Bom saber #002: “Essa juventude está muito mudada”

Minha coluna de hoje no site da Galileu é sobre a geração de adolescentes do século 21.

alexandre-matias-bom-saber

“Essa juventude está muito mudada”.
Uma nova geração de cientistas adolescentes pode mudar nossa concepção desta fase da vida

Até o século passado, a adolescência não existia. Se a infância foi uma invenção da Inglaterra Vitoriana, a puberdade só passou a ser vista como uma fase anterior à adulta na mesma medida em que o século vinte caminhava, culminando em sua segunda metade, quando os jovens se assumiram protagonistas das revoluções culturais dos anos 60. Foi o suficiente para que fossem estabelecidos uma série de dogmas sobre esta fase da vida que perduram até hoje – quase todos contrapondo pais e filhos.

Afinal, os instintos da puberdade pareciam ativar uma camada de rebeldia e confronto que fez algumas gerações de pais perguntarem-se, em desespero, sobre os rumos que sua prole teria com tal comportamento inusitado. O desespero paterno levou a uma espécie de ceticismo geral que conforma-se com o fato de todo adolescente fazer as coisas sem pensar, sem questionar, pelo puro prazer de fazer. E cada nova geração passa por um momento de frustração ao perceber que a geração adolescente de seu tempo está pior que a anterior.

Claro que é uma questão de perspectiva. Mas uma nova geração, amamentada pelo fácil acesso ao conhecimento graças à onipresença da internet aos poucos reverte essa premissa. São jovens que dedicaram seu tempo livre não ao ócio e à autoindulgência (nada contra), mas à pesquisa e à tentativa de melhorar o mundo. Uns mais ambiciosos que os outros, eles criam novas soluções e põem em prática ideias que, em outros tempos, passariam à distância de seu horizonte.

A edição de 2013 do TED, realizada no início deste mês em Long Beach, na Califórnia, resolveu jogar um holofote nesta geração. A conferência anual sobre novas ideias acontece há décadas mas tornou-se popular desde que suas palestras começaram a aparecer na internet, há pouco mais de cinco anos, e em outras cidades e países, graças à lógica de franquia que foi aplicada a eventos filhotes do original, os chamados TEDx. Na revista Galileu que chega às bancas no fim deste mês de março, falamos mais sobre esta iniciativa. E como tema de sua edição mais recente foi O Jovem, O Sábio, O Desconhecido.

Assim, três palestras específicas cativaram o público global do evento. Aos 18 anos, o norte-americano Taylor Wilson falou sobre como projetou um reator nuclear na garagem de sua casa, quatro anos antes, após perceber que um dos principais problemas do mundo é a produção de energia. Ele já havia participado da edição de 2012 contando sobre seu trunfo anterior, veja abaixo:

Na edição deste ano, Taylor – que já foi chamado de “o Bill Gates da energia” pela revista Forbes – falou sobre um novo projeto, os Reatores Modulares de Fissão Nuclear. São pequenos a ponto de serem transportados para gerar energia para fábricas, prédios de escritórios e lares, com a garantia de uma energia de melhor qualidade. Projetados para serem descartados após 30 anos de uso (sem intoxicar o meio ambiente), eles também foram desenhados para evitar desastres externos, tomando o acidente na usina japonesa de Fukushima, que aconteceu devido a um tsunami em março de 2011, como exemplo. Eles devem começar a ser produzidos e comercializados em cinco anos.

Outro palestrante adolescente desta edição foi de Jack Andraka, que no ano passado ganhou um prêmio da Intel por ter inventado um método de diagnosticar o câncer de pâncreas que era muito mais rápido, barato, sensível e eficaz que o método anterior – com apenas 15 anos. Ao perder um amigo devido à doença, ele começou a pesquisar sobre o assunto no início de sua adolescência, aprendendo tudo que podia. Descobriu, entre outras coisas, que o método de diagnóstico para aquele tipo de câncer tinha sido inventado há 60 anos – “era mais velho que meu pai”, como explicou na palestra. Após ter ganho espaço para trabalhar no laboratório da universidade Johns Hopkins, ele conseguiu criar seu próprio diagnóstico sendo inspirado pelo “lugar mais improvável para a inovação: a aula de biologia do segundo grau”. O projeto de Andraka ganhou o Intel International Science and Engeneering Fair do ano passado e hoje ele quer avançar rumo ao diagnóstico de outros tipos de câncer, problemas no coração e HIV.

O terceiro adolescente a falar no TED deste ano foi o queniano Richard Turere, de 12 anos, que, inconformado com o fato de leões devorarem o gado de sua família, no Parque Nacional do Quênia, onde vive, bolou uma alternativa para afugentá-los. Primeiro usou fogo, mas este facilitava a caça noturna dos grandes felinos. Depois tentou um espantalho, “mas leões são espertos”, disse. Finalmente, ao perceber que os bichos se afastavam quando viam luzes em movimento, inventou um painel de LED que espantava os leões à noite. Desde então, não aconteceram mais ataques. “Há um ano eu era um garoto que vivia na savana. Via aviões no alto e sonhava que um dia entraria num deles. E pude entrar num avião pela primeira vez ao vir para o TED”, contou em sua palestra.

Não são casos isolados. Aqui mesmo, no site da Galileu, volta e meia noticiamos casos de adolescentes versáteis que bolam novas soluções para velhos problemas. E nem isso é propriamente uma novidade. A novidade é que agora é mais fácil ter acesso ao conhecimento e a mostrar o que foi realizado para o resto do mundo. E uma nova geração pode mostrar toda sua capacidade – ou o início de seu interesse – em áreas da ciência e da tecnologia que décadas atrás seriam restritas aos adultos.