E a notícia de cinema do fim de semana no festival South by Southwest deste ano é o papo que o Danny Boyle está pensando seriamente em retomar a obra que lhe colocou definitivamente no mapa do cinema mundial. Boyle, o roteirista John Hodge e o ator Ewan McGregor já haviam marcado história no cinema inglês com o pesado Cova Rasa e continuariam trabalhando juntos em Por Uma Vida Menos Ordinária, mas foi com o filme de 1996 que o trio não apenas mostrou para o resto do mundo o que estava acontecendo na Inglaterra depois da acid house e em paralelo ao britpop (ajudando, inclusive, a popularizar a música eletrônica da geração Prodigy, Underworld e Chemical Brothers no planeta) como foi responsável por um dos melhores registros do que eram os anos 90 (ao lado de Seinfeld e Pulp Fiction). Boyle contou ao blog The Playlist que pretende voltar à trupe de desordeiros que o consagrou:
“Isso já vinha rolando há um tempo. Sempre houve este plano a longo prazo para um Trainspotting 2, se John produzir um roteiro suficientemente decente, não vejo nenhuma barreira para reunir Ewan ou todo o resto do elenco. (…) O motivo para fazer isso de novo é que as pessoas louvam o original (…) Então você tem de ter certeza de que não irá desapontar as pessoas. Este será o único critério”
O filme, contudo, deverá começar a ser produzido no ano que vem ou talvez em 2015. O diretor confirma que a sequência será inspirada em Pornô, que o autor do Trainspotting original (um livro), Irvine Welsh, escreveu 10 anos depois. Resenhei este livro para a Folha de São Paulo na época em que ele foi lançado no Brasil.
É pleno o revival dos anos 90.
Resenhinha do Pornô, do Irvine Welsh, na capa da Ilustrada de hoje. Aí embaixo, a íntegra, pré-edição:
Do mesmo jeito que era inevitável que Simon D. Williamson arrumasse um emprego que o mantivesse próximo do sexo, das drogas, dos jogos e da farra de seus anos dourados, também era inevitável que não durasse muito no cargo. E até durou demais, mesmo que mais apresentável e mais experiente que quando deixou sua cidade-natal rumo a Londres, ele ainda era o mesmo Sick Boy que funcionava como o próprio RP de seu bando na pós-adolescência.
Ao lado de Mark Renton, Frank Begbie e Daniel “Spud” Murphy, ele fazia parte do pequeno grupo de junkies sem esperanças que protagonizava “Trainspotting”, série de monólogos psicótico-autistas sobre o underground de Edimburgo, Escócia, no final dos anos 80. O livro, lançado originalmente em 1993, colocou o escritor escocês Irvine Welsh no mapa do mundo pop, especialmente após as adaptações para o teatro (encenada em Londres por Harry Gibson em 1995) e para o cinema (dirigida na Inglaterra por Danny Boyle em 1996).
Dez anos depois do golpe que parecia ter desfeito de vez aquela já esfacelada quadrilha, o acaso reúne os quatro novamente no decadente distrito de Leith que antes se referiam como lar. E eles não estão felizes com o reencontro. Apenas o tímido e inofensivo Spud permaneceu nas ruas de sua cidade, e ainda luta para deixar o vício de heroína no passado, como já aconteceu com os outros três.
Depois de anos na prisão, o psicopata Begbie reza para encontrar o filho da puta que lhe enviava revistas gay anonimamente quando estava na cadeia e para não encontrar Renton, a quem culpa sua estada atrás das grades. Sick Boy tem de engolir o orgulho de ser demitido de mais uma casa noturna em Londres agarrando-se no pub de uma tia para retornar à Escócia, que abomina. Renton é praticamente extraditado de volta para a Grã-Bretanha por Sick Boy, que o encontra dono de uma boate em Amsterdã e o ameaça a entrar em seu novo esquema: pornografia.
Assim começa “Pornô”, último livro lançado por Welsh, em 2002, que agora ganha edição brasileira. Depois da traição final de “Trainspotting” seus protagonistas (se é que podemos chamá-los assim) voltam a habitar a mesma sociosfera, seus reencontros sendo antecipados no mesmo tipo de monólogos atordoados do livro inicial.
Três deles têm filhos, todos estão sempre se ajeitando no espelho, fingindo não aceitar a velhice que começa a despontar no horizonte. Estão mais reflexivos, mas isso não quer dizer que a quantidade de sexo, drogas e violência diminuiu – pelo contrário, ela continua presa às suas personalidades como particularidades físicas.
Sexo casual, baseados, lugares imundos, garrafas de vinho, muito sangue, linhas de cocaína, estupros, muita cerveja, ameaças de morte e trambiques – o underground continua o mesmo. Mas a lenta realização de que os quarenta anos estão na próxima esquina e um balanço sobre a primeira metade da vida os torna menos impulsivos e sem tanta sede de vida.
Este lado é compensado no personagem de Nicola Fuller-Smith, a estudante de cinema Nikki, dez anos mais nova que o grupo e, portanto, com a idade que seus pares tinham em “Trainspotting”. A ela cabe o tesão pela vida e a lenta e deliciosa autodestruição do livro anterior. Manipuladora de homens e pseudo-intelectual, tem uma empáfia sensual típica das meninas que se consideram no controle da situação, provocando combustão com a química ao lado de Sick Boy. Os dois – ególatras, sexcêntricos, arrogantes – formam um casal perfeito, cínico e mau caráter.
Mas toda barra pesada e desilusão é bem diluída no humor peculiar de Welsh, que vai da ultraviolência ao sadismo de desenho animado, de perversões intelectuais a egotrips mirabolantes – se perde em relação a “Trainspotting” em ritmo e energia, “Pornô” ganha em acidez e meticulosa crítica comportamental. Os delírios de Sick Boy sobre empreendedorismo, tanto no mercado de “entretenimento adulto” quanto na “revitalização do centro de Leith” aludem tanto à megalomania neoliberal quanto ao novo-riquismo – e são hilários. A tradução de Daniel Galera e “Mojo” Pellizzari abranda felizmente o inglês tosco de alguns dos personagens – tornando os livros de Welsh difíceis até para quem lê em inglês – em prol do ritmo da leitura.
***
“Pornô”
Editora: Rocco
Páginas:568
Preço : R$ 62,50