Dependendo do seu ponto de vista, Gustavo Mini Bittencourt é um dos grandes nomes do rock independente brasileiro ou um dos grandes pensadores da cultura digital deste início de século (embora ainda não tenha lançado seu livro). Líder dos Walverdes, o publicitário gaúcho também contrasta diferentes contextos para fazer analogias e tentar entender a transformação comportamental que vem acontecendo com a mudança de século. Ele foi meu sócio no saudoso portal OEsquema e é velho compadre de outros carnavais, uma conversa que sempre me enriquece e que desta vez compartilho com vocês.
Mais uma reunião de condomínio dOEsquema e partimos do assunto capitalismo para falarmos sobre bilionários, segurança pública, a culpa da imprensa brasileira, empreendedorismo e chanchadas, a vinda do crentistão, crise climática, planos de dominação mundial vilanescos, a compra do próprio imóvel, a cultura dos memes e a subversão da desobediência civil. Mas calma que o papo flui bem.
A novidade desta semana é reencontro com meus chapas dOEsquema. Pra quem não lembra, eu, Arnaldo Branco, Gustavo Mini e Bruno Natal conduzíamos um condomínio de blogs que reunia gente de todo o Brasil até 2015, quando resolvemos fechar o site devido à ascensão das redes sociais. Mas a conexão dos quatro continua e por mais que só tenhamos nos encontrado pessoalmente três vezes, seguimos trocando impressões, comentários e opiniões sobre assuntos diferentes. Consegui reunir todo mundo para um papo sobre redes sociais e resolvemos que vamos tentar manter a periodicidade quinzenal. Chega mais.
“É um disco pesado, Walverdes”, Mini já desconversa de cara. “Mas é verão, achamos que seria bom começar com o dub.” E assim o trio gaúcho azeita as engrenagens para o lançamento de mais um disco, puxado pelo dub “Desconstrução”, lançado em primeira mão aqui no Trabalho Sujo.
Liderado pelo compadre Gustavo “Mini” Bittencourt, que até o começo do ano passado tocava o falecidOEsquema comigo, o Bruno e o Arnaldo, os Walverdes são uma das principais bandas de rock do Brasil, atravessando décadas carregando a bandeira da formação baixo, guitarra e bateria aliadas às crônicas brasileiras compostas por Mini. Mas o novo disco, que ainda não tem nome mas deve ser lançado ainda no verão, reflete uma nova fase da banda: “Nos últimos anos a gente deu uma desacelerada. Já fizemos bastante coisa, discos, tours, temos família, filhos e trabalho, então agora entramos numa fase de fazer as coisas num tempo e de um jeito próprio. Ainda mais próprio.”
Ele detalha ainda mais o novo disco: “O disco está pronto. São apenas cinco músicas que gravamos de forma espaçada nos últimos três anos. Gravamos as bases ao vivo e depois fomos ajeitando guitarras e vozes. Foi tudo gravado pelo Júlio Porto, que entrou na banda depois de produzir o Breakdance. Ele chamou o Beto Machado pra mixar de novo. Estamos nos últimos acertos pra ver como lançar. Até março lançamos.”
Aproveito para perguntar o que ele tem achado do atual cenário musical brasileiro: “Sem dúvida mais livre e diverso, o que não significa que todo mundo está aproveitando a liberdade e diversidade, né. Às vezes acho que está todo mundo um pouco saturado pelos excessos. Tu mesmo falou num outro papo que tivemos sobre o tédio do excesso. De nossa parte, o que mudou mesmo radicalmente foi o lugar do rock na cultura. Fazemos um tipo de música que tinha um impacto dez anos atrás que não tem mais hoje. Não quer dizer que não tenha público e relevância, mas não é mais a mesma coisa. Isso não muda muita coisa no nosso fazer, muda na circulação, distribuição. Em termos de música, fazemos mais ou menos a mesma coisa das demos dos anos 90 com as naturais evoluções pessoais e musicais.”
Pergunto sobre a necessidade de atingir um público maior e Mini diz que “isso definitivamente não é mais uma questão pra nós”. “Nos organizamos pra disponibilizar a música, pra jogar ela no mundo da melhor forma possível nos parâmetros atuais”, continua. “Mas caçar público não é mais uma questão. Nunca foi muito. Caçar clique e view a qualquer custo essa altura do campeonato seria deprimente. A energia que a gente tem pra isso a gente coloca na música. “
Hora de fechar mais um capítulo.
Hoje desligamos o site por diferentes motivos, mas principalmente por estarmos sintonizados em frequências diferentes em relação à produção de cada um de nós. E por termos chegado a uma fria conclusão no fim do ano passado.
OEsquema nasceu da necessidade. Eu, Bruno e Arnaldo nos conhecemos online, no início do século, quando o URBe e o Mau Humor ficavam no Blogger e eu pendurava o Trabalho Sujo no já moribundo Geocities. Até que o Pablo e dois amigos vieram com uma história de criar um portal de blogs pra hospedar todo mundo que estava pendurado em servidores gratuitos e tentar criar uma fricção criativa entre diferentes produtores de conteúdo. O Pablo queria o Trabalho Sujo, que nem tinha completado uma década de vida e tinha mais história impressa do que digital, e eu vi uma oportunidade boa de chamar o URBe e o Mau Humor para aquela confusão alto astral.
Mas o Gardenal, o primeiro coletivo de blogs do Brasil, começou a crescer junto com a vida profissional de seus sócios, que não conseguiram gerir o servidor nem como plataforma digital, muito menos como negócio. Entre os problemas técnicos houve um hoje clássico servidor frito que nos fez perder pelo menos dois anos de produção online, uma pequena tragédia que, se por um lado me escaldou a me tornar menos acumulador digital, nos motivou a tentar buscar uma casa própria.
E no dia 8 do 8 do 8, eu, Bruno e Arnaldo convidamos o Mini para inagurar OEsquema. Não tinha plano de negócios nem linha editorial – era simplesmente um lugar para podermos escrever o que quiséssemos de acordo com a nossa vontade. Por assim seguimos os primeiros anos até que começamos a pensar em ampliar a festa, convidando um monte de amigos e amigas pra começar a se publicar sob a nossa marquise. Em comum tínhamos a vontade de distribuir conhecimento e opinião sobre assuntos diferentes, que não eram facilmente classificáveis nas prateleiras ainda utilizadas do século passado, e sermos personalidades individuais em vez de nomes que se escondem atrás de um todo. OEsquema era mais um processo do que um produto. Reunimos jornalistas, escritores, músicos, quadrinistas, fotógrafos, DJs, designers, palpiteiros, deslumbrados e céticos que tivessem uma mentalidade parecida com a nossa, urbanos de vinte e tantos ou trinta e poucos anos entendendo a relação da cultura e do comportamento modernos com as novas cidades e as novas mídias e tecnologias.
Nesses últimos sete anos vieram as redes sociais, a tecnologia móvel, a cultura em streaming e o início de maturidade política brasileira, processos que quase sempre se assemelhavam ao que havíamos pensado quando começamos a por OEsquema em prática. Não pioneiros – fomos os últimos representantes de uma cultura de clusters que foi atomizada e acelerada pelo impacto do mundo online e digital desta segunda década do século 20. Uma cultura que fez artistas se unirem em prol de causas estéticas, comunicadores criar os primeiros jornais, escritores se reconhecer coletivamente através das ideias. Um link que aproximou os primeiros modernistas, os primeiros anarquistas, os primeiros hippies, os primeiros punks, os primeiros hackers e os primeiros indies. E também os primeiros blogueiros, os primeiros videomakers, as primeiras bandas de rock, os primeiros fanzineiros.
OEsquema pertence a essa tradição de querer ficar junto dos outros. Somos a última espécie de uma época em que essa aproximação ocorria de maneira analógica e bem mais lenta. Mesmo que tenhamos nos conhecido primeiro virtualmente para depois nos conhecermos pessoalmente, nós dOEsquema temos os pés no século 20 e, como grupo, nos movíamos mais lentamente que a velocidade exigida pela internet no início desta década.
Com o mundo cada vez mais conectado, cada vez mais pessoas se conhecem simultaneamente, formando grupos que incluem anônimos e celebridades entre listas de amigos, seguidos e seguidores em diferentes plataformas sociais. O volume coletivo está cada vez mais intenso e são raros os maestros que se fazem entender no meio dessa cacofonia geral.
O fim de 2014 trouxe uma sensação de esgotamento para as pessoas no mundo todo relacionado a uma série de fatores diferentes. E, para nós, essa sensação não veio com um gosto feliz de missão cumprida mas também sem o amargor de um relacionamento mal resolvido. Seguimos amigos e próximos e vai ser inevitável que nos encontremos em novas parcerias – talvez agora mais intensas – num futuro próximo. Mas há um sentimento inevitável de falta de propósito, ao menos coletivamente, como cogitamos há quase uma década.
Seguimos cada um em nossos cantos, uns em seus próprios sites, outros firmes em redes sociais, mais alguns aproveitando o período para repensar sua relação com o digital. O Trabalho Sujo a partir dessa sexta assume seu próprio domínio como casa, quando começo uma enorme faxina editorial rumo ao aniversário de vinte anos, em novembro.
OEsquema pode ter terminado, mas a ligação que estabelecemos nestes anos é pro resto de nossas vidas.
Agradeço a todos que estiveram nessa enorme festa – nos encontramos por aí!
Beijos
Matias
PS – A carta de despedida do Bruno tá aqui . Linko as outras quando outras vierem.
Nesta quinta-feira, eu, Mini e Bruno estaremos representando OEsquema em três atividades no YouPix 2014. Na primeira delas, na própria quinta, vamos explicar um pouco o que é OEsquema e o que estamos pensando em fazer nos próximos estágios deste condomínio de blogs. Na sexta, eu converso com o Alex Antunes, o Neto Rodrigues e o Marcelo Costa sobre jornalismo cultural pós internet e no sábado o Mini media uma conversa com o Guilherme Valadares, o Marcelo Hessel e a Maria Joana de Avellar sobre como é tocar um site por conta própria. O YouPix não cobra ingresso de entrada, basta fazer sua inscrição aqui, e acontece no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, aqui em São Paulo. Mais informações abaixo:
17 de julho | 15h00 – 15h45
Conteúdo: curadoria x memes
Curadoria: OEsquema
OEsquema surgiu como um coletivo de 4 blogs e ao longo dos anos cresceu para se tornar um importante portal de cultura que privilegia curadoria e análise em detrimento de memes descartáveis. Essa proposta acabou angariando uma audiência mais qualificada cujos interesses transcendem as propostas mais instantâneas da internet atual. Que ensinamentos as marcas podem tirar deste case ao se conectar com os jovens digitais através de conteúdo?
Palestra com Alexandre Matias (jornalista, co-criador dOEsquema e dono do Trabalho Sujo, ex-editor do Link Estadão e da revista Galileu), Gustavo Mini (co-criador dOEsquema e editor do Conector) e Bruno Natal (co-criador dOEsquema, editor do URBe e co-criador do Queremos!).
18 de julho | 17h00 – 18h00
O jornalismo cultural na era das tags
Curadoria: OEsquema
Durante décadas o jornalismo cultural operou com uma lógica vertical e repleta de silos. Esse cenário era comandado por criticos especialistas em segmentos estanques como música, literatura e cinema. Além disso, o jornalismo de lançamento hoje está mais ligado ao marketing do que ao interesse da audiência, que está mais atemporal e independente da lógica de lançamentos. Como a internet e as redes sociais estão redefinindo o jornalismo cultural?
Com Marcelo Costa (criador do blog de música Scream & Yell), Alex Antunes (foi editor da revista Bizz e Set, é colunista do Yahoo) e Neto Rodrigues (editor-chefe do site Move that Jukebox) e mediação de Alexandre Matias (criador dOEsquema e do Trabalho Sujo, ex-editor do Link Estadão e da revista Galileu)
19 de julho | 14h00 – 15h00
Como sobreviver online em 2014?
Curadoria: OEsquema
Alguns empreendimentos que começaram como blogs nichados hoje estão se estruturando como veículos comerciais e relevantes culturalmente. Essa mudança gera desafios internos e cria uma nova geração de empreendedores da comunicação digital. Nesse debate, vamos ouvir alguns exemplos de como essa transição está acontecendo.
Com Marcelo Hessel (colaborador do Omelete), Guilherme Valadares (fundador do Papo de Homem), Maria Joana de Avellar (editora da revista NOIZE) e mediação de Gustavo Mini (criador dOEsquema e do Conector).
Mini manda avisar que o documentário The Mindscape of Alan Moore já está inteirinho em streaming no YouTube – e legendado. Assista enquanto não tiram do ar, pois é obrigatório:
O aniversário foi na sexta passada, lembrei online e o Mini aproveitou o gancho pra desenterrar versões para cada uma das músicas do Slanted and Enchanted. Eis minha favorita:
Que maravilha de programa: Arnaldo e Mini baixaram em SP e foram convocados a participar do penúltimo Vinteonze, ao som do disco do Bixiga 70. Então falamos do CD novo da Gal, da teoria do coautor, de um processo pessoal analítico de cultura, do desenho do Mundinho Animal, dum tio-avô racista, do hype um ano depois, de aprender a ceder, da lei mais psicodélica do Brasil, do clichê do filme de zumbi, de como o Melancolia e o Árvore da Vida se ajudaram mutuamente, do algoritmo do Google e do Facebook, do gosto como identidade, do Yorkshire morto e de Kin Jong-Il, de como Vitinho Sou Foda já é um has-been, da Comedy Central no Brasil, do próximo Messias, do disco de covers do Walverdes, da publicidade no útero, de ter filho só depois da Copa, da estréia de Arnaldo na direção, de smart-ass content, dos Sopranos da Idade Média, de conviver bem com a opinião alheia e de conclusões semelhantes sobre o Liberdade do Franzen.
Ronaldo Evangelista & Alexandre Matias – “Vinteonze #0031“ (MP3)
B.A., Cara de Pau, Murdock e Hannibal, da esquerda pra direita
Aconteceu essa semana, quando a Colmeia lançou três minidocumentários sobre três coletivos – por falta de melhor termo – para falar de como cada um deles funciona (além dOEsquema, eles também falaram com o Fora do Eixo e com a Soma). Até comentei na entrevista que o site ia crescer e que teríamos novos nomes em breve, mas no fim a edição acabou funcionando como o fim de fato da fase 1 dOEsquema. O fato dos quatro só termos nos encontrado pessoalmente na segunda passada – Mini e Arnaldo, por exemplo, nem se conheciam! – é sintomático: afinal, uma coisa é reunir nós quatro e outra é reunir todOEsquema, que, quem for mais esperto já percebeu, continua crescendo…
Já já eu falo mais disso.