Fúria de Titãs

, por Alexandre Matias

Essa saiu na RockLife, essa revista que mudou de cara agora…

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Quase voltando

Com a apresentação no Live 8 no ano passado, o Pink Floyd voltou a dar sinais de vida. David Gilmour lança seu terceiro disco solo – o primeiro em quase vinte anos – e alimenta as especulações sobre uma última vinda do grupo

“Sem mais desculpas”, dizia o letreiro sobre o palco do Live 8 no Hyde Park londrino, quando, no dia 2 de julho do ano passado, Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Manson voltaram a repetir ao vivo algumas das músicas que os tornaram um dos nomes mais icônicos da história do século 20. Mesmo sem o carisma pessoal de seus companheiros de panteão, os quatro indivíduos que formam o Pink Floyd (cinco, pois Syd ainda gravita ao redor) vivem uma das mais intrigantes biografias da cultura popular contemporânea, que reúne nada menos que o maior efeito colateral da história do rock, a cara da psicodelia britânica, o início do rock progressivo, extravagâncias de rockstar, nerdismo megalômano, um dos discos mais vendidos de todos os tempos, turnês biliardárias, uma separação traumática e o disco The Wall. Fora o nome, enigmático e simples, que ecoa bicho-grilos e professores de história, solos de guitarra e um imaginário incrível, músicas intermináveis e letras existencialistas.

Foram quatro faixas, “Speak to Me/Breathe” e “Money”, ambas do disco Dark Side of the Moon e cantadas por David Gilmour, seguidas de “Wish You Were Here”, en que Gilmour dividiu os vocais com Roger Waters, e “Confortably Numb”, esta última da megaegotrip chamada The Wall. Pessoalmente, são sujeitos sem a menor vocação para astros pop – e isso é parte crucial em sua mitologia. Mesmo podendo ser considerado uma continuação natural do lado musical dos Beatles (arrendaram o mesmo estúdio e o engenheiro Alan Parsons seguiu nos controles, pense em “I Want You (She’s So Heavy)” e o lado B de Abbey Road regido por Paul McCartney), eles são o avesso carismático do quarteto de Liverpool. Não é nem que sejam feios (quer dizer, Waters furou a fila umas três vezes, antes de nascer), mas não têm o élan pessoal que torna pessoas normais extraordinárias, quando colocadas em certos pedestais com determinados sons e luzes. Waters parece um Odair José novo-rico, berrando as letras feliz por ver o nome da banda que moldou voltar a estar do seu lado. Manson, burocrático até quando mais agressivo, parece um publicitário de meia idade, daqueles que depois de um certo tempo começam a achar que são escritores. Wright lembra um lorde falido, o triste fim de uma dinastia secular – embora seus extratos bancários mostrem uma curva no rumo contrário. E Gilmour, ralos cabelos brancos, olhar quase esvaziado de cansaço, o duro rosto que já foi o posterboy da banda, parece finalmente aliviado por ter de carregar o fardo que lhe perseguia desde a última vez em que os quatro tocaram juntos, no palco do Earls Court, também em Londres, há quase um quarto de século, no dia 17 de junho de 1981. Nem Waters, o maior ególatra da história do rock com capacidade para sê-lo, agüentou a responsa e dividiu o fardo antes de começar “Wish You Were Here”: “É mesmo muito intenso estar aqui com esses três caras depois destes anos todos”, comemorava, ainda incrédulo, “mas, na verdade, estamos fazendo isso para todos que não podem estar aqui, e, particularmente, para Syd”.

Waters evocando Barrett num miniconcerto com imagens do porco da capa de Animals e do vinil de Dark Side com o triângulo preto no rótulo girando nos telões, ao seu lado, Wright e Manson, este, o único integrante de todas as formações do grupo. Mais do que surpreso, Gilmour parecia um profeta assistindo suas previsões se concretizarem, mesmo que esta incluísse o sorriso maquiavélico de Roger, aparentemente o dono da situação. Mas Waters já tinha lançado discos solo, tomado The Wall de vez para si na queda do Muro de Berlim (espetáculo que está saindo agora em DVD) e feito turnês tocando músicas de sua antiga banda, mas sem ter de carregar o peso do nome do grupo. Encerrado em 82 após o triste The Final Cut não contar com o tecladista Rick Wright como um integrante oficial da banda, o grupo voltou à ativa em 1986, quando Gilmour reuniu-se com Manson e Wright para compor um disco de inéditas – A Momentary Lapse of Reason – seguido de uma monstruosa turnê. A volta do grupo sem Roger deu origem a uma série de shows, turnês, discos ao vivo, reedições e novas coletâneas que atualmente continua no relançamento do duplo ao vivo Pulse (aquele, da luzinha piscando sem parar). Antes do lançamento da turnê de retorno dos Rolling Stones em 1989, o Pink Floyd de David Gilmour já estava começando a se tornar um dos maiores monstros do showbusiness mundial – como se já fosse pouco a década de 70 que assistiu uma banda sem rumo se tornar o maior grupo de rock do mundo. E o show no Live 8 deu início à última rodada de boatos sobre o retorno definitivo do grupo. Embora pouco conversado e muito tenha sido especulado sobre esta terceira vinda, oficialmente nada foi anunciado (Gilmour soltou um “Quem sabe?” em entrevista ao site da Billboard em fevereiro deste ano) – embora seja quase inevitável, como capítulo final de uma saga quase fictícia, de tão bem amarrada.

O show de volta, há um ano, liberou David Gilmour para criar tranqüilo. Sem o fardo do nome da banda sobre si, o guitarrista, que completou sessenta anos no último dia 6 de março, não precisava mais recriar a atmosfera épica ou existencialista associada à banda – que saía tão naturalmente de Waters. Assim, partiu para finalizar seu terceiro disco solo, dezoito anos depois do segundo, About Face, de 1984. On an Island, desde o título, parece refletir o momento isolado de alguém que sempre trabalhou em conjunto. Mesmo reunindo-se ao lado de nomes como Phil Manzanera, David Crosby, Jools Holland, Chris Stainton, Robert Wyatt e Graham Nash (além de convocar a mulher, Polly Samson, para ajudá-lo com as letras, que não são seu forte – algo que já havia acontecido no último disco de estúdio do Floyd, The Division Bell de 1994), o disco é um tributo fantástico a uma das guitarras bluesy mais significativas da história do rock inglês – e são os solos, derretendo-se como violinos, gemendo como gaivotas, a peça central do novo álbum. Esqueça todo o resto. E procure o primeiro MP3 que Gilmour lançou no final de 2005 em site oficial – “Island Jam”, excluída do disco –, que talvez seja a magnus opus de um disco quase tímido. E, dizem que já está certo, ele pisa no Brasil no final do ano, com sua Island Tour. Cruzem os dedos.

E faça a figa para o Floyd. Embora incerto, é bem provável que esta turnê se realize. Pois o grupo é conhecido por sua autoconsciência histórica, como os Beatles, Dylan e os Stones, e está o tempo todo dando retoques em sua própria discografia. Além dos DVDs do show de Berlim de The Wall e do disco P.U.L.S.E., o grupo ainda relançou The Final Cut no ano passado e planeja uma edição de 30 anos para Wish You Were Here. Roger Waters já está em sua próprio turnê floydiana, tocando músicas solo e clássicos da banda na primeira parte do show (“Shine on You Crazy Diamond”, “Have a Cigar”, “Set the Controls for the Heart of the Sun”, “Mother”, “Sheep”) e a íntegra do Dark Side of the Moon na segunda – a turnê começou em junho deste ano e segue até julho, quando recomeça entre setembro e outubro nos EUA (Brasil? Waters não soltou seu “Quem sabe?” ainda). Nick Manson assumiu as baquetas em algumas datas e Rick Wright foi convidado para fazer o mesmo, mas declinou.

Enquanto isso, Wright seguiu tocando na banda de Gilmour – chegaram a presentear o público de uma apresentação na Califórnia com uma impensável versão para “Arnold Layne”, o primeiro single do Floyd, ainda da fase de Syd, com Rick nos vocais. E Manson se juntou aos dois nas apresentações de Gilmour no Royal Albert Hall londrino para tocar “Wish You Were Here” e “Confortably Numb” – concerto que deve ser lançado em DVD também no final do ano. Manson, inclusive, é o mais otimista sobre o fim da treta legal entre Waters e Gilmour para dar início ao fim definitivo do Pink Floyd – ao menos, em carne e osso. Veremos.