Impressão digital #127: “Tudo é tão incrível, e ninguém está feliz”
Peguei um velho papo do Louis CK como gancho pra falar da nossa insatisfação em relação à tecnologia na minha coluna da edição de hoje do Link.
Tudo é tão incrível, e ninguém está feliz
Reclamamos muito sem pensar no passado
A cada momento que o olho brilha graças aos avanços da tecnologia moderna, dois resmungos competem com o deslumbre: um deles lamenta que as coisas não são tão boas quanto no passado, o outro se inquieta com as falhas do recém-chegado. Muito já foi dito e escrito sobre a natureza insatisfeita do ser humano, mas vivemos numa época de ouro para a humanidade. Ela pode não ser a mais incrível da história, mas é, sem dúvida, aquela em que o maior número de pessoas vive bem e pode fazer o que quer. Mais do que isso: elas podem fazer coisas que nem sequer imaginariam fazer apenas alguns anos antes.
E nem estou falando das virtudes sempre exaltadas pela pauta do Link. Me refiro apenas a fatos triviais.
Estamos em contato com amigos e conhecidos o tempo todo. Hoje conversamos em vídeo pelo celular. É possível fazer compras, pagar contas e trabalhar ao mesmo tempo, sem que uma ação atrapalhe a outra. A maioria das perguntas que você pode fazer – tirando as existenciais – pode ser respondida em alguns cliques. Só o clichê do “computador de bolso” propagado na era do smartphone já justificaria tanto deslumbre: seu celular é um localizador de GPS, um tocador de mídia (música, vídeos, fotos), uma câmera que filma e tira fotos, um dispositivo de acesso à internet, um videogame portátil.
Mas, enquanto a foto não carrega, o mapa não aparece, o vídeo não sobe ou o game muda de fase, reclamamos da conexão, do aparelho, da rede, do software. Isso sem citar aqueles que esbravejam “antigamente é que era bom” e se esquecem das filas no banco, do tempo perdido para se achar um lugar, de impostos feitos em planilhas de papel, das as poucas fontes para descobrir música nova, como rádio e lojas de disco.
Sempre que vejo as pessoas confrontadas nesse dilema egoísta, minha memória me leva inevitavelmente a um texto, repetido em apresentações ao vivo e programas de TV do comediante norte-americano Louis C.K., que ficou conhecido com o título que usei nesta coluna.
“Tudo é incrível e ninguém está feliz”, começava. “Em minha vida, as mudanças que aconteceram no mundo foram incríveis. Quando eu era criança, o telefone em casa era de disco. Você tinha de ir onde ele estava e tinha que discá-lo. Você já parou para pensar como era primitivo? Você está produzindo faíscas em um telefone!”
Ele continuava falando do saudoso passado de que uns ainda fingem sentir saudade: “Se você quisesse dinheiro, você tinha de ir ao banco, que só ficava aberto por algumas horas. Você tinha de pegar uma fila, escrever um cheque para você mesmo feito um idiota e quando o dinheiro acabava você não tinha mais o que fazer. Acabou.”
“Estamos vivendo num mundo incrível e ele está sendo desperdiçado na geração mais rasa de idiotas mimados que não se importam porque é assim que as coisas são agora”, reclamava. “Estava num avião outro dia e tinha internet. E isso é o avanço mais recente que eu conheço: internet rápida no avião. Estou ali no avião e posso pegar um laptop, entrar na internet, que é rápida o suficiente para assistir a vídeos no YouTube. É incrível. E aí de repente a conexão falha, alguém da companhia aérea pede desculpas pela internet não estar funcionando e um cara do meu lado começa a reclamar que isso é uma merda!”
E conclui dizendo que nem sequer percebemos a maravilha que é voar, essa tecnologia de pouco mais de um século. “Alguém reclama que teve de ficar esperando a decolagem por 40 minutos. É mesmo?”, pergunta Louie. “E o que aconteceu logo em seguida? Você voou pelos céus como um pássaro? Você atravessou as nuvens, algo que era impossível? Você teve o prazer de participar do milagre do voo humano e depois pousou maciamente sobre pneus enormes que você nem consegue imaginar como foram parar o céu? Você está sentado em uma cadeira no céu. Você é um mito grego neste exato momento.”
Reclamamos muito e temos pouca consciência do nosso próprio contexto – e isso não diz respeito apenas à tecnologia. Mas graças a ela isso tem mudado.
Volto ao assunto em outras colunas.
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