato com amigos e familiares, seja para consumir conteúdo, que pode ser tanto informação como entretenimento.

É interessante notar a natureza social da rede. Ela não é usada unicamente para benefício próprio ou interesses individuais, mas é um lugar de diálogo e de relações pessoais. É onde as pessoas mantêm contato mais frequente, ainda que na forma de likes, tuítes, links e vídeos compartilhados. E reforça tanto o caráter gregário quanto o clima de festa típicos da sociedade brasileira, que podem pender essa intensidade para um lado mais depreciativo, ao qual assistimos tanto nos comentários das notícias quanto nas redes sociais. E estamos todos nelas – 90% dos entrevistados que acessam a internet participam de alguma rede social, e 83% deles têm perfil no Facebook, a maior rede social do mundo atualmente.

Pirataria
Uma das particularidades da internet brasileira é a adoção do download ilegal. O Brasil foi um dos primeiros países a abraçar o Napster, software que permite o compartilhamento de arquivos de um computador para outro, sem que ambos estejam conectados a um servidor principal, vivendo o auge da pirataria digital simultaneamente a Estados Unidos e Europa. O país se beneficiou ao ter acesso a esse tipo de conteúdo exatamente quando seus serviços de banda larga começaram a ganhar território, substituindo a obtusa conexão via linha telefônica que dominou a primeira fase de popularização da web, na última década do século passado. O usuário de internet brasileiro médio baixa música gratuitamente mais do que qualquer outro tipo de conteúdo e não se vê pagando por material digital.

Embora seja o principal conteúdo baixado, a música não está sozinha como líder de downloads ilegais. Cada vez mais gente baixa filmes pela internet em vez de assisti-los no cinema. Na pesquisa realizada, quase um em cada cinco entrevistados assiste a filmes que foram baixados da internet. É curioso perceber que não são assistidos no computador em que foi feito o download, mas na própria TV de casa. Seja conectando o computador ao televisor ou usando HDs, consoles de videogame ou pen drives para ter acesso a conteúdo audiovisual, mais da metade dos entrevistados usa um aparelho de televisão para assistir aos filmes baixados ilegalmente.

Da web para a rua
Muito se engana quem acha que uma população conectada é uma população isolada e trancafiada em apartamentos, mesmo porque boa parte das pessoas usa a internet como ponto de partida para a rua. E não se trata apenas dos protestos de junho de 2013, quando o país juntou-se ao momento histórico que reuniu importantes levantes populares, como a Primavera Árabe, os Indignados da Espanha, os tumultos em Londres e o movimento Occupy Wall Street. Mais do que protestar, as pessoas querem desfrutar de eventos culturais – muitos realizados em praça pública e ao ar livre.

Entre os entrevistados, 40% dizem se informar sobre atrações culturais por meio da internet, sendo que 23% de todos ficam sabendo das atrações por meio das redes sociais. Mais da metade dos que usam internet e redes sociais usam portais e sites de mídia para descobrir novidades sobre a programação cultural da cidade e usa as páginas oficiais dos eventos nas redes sociais para descobrir mais informações. Um dado curioso se reflete no ato da compra: a grande maioria ainda prefere adquirir ingressos para esses eventos pessoalmente, na bilheteria, em vez de usar a internet.

O que a pesquisa mostra é que a estrada digital é um caminho sem volta. Os aparelhos continuarão diminuindo até praticamente desaparecer diante de nossos olhos. Um dos melhores exemplos dessa tendência dos aparelhos “vestíveis” parece uma anomalia tecnológica ao acoplar um minimonitor a um par de óculos, mas já nasce com cara de datado, de filme de ficção científica retrô. Essa tendência de aparelhos “vestíveis” é inevitável: basta ver o smartwatch como o controle de interface de nossos smartphones, como uma “filial” do celular. Nem precisaremos tirar o telefone do bolso, basta acioná-lo – muito provavelmente por voz – usando outro pequeno computador, amarrado em seu pulso, substituindo o velho relógio.

É um futuro em que controlaremos as telas sem usar as mãos e em que nos tornaremos cada vez mais independentes do computador de mesa, da escrivaninha e do escritório. A mobilidade digital nos joga para a rua, nos tira de uma zona de conforto que, na verdade, era uma zona de medo. Já estamos retomando as ruas graças às tecnologias disponíveis. E não param de aparecer novidades, portanto, não basta esperarmos que o futuro aconteça. Ele já está acontecendo. É preciso ir ao encontro dele e começar a fazer algo.