O Brasil é um país tão peculiar que alguns de seus grandes heróis são humoristas – e o patriarca desse clã é o imortal Apparício Torelly, mais conhecido por seu pseudônimo Barão de Itararé, que, nos tempos de Getúlio Vargas, era um dos grandes desafiadores do sistema ao ironizar a forma como a política sempre foi feita por aqui – mesmo que voltasse a reação às suas piadas pudessem ser prisão e tortura estatais. Sua importância vem resgatada no documentário O Brasil Que Não Houve – As Aventuras do Barão de Itararé no Reino de Getúlio Vargas, uma parceria de dois grandes nomes retratistas de nossa cultura neste século, o jornalista Renato Terra e o cartunista Arnaldo Branco. Com vasta experiência em audiovisual, os dois se reuniram para roteirizar e dirigir a quatro mãos o documentário, narrado por Gregorio Duvivier, que terá exibições na mostra Première Brasil do Festival do Rio a partir do dia 5 de outubro e acaba de ter seu trailer divulgado. Um filme que vem em boa hora.
Arnaldo Branco, Clarice Falcão, Fabiane Langona, Laerte e Gregorio Duvivier falam sobre a importância do grupo inglês Monty Python, que aos poucos começa a disponibilizar sua obra no Netflix, em matéria que escrevi pro site da Trip. Um trecho:
“Lembro quando soube da existência deles, lendo O diário de um cucaracha, do Henfil, uma coletânea das cartas que ele escreveu quando morava nos Estados Unidos nos anos setenta — o Henfil descrevia a ideia geral do programa, chocado que uma parada que pegava tão pesado com a ideia de Deus passava na TV americana”, lembra Arnaldo, sobre a demora do grupo em chegar ao Brasil.
“Acho que o Monty Python ensinou a desenvolver um olhar meio cômico sobre tudo de ridículo e inerente à sociedade. Aquele esquete da entrevista de emprego idiota é um exemplo. Textos imensos. Timing de piada”, continua a quadrinista Fabiane Langona, que ainda reforça a importância do integrante norte-americano do grupo, o animador Terry Gilliam. “A estética dessas animações parece sempre ter feito parte da minha memória por osmose, muito antes de eu ter qualquer ideia do que era Monty Python”, lembra.
Clarice reforça a seriedade do grupo também do ponto de vista musical. “A primeira sequência que vi deles foi o começo d’O sentido da vida, com a canção do esperma, que me marcou profundamente. Era um número musical levado muito a sério e hilário. Acho que pra uma música ficar engraçada ela tem que ser levada a sério. O Eric Idle especialmente fazia isso muito bem”, explica. “Conheci mais profundamente o Monty Python, também por conta da amizade do grupo com o George Harrison — que armou uma produtora e hipotecou a casa pra bancar A vida de Brian”, continua Fabiane. “Adoro essa amizade. E acho que humor X música tem tudo a ver, ainda mais se tratando desse pessoal.”
“Humor é sempre ligado à circunstância — é difícil rir do mesmo modo com que se ria ao ler Jonathan Swift, ou Voltaire”, continua Laerte. “Mas as chaves que o Monty Python nos deixou abrem ainda muitas e muitas portas, isso é verdade.” “Eles continuam muito atuais. Eles estão no nível dos grandes humoristas que são eternos, como Chaplin e Buster Keaton”, emenda Duvivier. “Eles riem do humano, não do que acabou de acontecer essa semana. Não é humor de revista, trocadilho com o nome do presidente ou piada com uma coisa que acabou de sair do jornal. O humor deles é muito ancorado na realidade, no humano. Por isso que eles são tão duradouros, porque eles riem da condição humana — e também daqueles que estão no poder.”
Gregório Duvivier acerta mais uma vez na veia da nação canarinho ao expor a transformação do Vaticano em república bolivariana:
Vi no URBe.