E pra encerrar o papo Glastonbury, fique aí com a convidada do show que o grupo inglês Maccabees fez no festival, quando chamou Florence Welch – do grupo Florence & The Machine – para cantar dois de seus hits, “Love You Better” e “Dog Days Are Over”, em um dos primeiros shows da volta do grupo, que voltou à ativa no ano passado mas só agora começou a fazer shows, enquanto preparam material para um possível disco novo, o primeiro em dez anos.
Se a Gracie Abrams puxou seu pop prum lado mais sério no começo do festival de Glastonbury deste ano ao cantar a mágica “Just Like Heaven” do Cure, Olivia Rodrigo falou ainda mais grosso ao tocar não apenas essa música do Cure, mas também “Friday I’m in Love”, ao encerrar o festival inglês no domingo com a presença de ninguém menos que o próprio senhor Cure, quando convocou o mago Robert Smith para dividir o palco com ela nas duas canções. Que momento! Deu até pra desculpar a Olivia por ter chamado o Ed Sheeran para dividir o palco com ela no show que ela fez no Hyde Park, em Londres, na sexta-feira anterior (e não custa lembrar que ela puxou David Byrne pro palco dia desses…).
Outro bom momento do festival de Glastonbury deste ano foi quando a banda inglesa Wolf Alice, às vésperas de lançar seu aguardado quarto álbum The Clearing, sacou nada menos que a imortal “Dreams”, do grupo Fleetwood Mac, no meio do repertório do show que fizeram no fim da tarde do domingo no festival inglês, com a vocalista Ellie Rowsell esbanjando carisma.
Durante a apresentação do grupo Kneecap no festival de Glastonbury deste ano, o MC Mo Chara perguntou se o público iria ver o show de Rod Stewart, rindo que ele “é mais velho que Israel” – o que é verdade. O cutucão não foi sobre a idade do velho mod, mas sobre o fato de que há tempos o vocalista inglês abraça opiniões políticas toscas – desde os anos 70, quando apoiava o político conservador Enoch Powell por ser contra os imigrantes que vinham para a Inglaterra, até atualmente, quando, além de ser amigo pessoal de Donald Trump, também apoia outro político de direita, Nigel Farage. Mesmo se posicionando recentemente contra Benjamin Netanyahu e ameaçando terminar a amizade com Trump caso ele continue a apoiar Israel, o velho roqueiro ainda carrega – com razão – a pecha de conservador, mas conseguiu pelo menos um bom momento em seu show no festival, quando chamou o rolling stone Ron Wood para reviver um velho hit dos Faces, banda que tinham no final dos anos 60, antes de Wood entrar nos Stones, “Stay With Me”, em sua apresentação no domingo.
Enquanto assiste dois de seus sucessores assumirem o verão de 2025 – especificamente Lorde e Pulp, dois dos nomes que ela citou no festival de Coachella para tomar o bastão que ela passou após o verão Brat interminável que tocaram no Glastonbury deste ano -, Charli XCX foi ainda além na longa despedida de seu disco do ano passado ao, no final de sua apresentação no festival inglês atear fogo ao painel verde-limão que acompanha suas apresentações, causando uma série de questionamento em seus fãs. Será que é mesmo o fim da era Brat? Será que ela seguirá destruindo os ícones do seu disco nos próximos shows? Será que ela pode revelar novidades enquanto enterra seu passado? Enquanto as perguntas pairam no ar, ela segue com a turnê do álbum de 2024 deixando as músicas e sua performance ainda mais agressiva, para deleite de todos.
Apesar de já estar sendo cogitado desde antes do Glastonbury começar, a apresentação das Haim no festival inglês aconteceu no início da noite do sábado, quando as irmãs californianas tocaram pela primeira vez desde o lançamento de seu quarto álbum, músicas deste seu I Quit num show que não estava anunciado na programação. Diferente dos outros dois shows secretos – o de Lorde foi composto basicamente das músicas de seu disco deste ano enquanto o do Pulp trouxe apenas duas do recém-lançado More -, elas equilbraram a apresentação com músicas do novo álbum e hits dos discos anteriores. Mas não levantaram a bandeira do verão Haim – e olha que a Charli falou delas…
O trio de rap irlandês Kneecap já era uma das principais atrações do festival de Glastonbury deste ano mesmo antes do festival começar. Famoso por sua posição ativa contra o genocídio promovido por Israel contra o povo palestino, o grupo teve a transmissão de seu show no festival norte-americano Coachella cortada no momento em que gritaram “Palestina livre” aos microfones e sua escalação para o festival inglês foi criticada por muitas autoridades daquele país, incluindo o primeiro ministro Keir Stammer. O rapper Mo Chara, que foi acusado de terrorismo na Inglaterra por levantar uma bandeira do grupo Hezbollah no palco em um show em Londres no ano passado, teve tais acusações retiradas antes da apresentação do sábado, o que fez com que ele entrasse em cena anunciando que era “um homem livre”, lotando um dos palcos menores do festival, em que o público carregava dezenas de bandeiras da Palestina. “Os editores da BBC vão ter trabalhão”, brincou Chara ao ver o número de bandeiras à sua frente. Fazia referência ao fato de que a emissora estatal inglesa recusar-se a transmitir o show do grupo, que puxava coros contra o primeiro ministro inglês e o estado de Israel, sempre a favor dos palestinos. O trio irlandês não foi o único artista a falar contra o genocídio que está acontecendo em Gaza durante o festival: a dupla de grime Bob Vylan tocou um pouco antes do Kneecap fazendo o público gritar “Palestina livre” e “Morte à IDF” (sobre as Israel Defense Forces) em plena transmissão do festival pela BBC, que cortou o sinal do grupo na mesma hora. A banda australiana Amyl and the Sniffers também aproveitou o festival para criticar a indiferença dos países ocidentais à tragédia em Gaza; o vocalista da banda Inhaler, Elijah Hewson, dedicou uma música às pessoas da Palestina; o baterista dos Libertines, Gary Powell, ergueu uma bandeira da Palestina e o próprio festival abriu espaço para a ativista Francesca Nadin falar sobre a situação que Gaza atravessa atualmente. Pelo visto o festival deste ano foi o ponto de virada para as discussões sobre o assunto em eventos de larga escala, inclusive do outro lado, quando, por exemplo, o vocalista do grupo The 1975, Matt Healy, disse que preferia não falar de política com sua música, sem se referir aoassunto estava preferindo se silenciar. Um mané isentão.
O show da Lorde não foi o único show surpresa desta edição do festival de Glastonbury, na Inglaterra, nem foi também o único a receber o bastão da Charli XCX pra ser o anfitrião do verão deste ano no hemisfério norte, quando uma atração chamada Patchwork, que ninguém nunca tinha ouvido falar, revelou-se ser o próprio Pulp, tocando há exatos 30 anos e quatro dias após sua clássica aparição na edição de 1995 daquele mesmo festival. Depois de fazer mistério com pessoas com capas de chuva no palco de mãos dadas, quando o telão perguntou para o público se eles estavam pronto para o verão do Pulp, uma das promessas feitas por Charli quando ela começou a despedir-se de seu longo verão Brat no festival de Coachella, nos EUA, deste ano. “O motivo pelo qual tocamos aqui 30 anos e quatro dias atrás foi porque o guitarrista dos Stone Roses, John Squire, quebrou sua clavícula e recebemos o convite apenas dez dias antes do show… Dez dias!”, o próprio Jarvis Cocker lembrou durante a apresentação deste ano. “Estávamos mais nervosos do que nunca. Mas hoje é diferente… Me sinto bem sossegado e vocês?” O show do grupo ainda contou com um rasante da esquadrilha da fumaça inglesa e com ninguém menos que a jovem Olivia Rodrigo (será que era ela mesmo?) curtindo no meio da plateia. Bom demais esse verão Pulp!
E por falar no Glastonbury desse ano, imagino que vocês não devem dar a menor pelota pra filha do J.J. Abrams (que tem crescido cada vez mais como popstar), mas essa versão que ela fez pra “Just Like Heaven” no festival inglês ficou joia.
Além de criar o hype pro seu novo disco de forma cirúrgica: escolhendo músicas-chave para abrir o tema de seu novo álbum Virgin e sua sonoridade para o público ao mesmo tempo em que cria a tensão necessária entre aparições presenciais e presença digital que ela aprendeu com o Brat da Charli, de quem ela recebeu o bastão. Virgin, que foi lançado nessa sexta-feira, ainda não é uma obra-prima, mas é ótimo de ponta a ponta, completo e bem resolvido, retomando a promessa que era a artista neozelandesa quando lançou seu primeiro disco, o excelente Pure Heroine, e corrigindo os desvios comerciais que fez ao tornar-se uma artista pop para além do circuito indie (com seu segundo disco, Melodrama, que é bom, mas exagerado) e da fase hippie–chic do disco Solar Power (que a gente perdoa porque era pandemia – e nos deu pelo menos um hit). Fora que, uma vez lançado, o disco ganha uma vida para além da expectativa de sua autora, que mais uma vez, com maestria, soube aproveitar o momento fazendo uma aparição surpresa no festival inglês de Glastonbury, quando abriu os trabalhos na sexta-feira ressignificando o horário das 11h30 da manhã num festival deste porte no que seria a princípio um DJ set, mas que no fim foi um show de verdade, em que ela pode tocar, na íntegra, o recém-lançado álbum, Excelente.