O Vinícius jogou essa, que eu até tinha guardado aqui numa foto melhor:
Mas foi uma boa jogada, a top t-girl nunca erra. Só que a camisa é dos Stooges, é o Iggy Pop na capa, mas é Stooges. Vamo deixar esse jogo mais tenso?
Era o Sonic Youth sendo o Sonic Youth
Duas coisas me fizeram escolher assistir ao Planeta Terra em vez de ir ao Maquinária – a primeira, crucial, foi a localização de ambos. Enquanto o festival do portal de internet acontecia num inusitado Playcenter, o outro ocorria na mesma Chácara do Jóquei que viu o fiasco de organização que foi o show do Radiohead em São Paulo. Só a lembrança da zona que foi este lugar no início do ano já me faz ter bode de qualquer evento que se disponha a montar sua tenda por lá. O segundo motivo foi a confirmação do show do Sonic Youth. Embora muita gente estivesse esperando bandas mais novas ou inéditas no Brasil, fiz parte de turma que sorriu quando anunciaram que Thurston, Kim, Lee e Steve voltariam a tocar por aqui. Sou fã dos quatro, fazer o quê – suportei até a última apresentação de Merce Cunningham em vida só pelo fato de saber que o Sonic Youth era a banda que faria o som da apresentação de dança. Faith No More, Jane’s Addiction, Primal Scream, Iggy Pop… As duas primeiras bandas ficaram presas num passado que não faço questão de revisitar, quando, no início dos anos 90, o heavy metal se descobriu tão esquizofrênico quanto os desenhos animados de Chuck Jones (o Jane’s Addiction tem uma pegada menos palhaça que a banda de Mike Patton, mas esse L.A. blues soa melhor quando o Farrell monta o Porno for Pyros – e todo mundo sabe que o melhor momento do Dave Navarro em disco é no One Hot Minute, do Red Hot). O Primal Scream já tinha passado por aqui em 2004 (foi isso? Ou foi 2005? Preguiça de olhar no Google) e eu já tive o meu momento com o Iggy Pop.
Por isso, o festival dos festivais que ocorreu no fim de semana, para mim, se resumia a assistir ao show do Sonic Youth. Cheguei no Terra um pouco antes do Primal Scream entrar no palco, mas nem precisava ir tão cedo (embora o evento já estivesse cheio de gente desde as 5 da tarde, segundo relatos, devido aos brinquedos do parque), porque o show foi bem ruim. Não por culpa da banda, visivelmente aborrecida com uma série de problemas – a ausência de luz no palco nas primeiras músicas, a ausência do som de uma das guitarras, “XTRMNTR” teve de ser recomeçada duas vezes. Quem estava mais perto do palco viu o vocalista Bobby Gillespie de cara fechada, nada satisfeito com o show, que até teve seus bons momentos – como uma versão krautrock para “Shoot Speed Kill Light” e a seqüência final do show que começou com “Moving on Up”.
Mas foi no Sonic Youth que as coisas engrenaram. No show que o grupo fez no Claro que é Rock (2006?) muitos reclamaram da ausência de hits e do som baixo. Sobre os hits, não reclamo – gosto da banda mesmo quando ela toca só músicas do disco novo. O som parece que estava baixo, mas eu não percebi porque me enfiei no meio do público e cheguei pertinho do palco. Para não correr o risco de pegar um show baixo, repeti a tática – e, depois do show, descobri que nem era preciso, pois o som tinha sido o melhor no palco principal do evento.
E veio a chuva. Constante sem ser pesada, ela atravessou todo o show do Sonic Youth como uma espécie de textura para a noite. E mesmo com a banda se recusando a voltar a seus hits dos anos 90, o público não largou do pé do palco e se deixou levar pelo transe da eletricidade que, por vezes, vinha de três guitarras – o baixista do Pavement, Mark Ibold, revezava-se entre o baixo e a guitarra no papel de quinto integrante da banda, talvez mais feliz do que todo o público por estar tocando ao lado de seus ídolos (o sorriso vinha ao rosto do cara durante várias músicas).
As únicas exceções que fizeram ao passado levaram o público ao meio dos anos 80, com três faixas do Daydream Nation (“The Sprawl”, “‘Cross the Breeze” e “Hey Joni”), uma do Sister (“Stereo Sanctity”) e “Death Valley 69”. E aí estava o principal trunfo do show deste ano – sem apelar para as músicas mais conhecidas, eles envolveram o público com riffs, dedilhados, palhetadas, acordes tortos e microfonia, tirando-o das referências fáceis de um show de rock, como solo, refrão e letra fácil de ser lembrada, e levando-o para seu próprio universo onde som, ruído, música e canção são indistintos entre si, partes de um mesmo processo. Neste contexto, pouco importou o fato das músicas do novo disco, The Eternal, serem conhecidas ou não. Era o Sonic Youth sendo o Sonic Youth – e não apenas um show de rock.
Perdi quase todos os outros shows (lamento mesmo não ter visto o Metronomy, a melhor atração nova da noite, na minha opinião), mas ainda consegui ver o Iggy Pop se esgoelando como um zumbi que teima em não morrer (e isso é um elogio, como foi bom ouvir “Search & Destroy” ao vivo) e dar uma passada no Ting Tings a ponto de vê-los tocar “Great DJ”. E perceber que o Playcenter, por mais inusitado que podia parecer, não só funcionou e bem para um festival desse porte como contagiou parte do público com a alegria infantil de voltar a um parque de diversões. Tomara que o do ano que vem continue lá – além de o fato de chegar em casa em menos de meia hora depois de sair do show contar pontos extra para o evento.
PS – E pra quem queria saber o setlist do SY, ei-lo:
“No Way”
“Sacred Trickster”
“Calming The Snake”
“Hey Joni”
“Leaky Lifeboat”
“Anti-Orgasm”
“Antenna”
“Stereo Sanctity”
“The Sprawl”
“Cross the Breeze”
“Poison Arrow”
“What We Know”
“Jam Runs Free”
“Pink Steam”
“Death Valley ’69”
Chegou na terça, mas chegou – e o programa de hoje é praticamente um clássico instantâneo, dando uma geral de tudo de bom que está acontecendo na música hoje. Só o Sonic Youth ali na meiota e a arenga sampleada na música da Lady Gaga com o Wale que não são desse século.
Júpiter Maçã – “Modern Kid”
Dangermouse & Sparklehourse – “Pain (feat. Iggy Pop)”
Arctic Monkeys – “Cornerstone”
Miike Snow – “Cult Logic”
Tiësto – “Feel it in My Bones (feat. Tegan & Sara)”
Ciccone Youth – “Into the Groovey”
Wale & Lady Gaga – “Chillin (Wideboys Club Mix)”
Ladyhawke – “Paris is Burning (Alex Metric Remix)”
Gotye – “Learnalilgivinanlovin’ (Passion Pit Remix)”
Memory Cassette – “Last One Awake”
Delorean – “Apocalypse Ghetto Blast”
Friendly Fires – “Kiss of Life”
MSTRKRFT – “So Deep (feat. Colin Munroe)”
Amanda Black – “Might Like You Better”
Xx – “Islands”
Cut Copy – “Hearts on Fire (Viking Remix)””
Peter Bjorn & John – “It Don’t Move Me”
Franz Ferdinand – “Turn it On”
Racionais MCs – “Artigo 157”
Iggy Pop tocando Johnattan Richman:
1) Conheça 12 razões pelas quais a pornografia transformou a internet
2) Indústria pornográfica dos EUA pede ajuda financeira a governo devido à crise
3) Mundo Livre S/A e Gabi Almeida São os Primeiros Brasileiros no SXSW 2009
4) Filho de Bob Dylan coloca mansão da família à venda
5) Michael Azerrad, autor do Our Band Could Be Your Life, vai ajudar Bob Mould, do Hüsker Dü, a escrever sua autobiografia
6) Iggy Pop lamenta a morte de Ron Asheton
7) Michael Jackson quer deixar direitos dos Beatles de herança a McCartney
8) Cansei de Ser Sexy vai tocar em festival organizado pelos Breeders
9) Morre o inventor da camisa havaiana
10) Mickey Rourke no Homem de Ferro 2?
Essa é a resenha do Claro q é Rock de São Paulo, que saiu na Bizz da Maria Rita. O pé, no final, não entrou – era pra ser uma ponte entre o meu texto e o do Matias Maxx, que resenhou a edição do Rio.
Foto: maria clara diniz
“É preciso um tumulto adolescente para me tirar da cama”, disse o senhor de 47 anos e quase dois metros de altura ao microfone. À sua frente, milhares de pós-adolescentes extasiados moviam-se em convulsão, numa inconsciente tentativa de ter feito valer a viagem do sujeito ao Brasil, entre a diversão assumida e a eterna gratidão gráfica de nossas platéias. Em menos de cinco minutos, o quase cinqüentão devolveria a gratidão, ao lado de seus quatro colegas, ao conduzir o mesmo público turbulento a um transe coletivo histórico, em que a microfonia, ondas sonoras aleatórias, o ruído branco e o zunido dos amplificadores ofegantes deixam conceitos arcaicos como melodia, harmonia e ritmo para trás, transformando um festival de rock, mais uma vez, em uma celebração ritual em escala de estádio. Olhos grudados no palco, o público parecia cego pela música – como se o movimento dos integrantes do Sonic Youth não fossem visuais, e sim uma constatação táctil das vibrações sonoras emitidas pela banda.
Thurston Moore repetia o mesmo acorde, subindo, lentamente, seu instrumento à altura do peito. Kim Gordon, tomada pela vibração magnética, enfiava o braço de seu baixo perpendicularmente em relação ao amplificador. O novato Jim O’Rourke erguia sua guitarra feito um theremin portátil, tentando capturar espectros sonoros no ar. Steve Shelley rendia seu kit de tambores à abstração elétrica. Lee Ranaldo girava seu instrumento no chão, como a colher de um enorme caldeirão sonoro. Depois de transformar “Teenage Riot” em uma elegia elétrica impressionista, o Sonic Youth atingiu o ápice do festival Claro Que É Rock (e, talvez, da temporada de shows gringos no Brasil em 2005) com uma clássica entrega de vanguarda instintiva para as massas – um rótulo que poderia perpassar não só as bandas daquele sábado, como as responsáveis pelas melhores apresentações ao vivo no país neste ano. Sem canções, sem refrões, sem solos ou citações, resumiram a noite e a geração reunida na Chácara do Jóquei, no dia 26 de novembro, em São Paulo. Todos os epítetos agregados ao agora quinteto nova-iorquino (de “art rock” a “punk”, passando por “college rock”, “guitar”, “rock alternativo” e até o próprio nome do grupo) poderiam ser associados, de alguma forma, ao elenco do festival e à grande maioria do público presente na noite. Modernos, skatistas, dândis, universitários, góticos, nerds, eletrônicos, indies, hippies, pseudo-intelectuais, manos, estudantes de comunicação, clubbers, pessoais normais, pós-punks e pós-Strokes – gente normalmente execrada pelo roqueiro clássico como parte do “sistema” se reunia no mesmo lugar para celebrar apenas aquilo que o Sonic Youth sublinhou por pouco mais de dez minutos que ressoam até agora como umas quatro horas mentais. O barulho.
Era o barulho que unia o rock de vanguarda daquela noite. O soco cabeça de Mike Patton, os tambores em câmera lenta da Nação Zumbi, o technopop bad boy de Trent Reznor, o preparo físico de Iggy Pop, os uníssonos no Flaming Lips – as atrações primavam pelo ruído como vínculo primitivo com a platéia, que devolvia a saudação barulhenta com o mesmo entusiasmo, só que sem amplificação elétrica. O barulho equilibrava-se entre distorções esgoeladas projetadas por caixas de som gigantescas e urros de multidão saídos de pulmões de tamanho médio.
Porque, de resto, os pontos de conexão eram mínimos. De um lado, tínhamos o Fantômas de Patton com o Buzz Osbourne (do Melvins) na guitarra e o Terry Bozzio (que tocou com o Zappa) na bateria, quebrando a cara de quem esperava algum vínculo com o universo pop, enquanto do outro, os Flaming Lips abusavam da gentebonice num show cheio de bichinhos de pelúcia, serpentinas, cover de “Bohemian Rapsody” em versão videokê (letras no telão), mascotes infláveis da Rihappy nos cantos do palco e excesso de fofura. Trent Reznor lembrava uma versão dark do Moby (ou um Depeche Mode pra meninos? Tá, tá, eu admito que acho a banda chata pacas, mas eles fizeram um bom show, pra quem gosta), enquanto Iggy Pop fazia adrenalina e nitroglicerina parecerem uma mesma substância química, incitando o caos, a desordem e a invasão de palco – desafiando o público ao não tocar nenhuma música do disco Raw Power.
E pensar que isso está sendo consumido em larga escala não deixa de causar estranheza. Incontáveis as vezes um Funhouse dos Stooges numa pasta de arquivos de MP3 compartilhados não é o suficiente para você ter certeza sobre o caráter musical de uma pessoa desconhecida do outro lado da internet. Uma estampa de camiseta com a capa do Goo era o suficiente para ter certeza que ela não era uma idiota. Projetos pós-Faith No More do Mike Patton sendo citados em papos no meio de uma festa qualquer só para se ter certeza de que não estava pisando em território arenoso. Isso sem contar quando o Flaming Lips apareceu tocando “She Don’t Use Jelly” num episódio do Barrados no Baile.
Tudo isso era muito interno, específico, num nível quase maçônico. Jogávamos pôquer com óculos de raio X, trocando piscadelas quando tocava R.E.M. ou Smashing Pumpkins na rádio. Neguinho tirava onda por ter vinil do Daydream Nation. Em Brasília, só chegavam TRÊS Melody Maker, na banca do aeroporto (na época, sem carro, era lonjaço), que sumiam em questão de horas. Programas de rádio eram contrabandeados em fitas cassete por terem mostrado, pela primeira vez, Melvins ou Minutemen no Brasil. Só que em algum momento entre a ascensão das siglas WWW e MP3 (que foi paralelo a outro período específico – o da falsa ilusão que um real valia o mesmo que um dólar), o que era um segredo tornou-se público. E milhões de pessoas passaram a baixar, ouvir e ter discos que só tinham ouvido falar, lido ou ouvido trechos em situações adversas.
O que era culto, tornou-se febre. O Nirvana era só o estopim de um fenômeno simples – era hora de consumir todo o mercado que vinha se criando nos bastidores do pop oficial (algo semelhante aconteceu na mesma época com o country e com o hip hop nos EUA – por aqui, foi a vez do sertanejo e do pagode, seguindo o mesmo flow). E quando alguns dos principais bastiões desta geração se encontram num megaevento destas proporções no Brasil, há um lado advogado do diabo em que a consciência fica se beliscando pra ter certeza que aquilo está mesmo acontecendo. Mais do que as noites indie do Tim Festival ou os shows gringos na choperia do Sesc Pompéia, o festival reunia um elenco que era, cinco anos atrás, composto pelas oito bandas que a gente reconhecia na programação de quinhentos shows dos Reading da vida.
Até o Good Charlotte está inserido neste contexto. Mesmo que a faixa etária, a histeria adolescente das meninas e o compromisso de seu público com a banda (que, uniformizada com camisetas do grupo, simplesmente foi embora depois que o show acabou) dêem a impressão que eles não fazem parte do caldo, a camiseta do Misfits e o som sub-Green Day prova que estamos ainda no mesmo universo. “Hold On” é Alanis pra meninos, então tá tudo em casa (não adianta fazer essa cara, eu sei que você gosta de Alanis!).
Afinal de contas, fora roupas e trejeitos, são todos iguais. Todo mundo encontrou outros parecidos, especialmente aqueles de outros estados – broders de listas de discussão, blogueiros, friends do Orkut. Vista-se de preto ou de camisa social, de meia arrastão ou bermudão, maquiagem pesada ou cabelo colorido, o fato é que esse é um dos principais públicos de rock atualmente. Rotule-os como adultescentes, screenagers, indies, jovens adultos ou como outra tribo instantânea, mas é inevitável levar a geração 90 em conta – aquela que se lembra quando ouviu o Nevermind pela primeira vez e quando o Forastieri disse que a salvação do Brasil era uma bala no meio da cabeça da Regina Casé, depois de assisti-la de cocar no primeiro VMA. Claro que é rock – mas rock alternativo, não custa sublinhar. E já se vão mais de dez anos.
***
Até que, no dia seguinte, largado na cama, o telefone toca. É o Matias:
– Fala!, berra meu interlocutor xará.
– Falaê, tranq? Indo pra Cidade do Rock?
– Tou indo pra lá agora, esperando o carro passar aqui. E aí, como foi?
– Foi do caralho, Sonic Youth na veia, mas até aí, eu sou fã. Acho que tu não vai curtir.
– Hehehehe. Mas aí, como tu vai fazer com a matéria?
– Pensei em dar uma teorizada básica sobre rock alternativo e dar uma geral nos shows. Não vai dar pra falar de cada um dos shows, música por música. Um monte de site e de jornal já vai ter esmiuçado tudo até a Bizz chegar na banca. Daí a teoria.
– Podecrer, tava pensando no que eu ia fazer memo…
– Deixa pra pensar na hora. Eu só soube que ia escrever sobre isso quando tava chegando na garagem do meu prédio.
– Boa, vou ver qualé.
– Vai lá, então, moleque. Abraço e bons shows.
– Valeu!