E na minha coluna desta edição do Link, falei sobre como a Apple de Tim Cook vai aos poucos perder o encanto e o aspecto visionário de seu fundador, morto no ano passado.
Sem Jobs, Apple volta a ser uma empresa como as outras
O ciclo iniciado em 2007 se fechou neste ano
Desde que se soube a gravidade da doença de Steve Jobs, uma espécie de maldição parecia pairar sobre a Apple. A empresa sempre foi associada ao seu fundador mais pop. Suas decisões como executivo – inusitadas, improváveis – eram coerentes com sua personalidade.
Áspero e simpático na mesma medida, sua personalidade se refletia na condução de uma empresa que, em dez anos, deixou de ser uma tradicional fábrica de computadores para reinventar os mercados de música, de telecomunicações e de entretenimento digital. A lógica fez que ela se tornasse a marca mais valiosa do planeta.
A maldição apontava dois caminhos. Na primeira hipótese, fatal. A empresa degringolaria administrativamente sem seu líder. Esta possibilidade perdeu força à medida que nos acostumamos a Tim Cook, apresentado em janeiro de 2011 – com Jobs ainda vivo – como o novo condutor da empresa. A transição ocorreu tão bem que a coroa definitiva de CEO depois da morte de Jobs não pesou na cabeça de Cook. Foi sob sua administração que a Apple atingiu seus maiores trunfos como empresa.
A outra possibilidade é o cenário atual: a empresa apenas cuidaria do que já havia sido criado para não correr riscos. Este ano assistimos à conclusão de um processo iniciado em 1999, quando Steve Jobs voltou à empresa que criou (e que o demitiu). Ele começou com a criação do iPod e a transformação do iTunes de programa de computador para loja online, no vácuo deixado pelos erros da indústria fonográfica.
Depois veio o iPhone, que sucateou celulares com botões, tornou plausível o termo smartphone e reinventou o conceito de software para celulares que resultou na criação da economia dos aplicativos. A penúltima peça foi o iPad, que não só abriu uma nova categoria de aparelhos como tornou a possível um mundo sem computadores tradicionais para milhões de pessoas.
O ano de 2012 viu surgir uma nova linha de laptops e a aposta em um sistema de armazenamento online (o iCloud), que torna a comunicação entre Macbooks, iPads e iPhones mais intuitiva. Aos poucos o ecossistema se fecha. O iPhone 5, que seria lançado no ano passado caso Jobs não tivesse morrido, finalmente saiu na semana passada. Todas estas novidades eram previsíveis.
Pior: o iPhone 5 talvez seja o produto da empresa que menos emocionou as pessoas. Todas as suas novidades já haviam sido antecipadas, quebrando um padrão de sigilo que não era apenas rigoroso nos tempos de Jobs – era parte do show. Todo novo anúncio é cercado de mistério. O da quarta-feira passada trazia o “5” no próprio convite.
Falta uma peça para fechar o ecossistema doméstico digital bolado por Steve Jobs. É a Apple TV. Hoje, o aparelho é um hub de mídia que distribui conteúdo, comprado via iTunes, para todos os aparelhos da casa. Mas Jobs queria que este aparelho fizesse com o televisor o mesmo que o iPhone fez com o celular – o reinventasse. Uma das novidades do último aparelho lançado quando Jobs ainda era vivo, o iPhone 4S, foi algo pensado para a Apple TV: a Siri. Para Jobs, o assistente pessoal que conversa com o usuário seria o fim do controle remoto.
Para a Apple, como empresa, tudo bem. As ações sobem, os produtos vendem, os clientes ficam satisfeitos. Mas e agora? iPad 4 e iPhone 6? Até quando?
Talvez a resposta venha já no próximo mês. Rumores indicam que a empresa lançará um novo iPad, menor, talvez chamado Mini. Uma invenção que era menosprezada pelo próprio Jobs – que, contudo, não chegou a ver o sucesso feito pelo Kindle Fire, o tablet da Amazon (talvez a principal concorrente da Apple, nos próximos anos). Mas ainda é um iPad, não é um aparelho inesperado.
O desafio proposto a Tim Cook é o desafio de qualquer empresa, seja uma startup ou multinacional: quando vale a pena correr riscos para tentar crescer ainda mais? Jobs se antecipava a essa hora e simplesmente se desafiava continuamente. Sem ele, a Apple caminha para ser apenas uma empresa como as outras. Forte e líder, mas passível de queda, caso alguém tenha uma nova ideia que ninguém ainda havia imaginado.
E na edição dessa segunda do Link, falei sobre o Cosmópolis, do Cronenberg (o anti-Drive ou o anti-Batman?), e sobre a nossa relação com a ficção científica e a sensação de futuro.
Como computadores, tempo e dinheiro moldam nosso futuro
Em ‘Cosmópolis’, Cronenberg analisa a não ficção científica
Há um tempo reparo em como a atual onipresença da tecnologia tende a datar os filmes muito rapidamente. Fã de ficção científica, acompanho de perto a produção cinematográfica do gênero. E o fato de usarmos, a cada ano, versões melhoradas dos comunicadores portáteis vislumbrados nos anos 60 me faz pensar que, cada vez mais, vivemos no século em que o futuro já começou.
Pode reparar: quase todos os filmes cujo futuro se passava no início do século 21 – ou ainda mais no futuro – não cogitaram a existência da internet. Ficam automaticamente obsoletos. O mesmo pode ser dito de filmes de cinco ou seis anos atrás em que os protagonistas sacavam celulares da Nokia cheios de botões – e não touchscreen.
Vivemos as novidades tecnológicas sem nem sequer perceber o quanto elas mudaram a nossa vida. Caso cogitássemos um 2012 como o nosso há dez, quinze anos, poderíamos ser tachados de otimistas demais (ou pessimistas, dependendo do ponto de vista) ou utópicos (ou distópicos). Carregamos computadores nos bolsos, que nos mantêm em contato com notícias do mundo todo e também com amigos e parentes. É possível descobrir como chegar em um lugar a que nunca fomos com alguns toques na tela. Recebemos indicações de promoções de passagens aéreas, filmes para serem vistos. Tiramos foto de tudo o tempo todo. Fazemos todo o tipo de compras sem sair de casa. Controlamos equipamentos com gestos e com a voz.
O presente é pura ficção científica. Ou melhor: uma não ficção científica.
É uma sensação muito próxima à de assistir a Cosmópolis, o novo filme do diretor canadense David Cronenberg, adaptado a partir do livro de mesmo nome, do norte-americano Don DeLillo. Cosmópolis, que estreou sexta-feira, acompanha um dia na vida do jovem bilionário Eric Michael Parker, dono de uma firma de investimento, que atravessa Nova York de limusine para cortar o cabelo no dia em que o presidente dos EUA visita a cidade e um protesto anarquista toma as ruas. É, portanto, a rotina de um magnata mimado e paranoico.
A bordo de sua limusine branca, Parker (interpretado incrivelmente bem por Robert Pattinson, o vampiro bunda-mole da série Crepúsculo) controla o mundo com a ponta dos dedos. Cercado de telas que lhe mostram dados de todo o planeta em tempo real, ele aciona executivos, compra e vende empresas, especula e encontra-se com médicos, conselheiros e funcionários como se o mágico de Oz fosse personagem de 1984, de George Orwell. Ele habita 2012, mas parece estar sempre no futuro.
“Adoro este carro”, diz sua chefe de teoria, Vija Kinski, num dos encontros. “O brilho das telas. O brilho do cibercapital. Tão radiante e sedutor”, suspira. “Você sabe como perco toda a vergonha na presença de qualquer coisa que seja uma ideia. A ideia é o tempo. Viver no futuro. Veja só esses números correndo. O dinheiro faz o tempo. Antigamente era o contrário. O tempo dos relógios acelerou a ascensão do capitalismo. As pessoas pararam de pensar na eternidade. Passaram a pensar em horas, horas mensuráveis, horas-homem, em usar a força de trabalho com mais eficiência.”
Ela segue teorizando: “O tempo agora faz parte dos ativos da empresa. Ele pertence ao sistema de mercado. O presente é mais difícil de encontrar. Ele está sendo eliminado do mundo para abrir lugar pro futuro dos mercados livres de qualquer controle e de imenso potencial de investimento. O futuro se torna insistente. É por isso que alguma coisa vai acontecer em breve, talvez hoje, para corrigir a aceleração do tempo. Trazer a natureza de volta ao normal”.
E conclui: “A potência do computador elimina a dúvida. Toda dúvida é decorrente de experiências passadas. Mas o passado está desaparecendo. Antigamente, a gente conhecia o passado, mas não o futuro. Isso está mudando”.
E assim, descrevendo a relação com computador, dinheiro e tempo, Cronenberg usa palavras de DeLillo para voltar à ficção científica, gênero que abandonou desde que fez eXistenZ (1999). E lembra, subliminarmente, a máxima do escritor William Gibson: “O futuro já chegou. Só não foi distribuído”.
Nesta edição do Link, escrevi sobre a tal Gina Indelicada…
Gina Indelicada e os novos dilemas de um novo século
Menos direito autoral e originalidade e sim marketing pessoal
Os diálogos são curtos e aparecem no chat do Facebook. As conversas usam a informalidade típica da web, usando ‘q’, ‘vc’ e palavras sem acentuação. A imagem da pessoa é um avatar com um rosto conhecido. Identificada por Gina, ela é questionada por um usuário: “Gina, dá uma dica pras meninas q procuram um menino romantico, sensivel, atento, amoroso, bonito…” E responde: “Olha, a dica é que esse tipo de menino tbm está a procura de meninos”.
O rosto de Gina é o de uma loira de beleza publicitária clássica bastante conhecida por brasileiros ao adornar a caixa de palitos da marca que leva seu nome. Mas, online, virou a Gina Indelicada, uma página no Facebook disposta a responder perguntas com gracinhas e grosserias. Ela foi criada em 14 de agosto e na sexta-feira já se aproximava dos 2 milhões de fãs.
Seu criador, o mineiro Henrique Lopes – que assina Ricck Lopes –, de 19 anos, se tornou uma celebridade-relâmpago. Seu nome ganhou mais destaque depois de a fábrica de palitos da Gina original manifestar surpresa com o sucesso inusitado de sua garota-propaganda. Especulou-se a possibilidade de processo, mas logo a empresa disse que consideraria falar com o rapaz para pensar na estratégia digital da marca.
O contato entre uma empresa de 65 anos e um garoto de 19 logo foi notado. Ricck foi entrevistado tanto pela revista norte-americana Forbes em seu site quanto pelo humorista Danilo Gentilli no programa Agora é Tarde.
Ricck aparenta um bad boy dos anos 50, jeans, jaqueta, barba por fazer, topetão, e fala como um publicitário monótono. Diz mais de uma vez que Gina Indelicada é o resultado de pesquisas que faz na internet e que seu sucesso não é puro acaso. “Como estou no início da minha faculdade e, logicamente, da minha carreira, eu preciso ter cases (pronuncia-se “queises”) pra que isso me dê credibilidade”, disse ele a Gentilli, monocordicamente, como se estivesse recitando um texto decorado, numa fala sem graça e previsível.
A seu favor, Ricck tem outros “queises” no currículo: o perfil no Twitter @VouConfessarQue (onde se apresenta como “o segundo Twitter mais retuitado do mundo, perdendo só pro Justin”) e a página no Facebook Muito Tédio, que tem quase 800 mil fãs. O sucesso de Gina Indelicada é um passo natural nessa escalada.
Mas logo vieram críticas sobre a originalidade das piadas grosseiras de Gina No Facebook, a página Gina Kibadora Indelicada lista tweets de pessoas desconhecidas que escreveram as mesmas respostas atravessadas da personagem (a frase citada no início do texto é uma delas). “Kibar”, na internet, é copiar sem dar a autoria, e tem origem nas acusações contra as piadas de Antonio Tabet, do Kibe Loco, que assume piadas alheias com a marca de seu site.
Ricck se desculpou no Twitter usando a pior das justificativas. “Eu contratei uma pessoa e ela fez isso. A maioria sem eu saber. Eu cuidei da parte de criação e estratégia”, escreveu. A discussão sobre autoria e humor não é nova. Falamos do tema no Link em junho, na reportagem “Piada tem dono?”, da repórter Tatiana de Mello Dias. Mas, se a marca de palitos tivesse contratado os préstimos de Ricck, assumiria a derrapada?
Pois no fim das contas, a questão em relação a esse caso é menos de direito autoral e originalidade e mais sobre marketing pessoal e oportunidade de trabalho, podendo ser resumida num curto momento da entrevista de Ricck a Gentilli: “Depois cê dá as dicas pro meu Facebook?”, sugere Gentilli, 500 mil fãs em sua página oficial. “É nóis!”, responde Ricck, sorrindo.
E na edição dessa semana do Link, totalmente capitaneada pelo Filipe, dediquei minha coluna à minha rede social favorita atualmente.
Considerações sobre meu novo brinquedo favorito, o Instagram
Mesmo alienante, app é refúgio do presente
Desde o fim do ano passado tenho me interessado cada vez mais pelo Instagram. Apostei que o aplicativo-rede social será a próxima onda digital a ser aderida por todos neste 2012. Isso antes de a versão para Android ter sido lançada – e, portanto, antes de ter me tornado usuário da rede. E são vários os motivos que tornam o Instagram tão promissor.
Para começar, o aplicativo tem pouquíssimos recursos. É simples entendê-lo e usá-lo. Além dos filtros de imagem, seu primeiro atrativo e diferencial, o app só permite gostar e comentar as fotos. Basta pressionar a tela duas vezes para avisar ao dono da imagem que você gostou dela. É ainda mais simples do que curtir no Facebook via celular porque você pode pressionar em qualquer lugar da foto – em vez acertar exatamente no link “like”. E, por ser usado principalmente no celular, o Instagram não é tão convidativo a comentários e discussões alongadas.
A interface de navegação é simples, exigindo apenas o polegar para acompanhar as atualizações. Não é preciso acertar botões com precisão ou digitar no teclado. A facilidade de navegação torna a utilização do Instagram quase lúdica. É tão fácil quanto brincar. Por isso gosto de dizer que o Insta é meu brinquedo portátil favorito atualmente.
A comunicação que prioriza a imagem causa uma mudança drástica em relação às demais redes sociais. Uma vez que ele é mais subjetivo, pouco importam as notícias ou o que aconteceu nos últimos minutos – ou até mesmo horas. Os assuntos mais comentados são secundários e os temas das imagens quase sempre partem para o cotidiano, o trivial, o doméstico, o singelo.
Por isso a abundância de fotos de crianças, animais domésticos, paisagens, horizontes, viagens, pratos de comida, livros, discos, programas de TV, passeios, detalhes de casa ou do ambiente de trabalho. Isso nos afasta um pouco da enxurrada de informações das outras redes – e de uma certa angústia com o fluxo sem fim de notícias e links.
No Instagram, o ponto de vista é a primeira pessoa – e não a terceira. Por isso é mais comum vermos imagens pelos olhos de quem as tirou do que ver a própria pessoa. E as fotos dos outros funcionam como janelas em que podemos ver os cantos da cidade e do mundo, em imagens que não vão sair no jornal no dia seguinte. Para alguns, a desconexão com o presente noticioso pode parecer alienante. Para outros é um refúgio contra o acúmulo de pessimismo e novidades que brotam sem parar.
Junte tudo isso ao fato de que ele foi pensado para o celular e temos outro motivo de seu sucesso. Qualquer sala de espera é uma oportunidade para ver o que os amigos ou conhecidos andam observando. Qualquer cena mais simpática pode ser registrada facilmente e compartilhada. E o aplicativo permite que as imagens sejam reproduzidas em outras redes sociais, como Tumblr, Twitter, Facebook, Foursquare e Flickr.
Todos esses motivos dão algumas ideias do que deve acontecer com as redes sociais num futuro próximo. Elas precisam ser mais fáceis de usar. E entupir um serviço com muitos recursos pode deixá-lo ruim, além de pesado. Elas não precisam ser abrangentes e onipresentes. Podem se dedicar a trechos específicos das vidas de cada um. E vão para além do texto, permitindo novas formas de comunicação.
Alguns meses depois de ter sido vendida para o Facebook, dá para entender o interesse da maior rede social do mundo. Primeiro, o aplicativo é mais confortável do que o app do próprio Feice (embora muitos tenham elogiado a nova versão para iOS, lançada semana passada). Segundo, as fotos estão se tornando cada vez mais a língua franca da internet. E, finalmente, se o Instagram continuasse crescendo, poderia se tornar um rival sério para o Facebook.
Resta saber o que acontecerá entre 2012 e 2013. O Instagram vai se integrar cada vez mais ao Facebook ou o Facebook vai ficar cada vez mais parecido com o Instagram? Ambas opções são possíveis – embora uma anule a outra – e podem determinar o futuro não só do Facebook mas do ambiente digital móvel em que vamos habitar.
Já tinha tocado nesse assunto e voltei a insistir em como as eleições podem acelerar o cansaço em relação ao Facebook, no Brasil, na minha coluna desta edição do Link…
As eleições podem acelerar a desimportância do Facebook
Um ou dois temas monopolizam o feed
Alguns amigos e conhecidos meus abandonaram o Facebook. Cada um por um motivo diferente ou específico.
Não chega a ser uma onda como a de orkuticídios que começou quando a primeira rede social de sucesso no Brasil se popularizou demais (antecipando o termo “orkutização” que já abordei em colunas passadas). Mas são insatisfações diferentes que fazem muita gente deletar a própria conta ou abandoná-la.
Há quem não confie no fato de um único site centralizar tantas informações sobre tanta gente. Há quem se sinta incomodado com o incessante clima de oba-oba do site – curtições, fotos sorridentes, paisagens, viagens, festas. Há quem discorde das políticas de privacidade da rede social. Ou quem não goste do aplicativo do Feice para o celular. Ou quem cansou do humor nonsense ou das discussões intermináveis. Ou dos perfis falsos. Ou quem não quer manter toda sua vida em um único ambiente, permitindo que parentes, colegas de trabalho e amigos de infância se encontrem num mesmo lugar. Ou de gente que se aproveita do conforto da rede social para destilar ódio, inveja ou preconceitos de toda a ordem. Há quem também não goste de ser tratado como produto ou do excesso de publicidade na rede (que, na minha opinião, é o que vai acabar com o Facebook – não matando, mas o tornando desimportante).
Uma coisa é praticamente consenso inclusive entre os que resolvem continuar no Facebook: existe uma monótona rotina relacionada a um ou dois temas que acabam dominando o feed em uma rede de quase um bilhão de pessoas. Na semana passada, o Facebook anunciou que está às vésperas de atingir essa quantidade de usuários (foram 955 milhões em junho, segundo o instituto de pesquisa norte-americano Nielsen).
Você sabe. Basta entrar na rede social para ver um link que foi postado por dois ou três amigos. Dependendo do teor da notícia, é fácil prever que durante o resto do dia (e da semana), esse link será compartilhado por mais um tanto de outros usuários da rede. Tanto faz se é um vídeo, uma notícia, uma foto ou um tweet redirecionado.
O desdobramento desta primeira etapa são discussões intermináveis em que dois ou três usuários da rede – e amigos seus que, na maioria dos casos, só vão se cruzar porque são seus amigos – monopolizam o debate, deixando a discussão em segundo plano e partindo para ataques pessoais grotescos. Lá pelo trigésimo comentário o tema original da discussão já era. Assistimos a um ataque verborrágico de gente disposta a mudar o ponto de vista alheio a partir de uma discussão pela internet.
E nesta terça-feira começa o horário eleitoral em todo o Brasil e, com ele, efetivamente, as eleições de 2012. Isso significa que não bastasse ter de aturar todo o tipo de gente implorando por seus votos em cartazes, jingles, carros de som, faixas e pichações, ainda vamos ter o desprazer de ver amigos e conhecidos nossos – uns mais prezados que outros – transformando-se em cabos eleitorais amalucados, debatendo questões secundárias ou risíveis para justificar suas preferências políticas.
Idealmente, o Facebook seria uma arena perfeita para um debate político civilizado. Mas, se nem mesmo na televisão os principais candidatos conseguem manter a compostura, o que podemos esperar de eleitores que perdem as estribeiras para tentar aparecer ou convencer o outro de que seu ponto de vista é o melhor?
Por isso, vejo quatro opções desenrolando-se nos próximos meses. Na primeira, continua-se no Facebook e recebe-se uma enxurrada de santinhos digitais, todos eles lutando pela sua atenção, aos berros. Noutra, continua-se usando a rede, mas aprendendo a utilizar os recursos apresentados pela repórter Anna Carolina Papp na matéria nesta edição do Link – usando as ferramentas que a própria rede social oferece para conter a avalanche de opiniões alheias. Numa terceira, simplesmente deixa-se de usar o Facebook enquanto a eleição não termina. E na quarta, finalmente, abandona-se a rede social de vez.
Algo me diz que a última opção vai ser cada vez mais popular…
Na edição desta segunda do Link, falei sobre um dos principais dilemas do século digital.
A internet e a encruzilhada entre o consumidor e o cidadão
O mercado nos distrai de interesses reais
Duas matérias nesta edição do Link abordam assuntos aparentemente distintos: a matéria de capa, assinada por Tatiana de Mello Dias e Murilo Roncolato, fala dos problemas que usuários da telefonia móvel no Brasil têm com a péssima qualidade dos serviços das operadoras no País – que a revista inglesa Economist cogitou ser o equivalente do governo Dilma ao apagão elétrico do governo Fernando Henrique Cardoso. Outra matéria, do repórter norte-americano Farhad Manjoo, conta a assustadora história de como o repórter da revista Wired Mat Hanon, em quinze minutos, perdeu o controle sobre todas as suas contas digitais graças ao ataque de um hacker amador.
As duas situações parecem apenas descrições de problemas modernos, que não existiam há quinze anos. Mas, na verdade, são desdobramentos ágeis de uma tendência que atravessou todo o século 20 e foi reforçada nas últimas décadas até ganhar força e velocidade graças aos meios digitais: a lenta transformação do cidadão – e de seus direitos – em mero consumidor.
Isso é bem preocupante. Afinal, todos os direitos do cidadão, uma das principais provas da evolução da humanidade, são substituídos pelos direitos de quem tem dinheiro para pagar pelas coisas. Esta mercantilização da cidadania foi acelerada com o movimento que aconteceu logo depois da criação da World Wide Web, que completou 21 anos há uma semana. O engenheiro inglês Tim Berners-Lee criou o padrão que permitia acessar à internet (que existe desde os anos 60) sem a necessidade de digitar comandos ou de conhecer sites específicos, o que abriu espaço para o surgimento dos programas da navegação gráficos, primeiro com o Netscape e depois com o Internet Explorer. Foi a partir daí que a internet deixou de ser uma rede de contatos entre acadêmicos e entusiastas da tecnologia para ganhar o mundo.
E na metade dos anos 90, houve o primeiro salto de popularidade da rede, quando a maioria das pessoas descobriu que existia “um negócio chamado internet”. E, neste mesmo momento, empresas entraram online, ajudando a batizar essa primeira safra de “o início da internet comercial”.
A partir disso, a popularização da rede quase sempre esteve associada à criação de novas empresas ou como empresas que existiam antes deste momento souberam aproveitar-se desta nova realidade. E, como empresas fazem, entraram nessa para ganhar dinheiro. Até mesmo empresas que não cobram pela utilização de seus recursos – como o Google e o Facebook, por exemplo –, acabam cobrando outro tipo de moeda de seus consumidores: seus próprios dados pessoais. Ecoa na rede um novo ditado que é muito preciso: “Quando você não paga por nenhuma mercadoria, a mercadoria é você”.
Governos e instituições não-comerciais levaram mais tempo para entender a nova realidade e alguns ainda tateiam no escuro. Mas, como as empresas e a lógica comercial dominaram a internet nos seus primeiros dias de maior popularidade, questões de cidadania ficam em segundo plano em relação a questões de mercado.
(E antes que algum neoludita venha reclamar que isso “só poderia acontecer por causa dos computadores e da internet”, lembre-se que o sistema financeiro sabe muito mais sobre cada um de nós – e bancos estão aí há muito mais tempo.)
Por isso a atenção que damos, no Link, a temas como privacidade, à criação de novas leis, à forma como governos e empresas lidam com a inevitável inclusão digital, o futuro dos direitos autorais. Questões políticas que podem parecer tediosas e complicadas, ainda mais se comparadas a tweets engraçadinhos, computadores elegantes, smartphones encantadores, serviços online práticos e úteis.
Temas que podem não ter o apelo sedutor da internet comercial, mas que devem ser acompanhadas de perto, para que a política – e a noção de cidadania – não caia por terra de vez como já acontece na vida offline. Ninguém disse que iria ser fácil…
Aproveitei o tema da capa desta semana do Link para falar um pouco sobre software livre.
O software livre está no centro do avanço tecnológico
E sua expansão está apenas no começo
Embora já exista há décadas, não faz nem dez anos que a mentalidade open source e o conceito de software livre começou a se popularizar de fato. Até o início da década passada, era bem difícil encontrar quem entendesse a lógica por trás destas ferramentas – e muito mais difícil quem as utilizasse. Mesmo os que tentavam se aventurar por este universo à parte, se não soubessem nada de programação ou computação, penavam entre códigos, interfaces e comandos.
Mas, de dez anos para cá, o que antes era uma realidade completamente diferente começou a se aproximar da que vivemos. Primeiro pelo simples fato de que o universo digital se impôs até para quem era avesso à utilização de qualquer tipo de máquina. A sensação de que “todo mundo virou nerd” (um clichê repetido como uma espécie de repulsa à onipresença digital) forçou muita gente a perder o medo do computador e entender que estas máquinas, que eram vistas por muitos como aparelhos feitos para nos controlar, são as ferramentas mais sofisticadas desenvolvidas pela espécie humana, que se caracteriza justamente pela invenção de ferramentas.
Mas isso é apenas uma parte da história. A outra está na ponta de lá, entre os entusiastas do software livre que, a partir do Linux criado há mais de vinte anos, entenderam que era preciso tornar mais intuitiva e amigável a utilização das ferramentas caso quisessem atrair mais gente para sua comunidade.
O resultado deste esforço foi a criação de sistemas operacionais menos complexos e abertos para quem nunca se dispôs a entender a parte técnica do uso de computadores. Isso não só fez mais gente encarar a novidade com menos temor (como fez a repórter Tatiana de Mello Dias, como ela mesma conta em seu relato nesta edição), como fez mais gente se dispor a aprender a programar.
No entanto, o que tem tornado o software livre e a lógica do open source mais presente e menos complexa não está nem tanto ao céu do idealismo de quem lida com estes conceitos há anos nem tanto à terra dos “novos nerds” – e sim entre este dois universos, graças à ascensão de tendências e empresas decorrentes da popularização da realidade digital deste começo de século.
Afinal, o Google é um dos principais responsáveis pela popularização deste conceito, ao trabalhar em plataformas abertas. A mesma lógica de API abertas que tornou tanto o Facebook quanto o Twitter gigantes de popularidade também veio do software livre. Até mesmo empresas fechadas como a Apple, ao criar a economia dos aplicativos, também abriu a possibilidade de mais gente tentar entender de programação.
A febre das startups talvez seja a principal tendência destes últimos anos, quando falamos de software livre. Os programadores deixaram de ser vistos como criptólogos antissociais e aos poucos passaram a ser cortejados por suas habilidades, mudando o perfil destes entusiastas e a forma como eles são encarados agora pelo mercado. Foi-se o tempo em que software livre era praticamente sinônimo de “comunista” (as aspas se referem ao tom pejorativo da crítica do passado) e hoje lidar com open source é uma credencial que gabarita muito empreendedor.
Mas esta tendência não deve parar tão cedo – e deve caminhar para um momento em que escrever programas deixe de ser uma atividade essencialmente técnica para entrar em nossa rotina. Programadores gostam de dizer que escrever código é uma arte e o auê em torno das startups já fez muita gente comemorar que a programação de software é o “novo rock’n’roll”.
Mas é questão de tempo para que a lógica não-proprietária de programação habilite cada vez mais gente para entrar neste universo e comece a pegar gosto pela linguagem e pelo assunto. E, aí sim, pode ser que veremos programas que são verdadeiras obras de arte – mesmo que não saibamos programar. Afinal, reconhecemos que alguns carros ou instrumentos musicais são ícones culturais mesmo sem entender sua parte técnica. No futuro, isso ocorrerá com os softwares também.
E eu falei sobre essa tal “camada social” que estamos assumindo na minha coluna do Link dessa semana, que foi um especial sobre redes sociais.
Dicas para lidar com a onipresença das redes sociais
A distância entre online e offline está diminuindo
Na manhã da quinta-feira da semana passada o Gtalk morreu. Ficou sem funcionar por algumas horas, sem nem sequer exibir a velha mensagem em inglês “…And we’re back!” tão característica dos curtos momentos de ausência do programa de troca de mensagens do Google. Mas na semana passada o programa não voltou a funcionar tão rápido. Entrou a tarde da quinta-feira e nada do bicho voltar ao ar. Era um mau sinal.
Caiu a noite e, com ela, caiu o Gmail. O serviço de buscas do site ia e voltava, sem manter nenhuma estabilidade. O YouTube carregava pela metade – os vídeos relacionados não apareciam, apenas o vídeo principal, que só carregava nos primeiros minutos e depois travava. O Google Images não funcionava. Por instantes, cogitei que a pauta que mais temo depois da morte de Steve Jobs pudesse se concretizar – e o Google tivesse parado de funcionar de vez.
Não foi o caso. O bug no Google Talk obrigou a empresa a mexer em seus serviços deixando-os instáveis por toda a quinta-feira – e isso apenas para parte de seus usuários. Outros nem sentiram a alteração. Na madrugada de quinta para sexta, a situação havia se normalizado e os serviços voltaram ao normal.
Mas entre quinta e sexta eu precisava falar com a artista plástica Pacolli, que mora em São Francisco, nos Estados Unidos, e fez as ilustrações desta edição. Meu contato com ela era via Gmail e não sabia do alcance da pane no webmail do Google. Bateu aquele micropânico típico de quando a internet sai do ar. Mas logo lembrei do Facebook e do Dropbox – e antes dos serviços do Google voltarem a funcionar.
(Antes que algum saudosista comece a lamentar sobre a fragilidade da internet e de como era bom no tempo em que só existiam mídias físicas, antecipo-me para comemorar a felicidade que é trabalhar em jornalismo à medida que a internet vai se popularizando. Já passei por redações offline ou da era da conexão discada e isso é uma realidade que, por mais que os nostálgicos suspirem sobre como era romântico naquela tempo, nem sequer cogito em retornar.)
Começo a editar a matéria que a repórter Tatiana de Mello Dias escreveu para esta edição especial sobre redes sociais. Logo no início de seu texto, ela fala sobre nossa compulsão por nos fazermos presentes online, que caminha junto à nossa insegurança em relação ao que podem saber sobre nós mesmos apenas a partir do que publicamos online.
É um dilema moderno, e Google e Facebook insistem em dizer que a privacidade acabou. Mas não é bem assim.
Por um lado, estamos sim despejando informações sobre nós mesmos sem perceber. Por outro, estas mesmas informações facilitam bastante a utilização de serviços e ferramentas digitais em nosso dia a dia.
Qual é a melhor saída, então? Ficar completamente offline? Escolher a rede social que melhor se encaixa em seu perfil e especificar bem o que publica lá? Entender que o mundo agora é assim mesmo e não se preocupar com nada que você coloca na internet?
Todas essas saídas são soluções radicais e não parecem ser o melhor a ser feito. As redes sociais, como Tati explica em sua matéria ao entrevistar diversos especialistas, já fazem parte de nosso tecido social. Sair delas é mais ou menos o equivalente a não andar a pé na rua ou não sair de casa à noite. As pessoas – físicas ou jurídicas – estão lá, aos montes. E continuarão entrando.
Creio que o segredo está no entendimento de como cada rede funciona de acordo com seus hábitos. Não há motivos para ter uma conta no Last.fm se você não escuta música no celular ou no computador. Como também não faz sentido ter uma conta no Instagram se você não gosta de tirar fotos.
A internet em si é uma rede social e este “momento redes sociais” que vivemos há dez anos há de ser diluído entre milhares de serviços e sites. Se usasse apenas a rede do Google, talvez não conseguisse falar com Pacolli nem receber suas ilustrações a tempo do fechamento desta edição. As principais dicas sobre o uso de redes sociais valem para quase tudo na vida: use com moderação e prefira a variedade.
E a minha coluna desta edição do Link foi sobre o assunto da capa, que falou sobre a chegada da internet aos carros.
Conectar-se à internet é só o início do automóvel do século 21
Conectividade mudará a forma de dirigir
Eu sou o passageiro. Me penalizo mentalmente recitando a infame versão do Capital Inicial para “The Passenger”, de Iggy Pop, sempre que entro num carro. Não dirijo há mais de cinco anos e sempre que entro num carro vou para o banco do carona ou para o banco de trás, por ser vítima de um acidente que me impede de retomar a direção. Isso será resolvido em breve, mas divago.
Não usava celular quando parei de dirigir, mas naquela época telefone celular não era sinônimo de computador de bolso e sim de telefonia móvel. Por isso, nunca usei o celular enquanto dirigia, o que me dá uma certa aflição quando vejo alguém com uma mão no volante e outra no telefone. Ou apertando o celular entre o ombro e a cabeça para usar as duas mãos ao dirigir. Meu inconsciente cogita as piores hipóteses, principalmente quando estou no carro em que o motorista fala ao celular. (Não estou culpando os que fazem isso – talvez se dirigisse hoje em dia provavelmente fizesse o mesmo.)
Mas desde que deixei de ser motorista para ser passageiro que o celular vem mudando e hoje é um companheiro inseparável ao táxi. Se antes eu folheava livros e revistas, hoje me dedico a responder e-mails, checar redes sociais e jogar Angry Birds, meu maior vício virtual portátil. E se me dá agonia pensar num motorista dirigindo e conversando ao telefone, é inevitável ficar preocupado sempre que vejo alguém dirigindo e olhando para o celular ao mesmo tempo. Já peguei carona com quem mandava SMS ao mesmo tempo em que passava marcha e girava o volante – não duvido que tenha gente que faça o mesmo enquanto compartilha links no Facebook ou tira fotos para publicar no Instagram.
Mas, ao mesmo tempo em que o celular virava um computador de bolso, outros acessórios eletrônicos começaram a aparecer no carro. Primeiro veio o GPS, depois o aparelho de DVD portátil e em pouco tempo esses equipamentos permitiam até mesmo assistir à televisão. Na paralela, você poderia conectar o telefone ao som do carro e usar o telefone para chamadas de voz sem ter que segurar o aparelho com as mãos.
O que estamos às vésperas de presenciar é uma convergência entre estas tecnologias e o próprio carro. Mais do que isso: se o telefone em cinco anos virou um computador de bolso, em menos tempo que isso o carro se transformará em um computador que lhe conduz.
Isso nos leva a um futuro incrível de aplicativos que dão dicas de como estacionar direito, computadores de bordo que avisam em qual posto você deve parar para abastecer antes de ficar sem gasolina, bancos que se regulam automaticamente de acordo com quem assume o volante, automóveis que avisam à portaria que estão chegando e abrem o portão da garagem. Este futuro culmina-se com carros que dirigem sem precisar de motoristas, algo que já vem sendo testado por diferentes empresas, inclusive pelo Google.
Mas este é um futuro ideal, que não conta com pane na rede, sinal fraco de 3G, incompatibilidade de sistemas operacionais e de formatos, sites fora do ar.
Acha pouco? E que tal saber que, tal como ocorre com as redes sociais hoje, seu carro poderá ser localizado onde estiver, mesmo que você não queira permitir? Ou que você possa trabalhar – sob a supervisão do seu chefe – desde que entra no carro?
Mas há também possibilidades que só foram supostas. Alguém já deve ter pensado numa rede social que funciona no trânsito, um Foursquare de carros, que indica onde seus amigos estão naquele momento – ou que permita que você possa seguir determinados perfis que avisam qual é o melhor rumo a ser percorrido na hora em que o trânsito para. Será que os helicópteros que sobrevoam São Paulo para registrar como andam as principais vias da cidade se tornarão obsoletos?
O fato é que o carro do século 21 começa a engrenar. Ele pode até voar daqui a algumas décadas, como no futuro dos Jetsons. Mas antes disso, prepare-se para a grande reinvenção do carro a partir da internet. Se ela já mudou tanta coisa, não ia deixar de mudar até como nos locomovemos.
Na edição de segunda do Link, falei da relação entre os óculos do Google e a nova série de Bryan Singer, H+…
O dia em que iremos usar chips implantados no cérebro
Do Google Glasses à nova série de Bryan Singer
Há três semanas, o Google mostrou que tem anos de vida pela frente ao desvendar, entre suas novidades, sua linha de hardware. O tablet Nexus 7 já era especulado. E a central de mídia Nexus Q, por mais diferente que fosse seu design esférico, é um hub digital como muitos que já existem no mercado.
O Google Glass apareceu na cara de Sergey Brin e o cofundador do Google explicou que abriria a geringonça para os desenvolvedores que quisessem criar ferramentas para aprimorar seu uso. De fora, os óculos parecem diferentões – fazem as vezes de câmera, computador e monitor. Dá para filmar sem usar as mãos, além de obter informações, na própria “lente”, sobre o que se vê através dos óculos. No futuro, usando o Google Glass, você olharia para uma rua qualquer e, pela parte de dentro das “lentes”, seria possível identificar os estabelecimentos sem sequer ler as suas fachadas.
Imagine este futuro próximo cheio de pessoas usando óculos que permitem que elas se comuniquem sem falar ou usar as mãos; que façam buscas online só com o olhar; que filmem e tirem fotos sem que se mexam. Quem reclama da onipresença e do vício de duas ou mais gerações de telefones celulares tem motivos de sobra para se preocupar com esse futuro. Que, inevitavelmente, nos leva à assustadora profecia em que chips serão instalados nas pessoas.
Profecia literalmente apocalíptica: “E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita, ou nas suas testas / Para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome”, é o que diz o Apocalipse de São João, no capítulo 13, versículos 16 e 17.
O detalhe que não foi lembrado na apresentação do Google Glass é que tanto Brin quanto o outro fundador da empresa, Larry Page, já haviam cogitado uma versão ainda mais sinistra destes óculos ao jornalista Steven Levy, que escreveu um dos livros-chave sobre a ascensão do Google, In the Plex, que ainda não foi lançado no Brasil.
“Isto será colocado dentro do cérebro das pessoas”, disse Page. “Quando você pensar em algo e não souber muito sobre aquilo, você receberá mais informações automaticamente.” “É verdade”, continuou Brin, “no final, vejo o Google como uma forma de acrescentar o conhecimento do mundo ao seu cérebro. Hoje você liga o computador e digita uma frase, mas dá para imaginar como isso será mais fácil de fazer no futuro quando tivermos dispositivos acionados pela voz ou computadores que prestam atenção no que acontece ao redor deles.” Page completa. “No fim, teremos um implante em que basta você pensar em algo para que ele lhe traga a resposta.”
Assustador é pouco. (Mas pode ser que haja um certo medo reacionário em relação ao novo, ativado por nosso cérebro reptiliano, que só pensa em atacar ou fugir.) Ao mesmo tempo, parece encantadora a ideia de não precisar de um smartphone para consultar os horários do cinema mais próximo ou ligar o computador para checar a grafia de um sobrenome estrangeiro. O problema não está na nossa aparentemente inevitável evolução ciborgue, mas no fato de que esta tecnologia, maravilhosa na teoria, pode dar errado na prática.
É a premissa do seriado H+, do diretor Bryan Singer (o mesmo de Os Suspeitos e dos primeiros X-Men). Um futuro próximo em que as pessoas implantam um chip na nuca que as permitem viajar por mundos virtuais sem que isso seja percebido como uma não-realidade. Na série, que estreia em agosto e apenas na web, um vírus infecta a rede e as pessoas que possuem o chip implantado simplesmente morrem.
Mas há outra opção: a de nos atermos tanto aos mundos virtuais que nem sequer fazemos mais distinção entre o que é realidade e o que não é.
Parece radical? Sim. Mas não é preciso esperar os chips chegarem. Afinal, muitos já usam a internet como uma forma de se descolar da realidade. O problema, como sempre, não é a tecnologia, mas o que fazemos com ela.