Jerry Lewis e a raiz do nerd

Escrevi sobre a morte de Jerry Lewis para meu blog no UOL, explicando como ele foi crucial para o reconhecimento da figura do nerd na cultura popular do século 20.

Quem hoje encontra prateleiras inteiras de quadrinhos nas livrarias, discute ficção científica em festivais dedicados ao tema, compra brinquedos que trata como obras de arte e endossa produções cinematográficas bilionárias de antigas editoras de super-herói não sabe o débito que tem com Jerry Lewis. Mais que um dos grandes humoristas norte-americanos do século passado e um popstar no sentido clássico do termo, o ator e diretor que morreu neste domingo também foi o primeiro nome a dar voz a um personagem calado na maioria das histórias. Bem antes de Stan Lee, Robert Crumb, George Lucas ou Daniel Clowes, foi Lewis quem identificou e encarnou um novo protagonista que surgia nos cantos escuros da então novíssima cultura pop: o nerd.

A partir do meio do século 20, feios tímidos, CDFs que não tiravam a cara dos livros e adolescentes com dificuldades de traquejo social encontraram na cultura popular produzida para as massas refúgios onde poderiam se recolher do campeonato de disputas sociais da puberdade. Entre revistas em quadrinhos, livros e filmes de ficção científica e fantasia, desenhos animados, programas de rádio, uma incipiente pornografia, LPs e compactos e jogos de tabuleiros, uma nova tribo se reunia longe do desfile de popularidade que a juventude se tornara. Jerry Lewis entendeu aquele novo público quase instintivamente, criando um personagem inédito para a cultura pop.

Bobo, desajeitado e ressabiado, Lewis não tinha um único personagem, encarnando diferentes tipos que sempre encaixavam-se no seu tipo de humor, que ao mesmo tempo era corporal e infantil. Seu jeito desengonçado de se mover, os movimentos caricaturais de seu rosto e a voz mole (e aqui vale um salve para o dublador Nelson Batista, falecido em 1997, que abrasileirou perfeitamente a fala de Lewis nas sessões da tarde da vida) forjavam aquele novo tipo social, que apesar da ascendência circense do palhaço, devia mais à primeira geração de ouro dos desenhos animados. O nerd desenhado por Lewis era um herdeiro direto e humanizado de Mickey Mouse, o Gato Félix, Pernalonga e Picapau.

Ao contrapor-se ao sub-Frank Sinatra Dean Martin, esta caricaturização ficava ainda mais evidente. Dean Martin era o galã de fala mansa, que chegava fácil nas moças e sempre saía-se bem usando seu charme e papo furado. Jerry Lewis não tinha essa facilidade. Enfeiava-se para mostrar como nem tudo era moleza quase saía-se bem era através da doçura ou da inteligência. Na hora de falar gaguejava, na hora de ser firme, retraía-se.

Seu grande momento, claro, é O Professor Aloprado, obra-prima que dirigiu em 1963, ao adaptar O Médico e o Monstro para a universidade. Ao vestir-se com o nerd mais caricato possível, o professor Julius Kelp, Lewis cria uma fórmula que o transforma em um galã, o narcisista Buddy Love, que muitos imaginaram ser uma crítica a seu velho comparsa de filmes, Dean Martin. Mas era uma autocrítica: Lewis sabia que se ele fosse o astro bem sucedido que gostariam que ele fosse, se tornaria um sujeito tão desprezível quanto aqueles ídolos juvenis que desprezara.

E assim ao mesmo tempo em que consagrava um arquétipo próprio do século vinte, carregava uma horda de fãs que não apenas riam dele, mas também de si próprios, ao se identificarem naquele personagem ímpar, que tornou-se molde para inúmeros ícones posteriores. De coadjuvantes célebres como Spock, C3PO, Dana Scully, Carlton Banks, Lisa Simpson, Ross Geller, Willow Rosenberg, Hiro Nakamura e Cameron Frye a protagonistas de A Vingança dos Nerds, Ghostworld, Freaks & Geeks, American Pie, The It Crowd, Superbad, Mr. Robot, Big Bang Theory e Silicon Valley, gerações inteiras foram influenciadas pela criação cinematográfica de Lewis.

A força de sua influência pode ser resumida em uma cena que não tem nenhuma participação direta sua, mas que conecta nerds de diferentes gerações através da cultura pop. Em uma cena do clássico seriado Freaks & Geeks, o personagem de Martin Starr, Bill Haverchuck, um nerd arquetípico, está em mais uma crise pessoal ao descobrir que sua mãe está saindo com seu professor de educação física. Ao som de “I’m One”, do grupo The Who (que abre com os versos “Sou um perdedor/ Sem chance de ganhar”), ele faz um sanduíche e vai assistir TV onde se encontra com o Garry Shandling e conecta-se com ele através do humor, fazendo-o esquecer momentaneamente de sua vida medíocre e conectando-o com o sublime.

Tenho certeza que muitos tiveram uma conexão parecida com Jerry Lewis. Afinal, ele foi um dos primeiros a ver que aquelas pessoas precisavam de companhia, de reconhecimento, de atenção. Eu mesmo não posso deixar de de agradecê-lo. Obrigado, Jerry Lewis.

Jerry Lewis (1926-2017)

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Morre um dos ícones do humor no cinema norte-americano – e um ídolo pessoal.

Jerry Lewis de volta ao campo de concentração

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O polêmico filme do rei da Sessão da Tarde sobre o Holocausto já tem data de lançamento marcada. Escrevi sobre isso lá no meu blog no UOL.

Jerry Lewis e o holocausto: O Dia em que o Palhaço Chorou

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Um dos filmes mais misteriosos do mundo chama-se O Dia em que o Palhaço Chorou, que Jerry Lewis fez em 1972 e nunca lançou. Seu autor era um peso pesado na Hollywood do início dos anos 70, mas seus filmes mais recentes pareciam fazer sucesso apenas por surfar na onda do humor que começou a fazer ainda em dupla com Dean Martin. The Day the Clown Cried foi sua tentativa de livrar-se do estereótipo de vez, fazendo um filme sério e denso, cuja história acompanhava os dias do palhaço Helmut Doork, que, ao ser aprisionado em um campo de concentração nazista, passa a usar seu talento para entreter e levar as crianças judias para morrer nas câmaras de gás – um conceito chocante por definição, imagine o impacto destas imagens.

O fato é que algo aconteceu e Jerry Lewis engavetou o filme para sempre. E no início do mês passado, um trecho do filme em boa definição apareceu na internet (revelando, inclusive, o casal Serge Gainsbourg e Jane Birkin maravilhados ao assistir as gravações pessoalmente):

O trecho do filme fez Chris Nashawaty, da Entertainment Weekly, resgatar uma conversa que teve com o próprio Lewis em 2009, na oportunidade em que ele mais falou sobre O Dia em que o Palhaço Chorou. Ao ser perguntado se o cancelamento teria sido por causa de alguma possível afronta aos judeus, Jerry respondeu:

Os judeus? Oh, eles amariam o filme. Viajei por dezoito meses de Stuttgart para Belsen e para Auschwitz. Eu estava organizando minha equipe e me trouxeram um cara chamado Rolf, que era o cara que puxava a porra da alavanca na câmara de gás. E eu disse que a única possibilidade de eu chegar perto dele, muito menos de entrevistá-lo, seria se ele entendesse que estou preocupado com a precisão do filme e que eu precisaria da informação. Mas eu disse ao meu gerente de produção que não sabia se conseguiria lidar com aquilo. Depois de seis semanas de boas meditações, eu falei com o cara. A pergunta que ninguém poderia responder, que as vítimas não poderiam responder, era: onde eles ficavam quando estavam esperando pelos que ficavam à sua frente, nas câmaras de gás? Quão longa era espera? Eles esperavam de pé? Havia um quarto adjacente? Eles estavam sentados? De quanto tempo estamos falando? A tortura aqui era a espera! E eles não poderiam suportar o som, os gritos. Eu conseguiria tirar a informação deste homem? Eu queria usar uma máscara para que ele não soubesse quem era eu. Quando ele chegou no escritório e sentou-se, pensei, “este pobre ser humano”. Estava sentado ali, ficamos até às nove da noite e quando terminamos de conversar, eu estava… desfeito. Ele me deu o fundo de sua alma! Ele queria penitência. Eu fiquei olhando para sua mão direita. Eu ia perguntar com qual mão ele fez aquilo, mas não consegui.

E segue o mistério.

Jerry Lewis subiu no telhado

Vamos torcer pra ser só um susto, mas o clássico comediante passou mal na manhã desta terça e teve de ser internado às pressas. Dedos cruzados.

Os clássicos de nosso tempo

Esse Midnight Marauder recria pôsteres de filmes como se eles fossem relançamentos da Criterion. Tem muito mais remixes de cartazes aí embaixo e outros tantos lá no site original.

 

Family Guy x Jerry Lewis

Não sou muito fã de A Família da Pesada, mas essa homenagem foi incrível.