O pessoal da Ilustrada pediu para que eu falasse um pouco mais sobre a morte de um dos maiores nomes da música do século passado, Ornette Coleman. Postei o vídeo aqui.
Em show em SP, Ornette Coleman tocou no escuro; era sobre-humano
Ornette Coleman era daqueles sobre-humanos como Picasso, James Brown, Crumb, Eduardo Coutinho, Lou Reed e Orson Welles, uma força revolucionária encarnada em uma pessoa que redefiniria forma e conteúdo de toda uma linguagem artística.
Sua musicalidade demolidora expandiu ainda mais os limites do jazz, que já haviam sido extrapolados por Miles Davis e John Coltrane –ele queria ir mais longe que os outros dois.
Em sua última apresentação no Brasil, quando tocou em 2010 no Sesc Pinheiros, ele pôde mostrar um pouco dessa força.
A luz elétrica acabou no meio de uma do disco “Dancing in Your Head” (justo qual!) e depois de alguns segundos em silêncio, ele e sua banda prosseguiram no escuro, criando um momento único para os presentes.
No fim do show, mesmo aos 80 anos, ele foi encontrar o público à beira do palco, dando autógrafos e cumprimentando todos até que o último saísse. Mais que um mestre, um guru.
Conversei com a Tulipa sobre seu terceiro disco, Dancê (que pode ser ouvido inteiro aqui), para uma matéria na Ilustrada de hoje.
Novo álbum de Tulipa Ruiz vai da disco dos 70 ao pop dos 80
João Donato e Lanny Gordin estão em Dancê, trabalho que a cantora lança hoje
Um disco dançante, com capa feita pelo lendário quadrinista americano Robert Crumb. Esses eram os horizontes que Tulipa Ruiz colocou para seu terceiro disco, “Dancê”, quando recebeu o sinal verde para começá-lo, no fim de 2014.
Enfiou-se no carro de Gustavo Ruiz, seu irmão, guitarrista, produtor e principal parceiro. Juntos, os dois desceram para a praia de Camburi, no litoral paulista. Foi o começo de um retiro musical que da praia foi para a cidade mineira de São Lourenço.
Passaram 15 dias enfurnados em pré-gravações no estúdio caseiro de Gustavo. Depois se encontraram com a banda num sítio perto de Campinas. Gravaram o disco no estúdio da Red Bull, no centro de São Paulo, onde a cantora recebeu a reportagem – “Dancê” será lançado nesta terça (5), em formatos físico e digital.
“Eu tinha duas certezas”, diz Tulipa. “Queria um disco dançante, mas no sentido que você quisesse celebrá-lo com o corpo, não necessariamente um disco de dance music. Sabe quando o impulso vem primeiro aqui antes de ir pra cá?”, aponta para o quadril e depois para a cabeça.
“E tinha entrado numa viagem de que a capa seria do Crumb”, gargalha, ao que o irmão sacode a cabeça, olhando pra baixo: “Pouco pretensiosa.” Ela própria ri da ingenuidade, lembrando da pergunta que fez à época: “‘Gente, e se a capa for do Crumb?”
“Cheguei falando que ele ia adorar, porque sou um desenho dele e não ia nem cobrar!” Ela conta que achou a assessora do pai da HQ underground. “E ela disse: ‘Linda, o Crumb não trabalha mais'”.
POP NA VEIA
Mas se a segunda certeza não se confirmou, a primeira é a espinha dorsal sinuosa de “Dancê”, que escorrega pela pista, puxando a transição da disco music dos anos 1970 rumo ao pop oitentista.
As referências vão do “Realce” de Gilberto Gil aos primeiros Marina Lima e Ney Matogrosso, passando por Rita Lee na fase Lincoln Olivetti, a banda Vitória Régia de Tim Maia, o “Lindo Lago do Amor” de Gonzaguinha, o “Cartaz” de Fagner e o Caetano new wave.
O disco é também o cavalo de Troia de um novo cânone musical brasileiro. À primeira audição, parece superfluamente pop, lembrando hits de mais de 30 anos atrás.
Mas “Tafetá” tem a ilustre presença de João Donato. “Expirou” convoca o “guitar hero” Lanny Gordin. O mestre da guitarrada Manoel Cordeiro e seu filho Felipe surgem em “Virou”. Contemporâneos como o trio Metá Metá (na densa “Algo Maior”) e o produtor Kassin (na fútil “Físico”, inspirada em Olivia Newton-John) ajudam a engrossar um Olimpo do nosso pop atual.
O novo disco também é análogo à própria carreira de Tulipa, que surgiu quase tímida com o singelo “Efêmera” (2010) e começou a botar suas garras de fora no intenso “Tudo Tanto” (2012), lançado dois anos depois. “Dancê” parece botar o ponto final na primeira etapa de sua carreira.
Dancê
Artista Tulipa Ruiz
Lançamento Ponmello/ Natura Musical
Quanto R$ 29,90
Na Web www.tuliparuiz.com.br
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Escrevi sobre o Dia de Guerra nas Estrelas pra edição online Ilustrada de hoje, saca só:
Em 2015, fãs têm motivos de sobra para comemorar o ‘Star Wars Day’
Fãs da saga “Guerra nas Estrelas”, criada por George Lucas nos anos 70, estão com motivos de sobra para comemorar 2015. Afinal, neste ano eles estão vendo a materialização de algo que nem os mais entusiasmados podiam cogitar no início deste século: o episódio 7 da saga chega aos cinemas do mundo todo em dezembro deste ano.
As comemorações devem se concentrar nesta segunda-feira: afinal, em 4 de maio já é oficialmente comemorado o Star Wars Day —que, como acontece há alguns anos, também é festejado no Brasil.
A escolha da data vem de um infame trocadilho em inglês, misturando a pronúncia de “4 de maio” (“May the fourth”) com a bênção que os guerreiros sagrados da série de filmes dão uns aos outros, “que a Força esteja com você” (“may the Force be with you”).
As origens da brincadeira linguística remetem à chegada de Margareth Thatcher ao poder em 1979. O partido conservador inglês saudou a Dama de Ferro com um anúncio no jornal “London Evening News” no dia de sua posse como primeira ministra inglesa, em 4 de maio. Eles publicaram uma saudação que fazia alusão ao filme de maior sucesso no final daquela década: “May the fourth be with you, Maggie”.
DISNEY + LUCASFILM
Apesar do trocadilho existir há tempos, só a partir desta década que o 4 de maio começou a ser comemorado efetivamente. A princípio, em um encontro realizado no Canadá em 2011, que tinha exibição dos filmes, concurso de cosplay, jogos de adivinhação e premiações para as melhores paródias e homenagens feitas na internet.
O evento foi um sucesso e passou a se repetir ano a ano. A data ganhou Força —com o perdão do trocadilho— após a Disney ter comprado a Lucasfilm, produtora da saga, em 2012. Assim, a partir de 4 de maio de 2013 o Dia de Guerra nas Estrelas deixou de ser uma comemoração feita somente por fãs para ganhar chancela oficial da indústria do entretenimento.
A incorporação da Lucasfilm à Disney também impulsionou esta nova fase da franquia ao ressuscitar algo que era encarado pelos fãs como lenda urbana: a última trilogia da saga original.
O sucesso do primeiro “Guerra nas Estrelas”, em 1977, redesenhou a indústria do cinema como a conhecíamos. A saga inaugurou novos parâmetros no mercado: uma data única para o lançamento nacional de um filme, o foco no entretenimento e no público infanto-juvenil, a importância dos efeitos especiais na tela grande e o início da popularização em massa da ficção científica (mesmo que, na prática, “Guerra nas Estrelas” não tenha nada de sci-fi).
George Lucas não tinha como prever isso, embora apostasse todas suas fichas nesse sucesso. Quando o primeiro “Guerra nas Estrelas” tornou-se o grande campeão de bilheterias da temporada, o diretor e produtor sacou uma carta de sua manga: não era apenas um filme, eram três trilogias e o filme de 1977 era o quarto volume de uma saga enorme.
Só quando “Guerra nas Estrelas” reestreou no cinema para começar a divulgação do segundo filme, o grande “O Império Contra-Ataca” (1980), que Lucas adicionou o número do episódio (4) e um novo subtítulo (“Uma Nova Esperança”) ao primeiro filme. O sexto volume e terceiro filme (“O Retorno de Jedi”) veio em 1983, e assim Lucas encerrou a trilogia clássica, fazendo os fãs especularem sobre que histórias seriam contadas nos episódios 1, 2, 3, 7, 8 e 9.
Os três primeiros capítulos ganharam vida na virada do milênio: “A Ameaça Fantasma” (1999), “O Ataque dos Clones” (2002) e “A Vingança do Sith” (2005) contavam como o jovem Anakin Skywalker se transformaria no vilão Darth Vader. Os fãs, porém, ficaram frustrados com filmes enfadonhos e infantilizados, ao mesmo tempo superproduzidos e politicamente corretos.
As produções faturaram muito dinheiro e renovaram a franquia para uma nova geração. Mas, logo após a segunda trilogia, George Lucas começou a dar entrevistas anunciando que não iria fazer os três últimos filmes que havia prometido. Repetia que a história era composta apenas por seis longas e choramingava dizendo não ter vontade de se envolver com a série por ter sido avacalhado pelos velhos fãs devido às decisões que tomou nos três filmes mais recentes, como a inclusão de Jar-Jar Binks.
DESPERTAR DA FORÇA
Até que a Disney comprou a Lucasfilm e começou a rever esta história —o resultado é este 2015 agitadíssimo. O anúncio dos três novos filmes veio quase que simultaneamente à compra da empresa de George Lucas pela gigante de Walt Disney por US$ 4 bilhões, em 2012.
O sétimo episódio da saga, “O Despertar da Força”, foi agendado para dezembro de 2015, sob a direção do criador da série “Lost”, J.J. Abrams, o responsável por reapresentar a saga “Star Trek” para uma nova geração com os dois últimos filmes da franquia, em 2009 e 2013.
O elenco do novo filme foi apresentado no fim de abril de 2014, e une os novatos John Boyega, Daisy Ridley, Adam Driver, Oscar Isaac, Andy Serkis e Lupita Nyong’o aos veteranos Harrison Ford, Carrie Fisher, Mark Hamill, Anthony Daniels, Peter Mayhew e Kenny Baker. Estes últimos vivem os clássicos personagens da trilogia original (Han Solo, Princesa Leia, Luke Skywalker, C3PO, Chewbacca e R2D2, respectivamente).
O aquecimento para o 2015 de “Guerra nas Estrelas” começou ainda em dezembro do ano passado, quando foi divulgado um trailer de 90 segundos que instigou os fãs com novos cenários, novos personagens, um sabre de luz em forma de cruz e um voo rasante da Falcão Milenar de Han Solo.
Outro trailer, este com dois minutos, foi lançado em 16 de abril, provocando choro em muito marmanjo ao reapresentar Han Solo e Chewbacca em sua última cena.
O novo trailer foi o início do fim de semana Star Wars Celebration, uma espécie de Comic Con temática de “Guerra nas Estrelas” em Anaheim, Califórnia. Uma série de novidades sobre o próximo filme foi apresentada, mas sem entregar muito sobre a história. A celebração terminou com um novo anúncio: a série de filmes “Star Wars Anthology”, que contará histórias da saga paralelas às três trilogias.
O primeiro filme, “Rogue One”, conta como os Rebeldes conseguiram os planos para destruir a Estrela da Morte no filme de 1977 —não deve ter nada de Jedis ou sobre a Força, já que nesta época os Jedis eram tidos como extintos. O filme foi anunciado para 2016 e é uma prova de que a nova encarnação de “Star Wars” quer alcançar as mesmas proporções épicas do Marvel Cinematic Universe, a cronologia única que une todos os filmes do estúdio Marvel, desde o primeiro Homem de Ferro (de 2008) até as produções agendadas para 2019.
Pouco se sabe sobre “Episódio 7 – O Despertar da Força”, mas há várias pistas indicadas no trailer. Talvez a personagem de Daisy Ridley (Rey) seja da nova geração Skywalker, e possa se envolver com Finn (John Boyega), um provável stormtrooper fugitivo. Outra: o Império dos filmes anteriores não sucumbiu, e o sabre que Luke Skywalker segurava quando teve sua mão decepada por Darth Vader reapareceu misteriosamente.
Na única cena que apareceram no segundo teaser, Han Solo e Chewbacca estavam apontando armas para alguém. Uma nova versão do robô R2D2, batizada de BB8 (e que gira sobre uma esfera, em vez de arrastar-se com rodas), foi apresentada, mas não vimos ainda o que aconteceu com o androide C3PO.
4 DE MAIO
O 4 de maio, portanto, aumenta as expectativas em relação a mais revelações sobre o próximo episódio da saga. O dia já começou com o anúncio que o oitavo longa da série será filmado na Inglaterra e dirigido pelo norte-americano Rian Johnson (que assinou três dos melhores episódios de “Breaking Bad” e o filme “Looper: Assassinos do Futuro”, de 2012). O longa estreia apenas em 2017.
Aproveitando as comemorações, a revista “Vanity Fair” estampou a nova dupla de protagonistas Rey e Finn ao lado dos velhos conhecidos Han Solo e Chewbacca, além do simpático robozinho BB8, na capa de sua edição de junho, fotografados por Annie Leibovitz, uma das maiores retratistas de sua geração.
A publicação promete ainda extras com o elenco de “Star Wars 7” em seu site. O primeiro deles, um vídeo dos bastidores do ensaio com Leibovitz, foi divulgado no domingo.
E não são apenas novidades oficiais: na Austrália, um grupo de fãs construiu uma réplica gigante da nave Falcão Milênio usando blocos de Lego. No Brasil, há ao menos dois grandes encontros de fãs da saga programados para o 4 de maio: em São Paulo, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, às 19h30, e no Rio de Janeiro (Livraria Cultura Cine Vitória, no centro, às 19h30). Nos dois eventos, haverá bate-papos sobre o novo filme com presença de especialistas. No shopping Villa-Lobos há uma exposição de capacetes dos soldados do Império (os stormtroopers) customizados por artistas brasileiros.
A data de lançamento do primeiro “Guerra nas Estrelas”, em 25 de maio, também é comemorada anualmente, mas devido ao fato de coincidir com o “dia da toalha” (instituído duas semanas após a morte do escritor inglês Douglas Adams, o criador da série de livros “O Mochileiro das Galáxias”) e com o “glorioso 25 de maio” (da série “Discworld”, do autor inglês Terry Pratchett, morto em março ), a data é comumente referida como “o dia do orgulho nerd”. Mas isso é outra história.
STAR WARS DAY NO BRASIL
Em São Paulo
Quando: seg. (4), às 19h30
Onde: Livraria Cultura do Conjunto Nacional, av. Paulista, 2.073, Cerqueira César, tel. (11) 3170-4033
Quanto: grátis
No Rio
Quando: seg. (4), às 19h30
Onde: Livraria Cultura – Cine Vitória, r. Senador Dantas, 45, centro, tel. (21) 3916-2600
Quanto: grátis
O líder do Superchunk e dono da gravadora Merge Mac McCaughan vem ao Brasil pela quarta vez lançar o primeiro disco que lança com seu próprio nome. O disco Non-Believers também está sendo lançado pelo selo brasileiro Balaclava Records, que organiza seu primeiro festival no Centro Cultural São Paulo com direito a shows dos norte-americanos Shivas, dos brasileiros Shed e Soundscapes, além do show de Mac, que acontece no sábado. Conversei com ele por telefone há alguns dias e a íntegra do papo saiu no site da Ilustrada.
‘Papa’ do indie e líder do Superchunk, Mac McCaughan lança disco em SP
Um dos papas da cultura indie norte-americana apresenta-se em São Paulo no próximo sábado (25). Mac McCaughan, 47, atravessou os anos 1990 como a voz e uma das guitarras do Superchunk, uma das bandas mais autossuficientes do underground. E, ao lançar seus próprios discos, consolidou a reputação de sua gravadora, a Merge, no século atual.
A Merge entrou nos anos 2000 colhendo os frutos plantados na década anterior e atingiu o topo das vendas ao emplacar o grupo Arcade Fire como um dos principais nomes do música pop – e não apenas indie – atual.
A gravadora ainda conta com outros nomes de peso, como Spoon, Caribou e She & Him, além de queridinhos da crítica como M. Ward, Lambchop, Neutral Milk Hotel e Camera Obscura. Sem falar dos veteranos do rock alternativo, como Lou Barlow, Stephin Merrit, Dinosaur Jr. e Robert Pollard.
É nesta última categoria que McCaughan entra para o elenco da própria gravadora, ao lançar o primeiro álbum com seu próprio nome, depois do último disco do Superchunk, “I Hate Music” (2013) e de seu projeto solo, Portastatic.
“Non Believers” acaba de sair nos EUA e será lançado primeiro no Brasil no Balaclava Fest, que acontece neste final de semana (25 e 26) no Centro Cultural São Paulo.
Em entrevista por telefone à “Ilustrada”, Mac falou da quarta vinda ao Brasil – a primeira sem o Superchunk – e da evolução da cena indie no Brasil, além de falar sobre a sonoridade de seu primeiro disco solo e a busca por autenticidade fora da internet. Leia, abaixo, os principais trechos da conversa.
O Superchunk veio ao Brasil pela primeira vez em 1998, quando pouquíssimas bandas indies de fora daqui se arriscavam a fazer turnês no país – algo que se tornou corriqueiro nos últimos 15 anos. Você consegue perceber essa evolução?
É bem interessante notar isso, na verdade. Fomos ao Brasil pela primeira vez graças aos esforços do Jefferson [Santos] e Marcos [Boffa] da Motor Music, que ficava em Belo Horizonte. Eles haviam levado o Fugazi para aí e o Ian [McKaye], falou que a gente precisava ir também, mas devíamos saber que era como excursionar com uma banda punk nos Estados Unidos em 1978. Ele disse que não havia lugares específicos para tocar. Às vezes eram casas de shows de rock, mas às vezes eram restaurantes, cafés, bares, o que fosse. E ele disse que isso era incrível, e é claro que queríamos ir.
Nos sentimos com muita sorte por termos tocado aí da primeira vez, acho que foi em 1998. Voltamos logo em 2000, e depois em 2011. Sempre nos divertimos aí. Estou feliz por ir a São Paulo nesta semana, mas gostaria de voltar e tocar em alguns dos lugares que tocamos há muito tempo, em cidades pequenas, que não são tão pequenas e sim grandes, mas de que eu nunca tinha ouvido falar.
Acho que agora é bem mais comum ter bandas excursionando por aí em todo tipo de festival. Muitas bandas da Merge já tocaram aí desde que nós tocamos no Brasil pela primeira vez. E agora acho que as coisas estão bem mais, digamos, profissionais.
Mas o que nos deixou mais impressionados desde a primeira vez foi o entusiasmo das pessoas em nossos shows. Não tínhamos nenhuma expectativa em relação a saberem nossas músicas, mas as pessoas sabiam todas as letras, basicamente por causa da internet, e isso foi muito cedo em relação ao acesso mundial das pessoas à rede. Foi ótimo.
Você já havia pensado em como a internet poderia mudar a relação entre músicos e fãs?
Acho que uma das primeiras vezes que pensamos nisso foi após o primeiro show que fizemos em São Paulo. Ficamos impressionados porque era tão difícil comprar nossos discos aí e mesmo assim as pessoas sabiam todas as letras. O lado ruim disso é que você pode saber todas as músicas sem nunca ter comprado um disco [risos], o que torna difícil ter uma banda. O mesmo aconteceu há alguns anos, quando voltamos depois que gravamos o disco “Majesty Shredding”.
Por que lançar um disco com seu próprio nome quando você já tem o Superchunk e lançava discos como Portastatic?
Acho que a resposta fácil é que quis tornar as coisas mais simples. Quando comecei a gravar com o nome de Portastatic, o Superchunk estava fazendo seu próprio som. Mas eu queria poder gravar outro tipo de som, em casa, um som mais calmo, fazer coisas diferentes que não eram definidas como sendo de uma banda de rock.
E assim o Portastatic me serviu com o bom propósito de ser uma existência paralela ao Superchunk nos anos 1990 e 2000. E quando o Superchunk parou em 2002, o Portastatic tornou-se uma banda de rock. Mas ainda era um bom lugar para experimentar músicas e sons diferentes.
E, nos últimos anos, quando o Superchunk voltou à ativa, gravando discos e fazendo shows, comecei a fazer apresentações solo com meu próprio nome, porque cheguei num ponto em que posso tocar músicas do Superchunk e do Portastatic, todas misturadas no mesmo setlist.
Acho que sem ter essa regra que adotava, que separava o que era para o Superchunk e o que era para o Portastatic, cheguei a um ponto mais divertido e mais simples para mim se eu as tocasse solo. E se eu estava fazendo shows com meu próprio nome, deveria gravar discos com meu próprio nome também, em vez de continuar com essa coisa à parte do Portastatic.
Resisti a essa ideia por muito tempo, acho que ter um nome de banda é mais cool [risos], mas cheguei num ponto em que eu tenho de aceitar que é o meu nome. Mesmo que ninguém vai aprender a soletrá-lo ou pronunciá-lo corretamente, é o nome que eu tenho.
Quando você começou a gravar o disco?
Comecei a trabalhar nele no ano passado, provavelmente na primavera [do hemisfério norte, entre março e junho], bem no começo. Fui terminá-lo no outono. Gravei e mixei todo o disco em casa, além de tocar tudo exceto em uma música, “Our Way Free”, em que eu não consegui fazer a bateria soar como eu queria que ela soasse.
Tentei diferentes baterias eletrônicas, tentei eu mesmo tocar bateria, mas não estava me sentindo satisfeito e quase tirei essa faixa do disco. Porém, mandei a música para o Michael Benjamin Lerner, da banda Telekinesis, que também grava pela Merg. Perguntei se ele podia ser o baterista naquela música. Ele me mandou de volta um mix em que basicamente havia acertado de primeira. Ele meio que salvou essa música. A Annie Hayden, que era do Spent, e Jenn Wasner, do Why Oak, cantam em uma música.
Mas no fundo era só eu mesmo, o que é um dos motivos para levar tanto tempo em um disco solo, em que você pode trabalhar em seu próprio ritmo. É uma das coisas legais disso. Eu tinha bem mais músicas do que as que acabaram no álbum, mas quando eu entendi qual era o mundo sonoro que eu estava fazendo, tirei as faixas que não se encaixavam nele. Ao fazer discos eu ainda quero ter um sentimento unificado – não que todas as músicas tenham que soar iguais, mas elas têm de funcionar juntas.
Li que você havia gravado o disco falando de uma sentimento nostálgico em relação a uma determinada época na música…
Não é propriamente nostalgia, mas poder explorar um tipo de música que descobrimos a uma certa idade e que ainda tem algum tipo de ressonância ou ainda criam uma emoção a que você ainda se apega. A maioria das coisas que você ouvia quando tinha 14, 15 anos e que ficam por toda a sua vida.
Já ouvi falar que o gosto musical das pessoas amadurece aos 23 anos.
Acho que isso tem uma certa verdade, porque quando eu tinha 23 anos era 1990, mas eu estava ouvindo muitos discos de 1985 em vez dos de 1990 [risos]. Mas acho que o disco explora esse período de tempo do início dos anos 80, quando houve muita transição na música e as pessoas começaram a sair do punk rock para outro lugar, mas eles não sabiam para onde e por isso experimentavam sons e instrumentos diferentes, a que não tinham acesso antes.
Quando eu estou gravando um disco e pego um instrumento que não sei tocar – ou mesmo uma guitarra ou teclado que nunca havia usado –, quase sempre isso funciona como um ótimo ponto de partida para compor uma música . E sinto a mesma coisa em relação a esse período, essa época em que as pessoas tinham essa nova tecnologia, mas não sabiam como dominá-la. E assim muita música interessante foi criada. Era nessa época em que eu pensava quando gravei o disco.
Um tipo de som que não tinha rótulo antes dos anos 1990, que depois começou a ser referido como “alternativo” ou “indie”.
É engraçado, quando eu estava no segundo grau, se referiam a bandas como R.E.M. como sendo “college rock”, porque as rádios college [universitárias] eram os lugares em que era possível ouvir essas bandas. Depois, isso virou “rock alternativo” ou outra coisa do tipo. Mas eu não me importava que nomes teriam, porque nessa época eu vinha ouvindo bandas que ainda gosto, como o The Who, os Rolling Stones, o AC/DC.
Eram essas bandas que eu ouvia quando tinha 12 anos. E quando você começa a ouvir punk rock ou new wave, tudo soava totalmente radical e novo que você não precisava de um nome especial para isso. Era apenas tudo diferente, sabe? Para nós, talvez por morar em uma cidade pequena [o Superchunk é de Chapell Hill, na Carolina do Norte], nunca nos prendemos a um rótulo ou outro.
Gostávamos de tudo: das bandas hardcore, R.E.M., Smiths, New Order. Gostávamos de tudo porque era tudo bem diferente do que tínhamos acesso antes
Mas me referia ao fato de que, antes destes rótulos, os fãs dessas bandas se reconheciam por identidade estética. As pessoas ficavam amigas porque gostavam dos mesmos discos que pouca gente escutava
Sim, era muito importante para a gente, especialmente por viver em um lugar que não era Nova York. Você não podia ir lá ver qualquer banda ou comprar qualquer disco, você tinha que ir lá e descobrir as coisas no boca a boca, como você está falando, por meio de uma comunidade que gostava das mesmas bandas.
Você acha que essa sensação de comunidade que existia antes na música acabou?
Acho que em algum nível isso ainda existe, mas você tem que trabalhar ainda mais pesado para descobrir. Porque tudo está disponível o tempo todo on-line. Então, para descobrir coisas no meio disso tudo, você precisa encontrar pessoas comprometidas com a música, que mantêm um certo entusiasmo por alguma banda. Não acho que tenha desaparecido, acho que só é mais difícil de encontrá-las. De alguma forma isso pode ser expressado on-line, no Tumblr ou no blog de alguém. E tudo bem, mas quando essa comunicação acontece pessoalmente é mais eficaz.
E como você trabalha com isso, sendo dono de uma gravadora?
Temos que usar todas as ferramentas, o que inclui a internet, para encontrar as pessoas que achamos que irão gostar do disco e poderão trazer o máximo de pessoas para aquele trabalho.
Mas gerar esse entusiasmo e essa conexão ainda é algo muito pessoal. Há duas bandas da Merge que acabaram de lançar discos – Waxahatchee e Moutain Goats – e elas são exemplos de artistas que, quando você vai vê-los, percebe que as pessoas que estão os assistindo não ouviram falar da banda num site e foram ver o show.
São fãs, muito leais, muito envolvidos. Ouviram muito os discos, estudaram as letras e tudo mais. Acho que isso é uma emoção importante de manter entre as pessoas engajadas e apoiando artistas e bandas de que gostam.
Para terminar, como é o formato do show aqui em São Paulo? Pode pedir para tocar Superchunk?
O show é basicamente eu sozinho, só que estarei tocando guitarra. Então será um show solo elétrico e eu vou tocar músicas do disco novo e do Superchunk. Provavelmente esta semana vou perguntar para as pessoas no Twitter se elas têm pedidos e vou tentar tocar o que elas querem ouvir. Toco muitas coisas, tanto músicas novas quanto velhas.
BALACLAVA FESTIVAL
Quando sáb. (25) e dom. (28).; Mac McCaughan se apresenta no sábado
Onde Centro Cultural São Paulo – r. Vergueiro, 1.000, Paraíso, São Paulo, tel. (11) 3397-4002
Quanto de R$ 10 (meia) a R$ 20
Entrevistei o pessoal do Bixiga 70 sobre seu terceiro disco pra edição de hoje da Ilustrada – o disco vai ser lançado com shows hoje e amanhã na choperia do Sesc Pompeia. Vai ser foda!
Banda Bixiga 70 apresenta disco composto a 20 mãos
Só com criações coletivas, terceiro álbum está disponível para download
Os dez integrantes do grupo paulistano de música instrumental Bixiga 70 são tachativos em afirmar que estão mais juntos do que nunca: “É o fim de um ciclo”, comemoram. A união está explícita na ficha técnica de seu terceiro disco, mais uma vez batizado apenas com o nome da banda, que sublinha que todo o trabalho foi composto, arranjado e produzido coletivamente, diferentemente dos dois anteriores, em que cada músico trazia um tema para ser desenvolvido em grupo.
“Acho que a gente conseguiu chegar em um lugar coletivo graças à dinâmica desses cinco anos juntos”, explica o baterista e um dos fundadores da banda, Décio 7. “Bixiga 70”, o novo disco, já está para download gratuito no site da banda (www.bixiga70.com.br) e marca uma maturidade musical em que as diferentes influências de músicos se diluem no groove instrumental ritualístico próprio das apresentações do grupo.
Diferentes musicalidades – nordestinas, caribenhas, jamaicanas, africanas, jazz, cumbia, funk – se fundem num caldo grosso cada vez mais característico do som paulistano da banda. “A gente tá muito embriagado nisso, de curtir o lance dos dez estarem muito alinhados em fazer som juntos”, emenda o saxofonista Cuca Ferreira.
O novo disco também traz uma mudança em relação às composições, que desta vez foram realizadas em estúdio, ao contrário dos discos anteriores, quando eram compostas entre ensaios e passagens de som. “Chegamos no estúdio sem nenhuma ideia pré-concebida, tudo foi composto do zero no estúdio”, explica o guitarrista e tecladista Maurício Fleury. Após sua terceira turnê europeia, no meio do ano passado, o Bixiga 70 voltou ao Brasil e descobriu que tinha um prazo estreito para entregar o disco contemplado através de um edital – este foi o primeiro disco da banda que não foi autoproduzido. A data-limite obrigou os dez integrantes a se enfurnar no estúdio-casa da banda, o Traquitana.
Localizado no número 70 da rua 13 de maio, no baixo do Bixiga (daí o nome), o estúdio é o motivo de existência da banda, que começou quando Décio e o guitarrista Cris Scabello passaram a tomar conta do lugar, mudando seu nome para Traquitana. A história daquele endereço remete à virada dos anos 60 para os 70, quando ali funcionava o bar Telecoteco da Paróquia, ponto favorito dos músicos profissionais da época para beber – e tocar – após o expediente. Reza a lenda que nomes como Sarah Vaughan e Stevie Wonder se apresentaram no local, quando estiveram no Brasil. “Foi aqui que o Benito di Paula lançou o ‘Retalhos de Cetim’”, lembra Décio.
Foram 45 dias em que a banda não arredou pé do Traquitana até fechar o disco que será lançado em dois shows no Sesc Pompeia, nos dias 16 e 17 da semana que vem. Forte influência no novo trabalho foi a parte final da viagem europeia, quando a banda passou pelo Marrocos e, além de um show, ainda pode coordenar um workshop que teve momentos cruciais para o desenvolvimento do novo disco. “Teve um cara que eu tive que parar e pedir pra ele me ensinar como é que ele tirava microtons africanos de um instrumento europeu, o saxofone, que não foi feito para tocar aquilo”, entusiasma-se Cuca.
Além de alinhada musicalmente, a banda também divide os trabalhos do lado empresarial: Cris toma conta do administrativo da banda, Maurício cuida das mídias sociais e das negociações com selos e turnês pela Europa, função dividida com o saxofonista Daniel Nogueira, que também cuida da divulgação nos Estados Unidos, enquanto Décio e o trompetista Daniel Gralha cuidam da parte técnica e de logística de shows. Completam a banda o baixista Marcelo Dworecki, o trombonista Douglas Antunes e os percussionistas Rômulo Nardes e Gustávo Cék.
BIXIGA 70
Artista Bixiga 70
Gravadora independente
Quanto gratuito, para download no site bixiga70.com.br
Lançamento qui. (16) e sex. (17), no Sesc Pompeia, ingressos esgotados
Eis a matéria que fiz pra Ilustrada com o Cidadão Instigado sobre seu novo disco, Fortaleza, que sai em breve…
Cidadão Instigado aposta em rock pesado
‘Fortaleza’, novo disco da banda, bebe na fonte dos anos 70 e traz influências de grupos como Led Zeppelin e Pink Floyd
“Nossas raízes são essas”, explica Fernando Catatau sobre o acento setentista impregnado no quinto disco de sua banda, o Cidadão Instigado. “É o som que a gente sempre quis”. A espera pelo disco, que só para sair, é compensada na afirmação mais pesada do grupo: o épico Fortaleza, que chega à internet e aos palcos neste início de abril. A banda disponibiliza o disco para download gratuito ainda esta semana em sua página do Facebook (/bandacidadaoinstigado) e apresenta-se no palco do Sesc Pompeia na quinta (9/4) e sexta-feira (10/4) da semana que vem.
Fortaleza é o álbum mais ambicioso do Cidadão Instigado, cheio de riffs memoráveis, grooves de rock e coros de platéia. Saem os teclados do ensolarado Uhuuu! (2009) para a entrada de vocais e violões contemplativos. E, embora pesado em sua extensão, ele também traz momentos tranquilos e líricos.
O disco é o resultado final de um processo que começou em janeiro de 2012, quando a banda passou doze dias enfurnada em uma casa de praia de Icaraizinho de Amontada, próxima a Jericoacoara, no Ceará, arranjando as canções de Catatau.
Um ano depois se reencontraram no estúdio paulistano El Rocha onde gravaram as bases. “Continuamos laboratoreando”, emenda Catatau sobre as gravações que se seguiram entre os estúdios caseiros da banda até o início deste ano, quando foram gravados os vocais logo após o carnaval.
“Foi um processo parecido com a mudança entre o Ciclo da De:Cadência (de 2002) e o Método Túfo de Experiências (de 2005), de reinventar tudo”, conta o guitarrista, lembrado pelos outros integrantes sobre a época em que pensou até em mudar o nome da banda.
Mudanças
A mudança desta vez foi na formação: o guitarrista Régis Damasceno foi para o baixo, o baixista Rian Batista assumiu violões e teclados e o tecladista Dustan Gallas tomou conta da segunda guitarra.
Só Catatau, o técnico Kalil Alaia e o baterista Clayton Martin permaneceram nos mesmos lugares. A mudança traz novos e notáveis ares ao grupo.
Nesse processo surgiu o título do disco, que deu o rumo pesado da produção. A banda cita Led Zeppelin, Black Sabbath, Raul Seixas e Thin Lizzy como influências. Além, claro, do Pink Floyd, pois as gravações ocorreram ao mesmo tempo em que a banda fazia apresentações tocando a íntegra do clássico Dark Side of the Moon (1973).
“Começamos a reparar no desenho das músicas, como uma se encaixava na outra e como iam do estúdio para o palco”, explica Régis.
Clayton também fala sobre como mapa de palco do grupo inglês – que toca alinhado horizontalmente – ajudou o Cidadão a se reinventar ao vivo. O Pink Floyd também foi crucial para uma das assinaturas do novo disco, os arranjos vocais quase sempre naquele falsete de soft rock dos anos 70, que ficaram a cargo de Rian.
Declaração de amor
O nome da capital cearense inevitavelmente levou à composição da faixa-título, uma declaração de amor à cidade natal da banda, que ao mesmo tempo questiona os valores da sociedade atual (“Cidade marginal!”, canta dúbio Catatau).
“Não é uma música só sobre Fortaleza, fala do que aconteceu com o mundo todo, essa cara de banheiro de shopping de Miami. Eu sou o único paulistano da banda e vi isso acontecer no meu bairro, a Moóca”, reforça o baterista Clayton sobre a música que ainda conta com a participação do guitarrista Dado Villa-Lobos, do Legião Urbana, nos violões.
A referência à capital cearense quase trouxe o arcano hotel Iracema Plaza, para a capa do disco. Mas, como explica Regis, “o título não é um nome próprio, é um substantivo” e a banda optou pela capa preta com o nome da banda escrito em letras pontiagudas para enfatizar sua raiz rock e exigir o trono do gênero no Brasil. As credenciais estão à mostra.
FORTALEZA
Artista | Cidadão Instigado
Gravadora | independente
Quanto | grátis (www.facebook.com/bandacidadaoinstigado)
Shows | 9 e 10/4, às 21h30, Sesc Pompeia, r. Clélia, 93; tel. (11) 3871-7700; de R$ 9 a R$ 30.
Fortaleza dissecada
“Até que Enfim”
Baixo e bateria recebem o ouvinte com um galope à Saucerful of Secrets que ganha ares de velho oeste à entrada da guitarra e ao violão.
“Dizem que Sou Louco por Você”
Uma canção de amor que abre com um riff mortal e fecha com outro pesadaço.
“Os Viajantes”
Uma balada psicodélica com um solo cortante e vocais de Doobie Brothers.
“Perto de Mim”
“Ah se fosse assim eternamente eu só chorava…” Uma triste canção ao violão, que ganha ares de space rock graças às entradas das guitarras, teclados e vocais.
“Ficção Científica”
A paranoia de Catatau com os avanços tecnológicos traduz-se em uma faixa com várias facetas – pesada, dançante, lírica e alucinógena.
“Fortaleza”
“Minha Fortaleza ‘réia’ o que fizeram com você?”, pergunta o épico repente elétrico, apontando dedos para “os governantes” e “a elite” que desfiguraram a capital cearense.
“Besouros e Borboletas”
O “lado B” do disco abre com uma avalanche de groove lisérgico, que torna-se uma pacata canção para tocar na rádio AM, com todos os “u-uhs” e “a-ahs” que tem direito.
“Dudu Vivi Dada”
A bela balada melancólica – que também tem suas doses de riffs e arranjos vocais – é um dos melhores momentos do disco.
“Land of Light”
Um reggaeinho aparentemente inofensivo, é uma das gratas surpresas do disco – e ainda puxa a levada do samba-reggae em seu último minuto.
“Green Card”
Refrão para ser cantado em uníssono, riff de metal que conversa com timbres eletrônicos e guitarras que solam à distância, a faixa ironiza a fila para conseguir cidadania norte-americana.
“Quando a Máscara Cai”
Outra faixa bem pesada, é a segunda parte da faixa “Zé Doidim” do disco O Ciclo da Dê:Cadência, de 2002.
“Lá Lá, Lá Lá Lá Lá…”
O disco termina como se os Beatles fizessem uma faixa vocal sem letras para cantar o por – ou o nascer – do sol.
Há exatamente 50 anos Bob Dylan lançaria o disco que mudaria completamente sua carreira e inaguraria os anos 60 como nós os conhecemos hoje. Escrevi sobre o Bringing it All Back Home na Ilustrada deste domingo, mas o texto inteiro não coube no papel, por isso publico a íntegra abaixo:
Trazendo tudo de volta para casa
Há 50 anos Bob Dylan lançava o disco que mudou sua carreira e a história da música pop, além de inaugurar os anos 60
Bob Dylan entrou no estúdio da Columbia naquele dia 13 de janeiro de 1965 exatamente doze meses depois de mudar drasticamente sua carreira. Há um ano ele lançara o disco The Times They Are a-Changing e e seu encontro com os Beatles, seis meses depois, lhe obrigou a repensar seus próprios rumos. O resultado daqueles três dias de gravação seria um disco que mudaria completamente sua biografia e a história da música pop, além de inaugurar os anos 60 como o conhecemos hoje em dia – Bringing it All Back Home foi lançado há exatos 50 anos, no dia 22 de março de 1965.
No fim de 1963 Dylan começou a abandonar o personagem “gente humilde” com o qual conquistou a cena folk nova-iorquina, que lhe elegeu herdeiro de Woody Guthrie, o bardo folk americano que era o símbolo da música do povo oprimido dos EUA. Em vez de músicas contemplativas e resignadas, ele começara a apontar o dedo desafiadoramente para as autoridades, com músicas que começavam a capturar o inconsciente coletivo norte-americano após o assassinato de John Kennedy, como “Masters of War” e faixa que iria batizar seu terceiro disco, lançado no início do ano seguinte.
Aquele novo repertório mudara completamente a relação de Dylan com seus fãs, que passavam de admiradores a devotos. Em poucos meses ele era eleito voz de sua geração e aos poucos começou a ver que havia se metido em uma enrascada. Para fugir deste papel, deu mais uma guinada, desta vez para dentro, cantando canções de amor mais introspectivas e com uma banda, ainda acústica. A nova fase foi registrada no disco Another Side of Bob Dylan, lançado em agosto daquele ano, que foi suficiente para causar reclamações dos fãs. Eles mal sabiam o que viriam.
No final daquele agosto, no dia 28, Dylan encontrou John, Paul, George e Ringo num quarto do hotel Delmonico em Nova York, onde fumaram um baseado juntos, o primeiro dos Beatles. Os quatro de Liverpool haviam tomado os EUA de assalto, preenchendo o vácuo afetivo do assassinato de Kennedy com gritos, guitarras e muito ritmo. Aquela mudança de sonoridade afetou diretamente Dylan, que antes de tornar-se centro da cena folk nova-iorquina, havia sido filhote dos primeiros dias do rock’n’roll. “Quando ouvi Elvis pela primeira vez”, repetiu em várias entrevistas, “sabia que nunca iria trabalhar na vida e que ninnguém iria ser meu patrão.” Dylan foi líder de bandas de baile nos anos 50 – como Shadow Blasters e Elston Gunn & The Rock Boppers – e desistiu do rock quando Buddy Holly morreu. Mas o sucesso e a energia dos Beatles o reanimaram – sem contar que eles eram ingleses inspirados por música americana. Era hora de trazer aquela energia de volta pra casa.
E foi com essa disposição que entrou no estúdio nova-iorquino em 1965. Na mesa de comando, o produtor Tom Wilson, que havia trabalhado nos discos anteriores de Dylan, estava disposto a fotografar o que quer que Dylan trouxesse. E ele trouxe um calhamaço de canções completamente novas, que misturavam citações bíblicas, a história dos Estados Unidos e poesia francesa do final do século 19, empilhando citações de forma cínica, completamente distante do Dylan heróico do ano anterior.
O primeiro dia de gravação foi um aquecimento, em que Dylan testou formações e sonoridades. Colocou o guitarrista John Sebastian, que nunca havia tocado baixo, para assumir o instrumento, sentou-se ao piano na maior parte do dia, o novato Kenny Rankin para tocar guitarra elétrica, que também nunca havia feito. A torrente de palavras das canções era reflexo de uma viagem de carro pelos Estados Unidos de costa a costa, quando, no banco de trás do carro, Dylan ia datilografando poemas, letras de músicas e comentários aleatórios. As novas canções foram apresentadas por um Dylan sempre de terno preto e RayBan Wayfarer, rindo e sorrindo muito mais do que o normal.
Nos dois dias seguintes, gravou o disco, composto quase inteiro por clássicos, em pouquíssimos takes. Seu lado A, elétrico, começa com a avassaladora “Subterranean Homesick Blues” confundindo completamente os fãs ao misturar política, frases de efeito e a paranoia da guerra fria. Na mesma linha, a cáustica “Maggie’s Farm” e a épica “Bob Dylan’s 115th Dream” (que é interrompida logo no início por uma crise de riso pois a banda não conseguiu acompanhar Dylan) mostravam que a eletricidade e histórias criadas a partir do imaginário norte-americano eram um caminho sem volta.
No lado B, acústico, o disco trazia músicas que mostravam que Dylan, mesmo só ao violão, estava indo muito além do folk, graças a canções como a enigmática “Mr. Tambourine Man” e as cruas “Garden of Eden” e “It’s Alright Ma (I’m Only Bleeding)”. O disco terminava com uma de suas canções mais emblemáticas, “It’s All Over Now, Baby Blue”, que antes de repetir seu título pela última vez, desafia o ouvinte ao mostrar que as regras haviam mudado: “Strike another match, go start anew” – “risque outro fósforo (ou comece mais uma briga), vamos recomeçar tudo de novo.”
Mal sabiam – Dylan e fãs – como tudo iria mudar no decorrer de 1965. “Mr. Tambourine Man” iria parar no topo da parada dois meses depois graças a uma versão dos Byrds que inaugurava o folk rock. Os Rolling Stones gravariam “Satisfaction” inspirados pelo pedal fuzz que Dylan usara em “Subterranean Homesick Blues”. O próprio Dylan gravaria sua canção-símbolo – “Like a Rolling Stone” – em menos de um semestre, além de fechar a tríade de discos que o consagrou (Highway 61 Revisited e Blonde on Blonde) em pouco mais de um ano. O rock começava a deixar de ser visto como música de adolescente e os anos 60 começavam a mudar inesperadamente. E está tudo ali em Bringing it All Back Home.
Dentro da capa
Neste dia 14 de fevereiro o YouTube completou sua primeira década de existência e eu escrevi uma linha do tempo ressaltando os grandes momentos na história do site e seu impacto em nosso dia a dia pra Ilustrada deste sábado.
Aperte o play
Maior arquivo de vídeos do mundo completa dez anos hoje; lembramos de alguns feitos do YouTube que mudaram nossa relação com a cultura
No começo era só um site em que qualquer um podia subir seu vídeo. Três ex-funcionários do serviço de transferência digital de dinheiro PayPal apostaram no formato que permitia ao usuário divulgar conteúdo sem intermediários, num tempo em que o vídeo on-line era uma lentidão cheia de engasgos.
Quando, no dia 14 de fevereiro de 2005, Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim ativaram o domínio YouTube.com, eles não podiam imaginar que no final do ano seguinte estariam sendo comprados pelo Google por US$ 1,65 bilhão e teriam sua criação na capa da revista “Time”.
O fato é que o YouTube mudou completamente a nossa relação com a internet graças à popularização da comunicação em vídeo. Se antes ela era oligopólio de poucos grupos de comunicação, emissoras de TV, produtoras de conteúdo e estúdios de cinema, a partir da explosão do site o mundo redefiniu o modo como consome e produz vídeos.
Virais intencionais ou não, trailers e músicas que estreiam longe dos cinemas, das TVs ou das lojas de disco, anúncios políticos, diferentes formas de se contar uma história, protestos, esquetes de humor: o YouTube tornou-se um dos canais mais assistidos do mundo todo, nos acostumou a consumir conteúdo via streaming em vez de download e mudou completamente o planeta nos últimos dez anos.
Escrevi a matéria de capa da Ilustrada dessa quinta-feira, comparando as versões norte-americana e brasileira da biografia sobre Mick Jagger escrita por Christopher Andersen – e os detalhes que separam as duas edições têm a ver com o envolvimento do vocalista dos Stones com a brasileira Luciana Gimenez.
“Você nem sempre consegue o que quer, mas, se tentar, às vezes, consegue o que precisa”
Biografia não autorizada de Mick Jagger é adulterada na edição brasileira para minimizar problemas com Luciana Gimenez
Uma das pessoas mais conhecidas do planeta, dono de centenas de milhões de dólares, autor de uma obra que reúne álbuns clássicos, dezenas de hinos para diferentes gerações e um dos líderes das transformações sociais da segunda metade do século 20.
A biografia de Mick Jagger é naturalmente carregada de superlativos, intercalando a obsessão pela própria imagem com um número inacreditável de conquistas sexuais, entre celebridades e anônimos.
Mas a edição brasileira de “Mick – A Vida Louca e Selvagem de Jagger” (Objetiva), escrito pelo norte-americano Christopher Andersen, traz uma quase bucólica “nota do editor” ao final de suas páginas que altera alguns detalhes da versão original.
As mudanças, no entanto, pouco têm a ver com surubas, viagens alucinógenas ou rituais satânicos que surgem pelas páginas do livro. Todas estão especificamente relacionadas ao relacionamento do vocalista dos Rolling Stones com a apresentadora brasileira Luciana Gimenez, com quem o vocalista tem um filho, Lucas, hoje com 15 anos.
São detalhes. Em alguns trechos da edição original o autor insistia na dúvida que Luciana teria engravidado de propósito, parando de tomar anticoncepcionais sem avisar Mick Jagger –trechos omitidos na edição brasileira. A passagem que diz que Luciana conheceu Mick em uma festa numa mansão omite na versão brasileira que os dois teriam feito sexo no canil da casa.
E a mãe de Luciana, Vera Gimenez, que atuou em filmes como “Nós, os Canalhas” (1975), “Já Não se Faz Amor Como Antigamente” (1976), “As Safadas” (1982) e “Oh! Rebuceteio” (1984), é descrita como atriz, sem o adjetivo “soft porn” (pornochanchadas) que aparece na edição original.
CLAREZA
“Nenhuma mudança foi exigida por terceiros”, diz, agora, o autor da biografia à Folha. “Três das mudanças foram feitas por mim e três, a pedido da editora”.
A editora Objetiva, em nota através de sua assessoria de imprensa, reforça que “todas as alterações foram aprovadas previamente por Christopher Andersen –e só por ele”, comunicou.”Estas alterações não resultaram na retirada de informações, mas na clareza e rigor jornalístico.”
Entretanto, em entrevista ao jornal “O Globo”, em novembro de 2014, o biógrafo se mostrava indignado:
“Fiquei chocado ao saber que o Brasil proíbe biografias não autorizadas. Como o país pode ser uma sociedade livre sem saber a verdade sobre suas figuras públicas? Depois de 45 anos de carreira e 33 livros, aprendi que a maioria das celebridades mentiu por tanto tempo sobre a própria vida que esqueceu o que é real. Em nenhuma edição estrangeira de meus livros tive trechos suprimidos. A verdade é a verdade. Censura é censura. Qual é o próximo passo, fogueiras de livros? Essas celebridades que defendem causas liberais e depois tentam controlar tudo o que é escrito sobre elas são hipócritas. Cada sílaba da biografia é real.”
Procurada pela reportagem, Luciana Gimenez negou envolvimento na edição. Disse não ser “a favor de censura, mas tampouco sou conivente com a publicação de mentiras”, informou, por meio de sua assessoria de imprensa.
“Que Mick e eu tivemos uma relação; que essa relação foi e continua sendo a melhor possível; que o fruto dela foi nosso filho Lucas, hoje com 15 anos; isso tudo é verdade. Qualquer mentira, difamação ou distorção da verdade, seremos sempre contra”, finalizou.
TABLOIDE
O livro segue o tom de tabloide e a tradição de biografias não autorizadas que nunca seriam publicadas no Brasil, como o de outras obras de seu autor: Michael Jackson, Madonna, casais presidenciais e reais, além da princesa Diana, quase todos presentes na lista de best-sellers do jornal “The New York Times”.
A imagem que o livro passa do vocalista dos Stones não abala sua reputação, apenas a reforça. Mostra o quanto ele é obcecado por controle, destratando todos ao seu redor –apenas para criar um vínculo doentio com seu eterno parceiro Keith Richards.
E, claro, há um desfile de conquistas sexuais para todos os gostos: de David Bowie a Angelina Jolie, passando por Carla Bruni e os próprios stones Brian Jones e Keith Richards. “Acho que ele é como um vampiro sexual”, explica, em dado momento, a sexoterapeuta que Jagger procurou para tratar sua compulsão por sexo.
“Estar com todas essas pessoas faz com que se sinta jovem e fornece toda essa energia”. Mas, como ninguém é de ferro, a própria terapeuta confessou ter ido pra cama com Jagger.
Esta não é, no entanto, a primeira vez que entrevisto Sterling – apenas a primeira vez pessoalmente. Certa feita já havia entrevistado o sujeito, mas para a Folha de S. Paulo, no falecido caderno Mais, à época do centenário de Júlio Verne, em 2005. Ó só:
O pai da matéria
O escritor cyberpunk Bruce Sterling fala sobre o papel de Júlio Verne, cuja morte completa 100 anos, como fundador da ficção científica
Bruce Sterling animou-se para conversar sobre Júlio Verne. Um dos pais do último grande cânone da ficção científica no século passado, o gênero chamado de cyberpunk, Sterling não é apenas um dos inúmeros frutos da árvore genealógica que o escritor francês, autor de livros como “20 Mil Léguas Submarinas” e “Cinco Semanas Num Balão”, plantou no final dos 1800. Mais do que isso, Bruce é um entusiasta fervoroso do papel de Verne como pai da matéria.
“Quando Júlio Verne inventou a ficção científica”, disse Sterling em sua palestra no sexto Simpósio Internacional de Arte Eletrônica (o ISEA), em 19 de setembro de 1995, em Montreal, no Canadá, “ele descobriu quase acidentalmente que a França do século 19 era um grande mercado para tecno-romances. Ele encontrou e alimentou o enorme apetite cultural da época por tecnologias futuristas como o balão de ar quente, o submarino elétrico, o navio de guerra equipado com aeronaves, o canhão lunar”.
“Hoje, ao fim do século 20”, continuou, “eu sinto uma grande senso de solidariedade para com meu ancestral espiritual quando falamos de assuntos como realidade virtual, telepresença e vínculos diretos entre nosso cérebro e o computador. Mesmo quando estou aqui, em frente de vocês, eu mal consigo esconder minha gana natural em inflar estes enormes balões hi-tech prateados com o ar quente da imaginação”.
O paralelo que Sterling traça entre sua própria obra e a de Verne não almeja a autocelebração – é quase como um exercício dos limites que qualquer escritor que lide tanto com ficção científica quanto com as transformações da tecnologia atual em nossa sociedade deveria fazer consigo mesmo. Autor de livros como “Piratas de Dados”, “Tomorrow Now” e da coletânea “Mirrorshades: The Cyberpunk Anthology”, Bruce, tecnófilo e enciclopédico, briga para que um autor francês seja considerado o pai de um gênero cujas grandes obras foram escritas em inglês.
Verne, cuja morte completou 100 anos no último dia 24 de março, foi celebrado por Sterling nos prefácios que este escreveu para novas edições de “Volta ao Mundo em 80 Dias” (Around the World in Eighty Days, Random House, 2003) e “A Ilha Misteriosa” (“The Mysterious Island, New Amer Library Classics, 2004), e no já clássico ensaio “Midnight on the Rue Jules Verne, em que repassa a biografia do francês de forma a enaltecê-lo. “Uma espécie de tradição popular na ficção científica circunda seu pai fundador Júlio Verne. Todos sabem que ele era o cara quando a megalópole moderna da FC era apenas uma vila do século 19. Há um monumento em bronze em sua homenagem na parte velha da cidade, o Vieux Carre. Vocês sabem, aquela parte que foi construída pelos franceses, antes de existirem os carros”.
Qual é a principal contribuição de Júlio Verne neste primeiro século após sua morte?
Ele inventou um novo tipo de romance, que tornou-se tão conhecido e lucrativo a ponto de pavimentar o caminho para um gênero inteiro que existe até hoje.
Pode-se dizer que ele era um escritor de literatura fantástica que gostava de tecnologia?
Acho que é mais apropriado dizer que Júlio Verne escrevia sobre tecnologia, ainda que se permitisse algum exercício de literatura fantástica.
Suas idéias ajudaram no desenvolvimento da ciência e da tecnologia que veio depois da publicação de seus livros ou ele apenas estava a par do que acontecia na época?
Verne tinha conexões muito boas com o mundo científico, especialmente entre geógrafos e exploradores. Ele pôde tornar públicas muitas tecnologias ainda incipientes, como a energia elétrica, que eram apenas curiosidades de laboratório em sua época. Muitos de seus jovens leitores ficaram tão intrigados por seus livros que se profissionalizaram em campos técnicos – desta forma, ele também agia como recrutador de profissionais técnicos.
Não é interessante o fato de o principal escritor da Revolução Industrial ser francês?
Não, de forma alguma. A França era um centro de poder científico e industrial com alcance global. Se a França não tivesse saído tão ferida nas guerras da Europa continental, provavelmente estaríamos falando em francês agora. Na época de Verne, a memória de um conquistador mundial como Napoleão ainda era muito recente, enquanto os revezes assustadores da Guerra Franco-Prussiana, da Primeira Grande Guerra e da Segunda Guerra Mundial ainda iriam acontecer no futuro. Os franceses são um povo ótimo, mas sua condição geográfica não foi justa com eles.
O que você acha da obra de Verne em termos literários?
Bem, ele não é de forma alguma um literato elegante, mas acho que Verne é melhor escritor de prosa do que o que seus críticos dizem. Ele é muito bom ao construir cenas dramáticas com reviravoltas surpreendentes. Mas sua grande virtude era sua pesquisa meticulosa. Eu não consigo lembrar de outro escritor de histórias fantásticas que o consiga equipará-lo neste quesito. Ele era capaz até mesmo de escrever enciclopédias, o que ele, na verdade, também fez.
Qual era a importância política de um escritor de ficção científica tão popular em sua época?
Verne é um autor lembrado por todo o planeta e não há dúvidas de seu orgulho de ser francês, mas poucos livros seus se passam na França. Ele era um escritor europeu que não temia olhar para além da fronteira. Se uma Europa futura quiser assumir um papel de líder global, ele pode ser um interessante exemplo a ser seguido. Ele seria um exemplo ainda mais interessante a ser seguido por novos escritores de ficção científica que tentem trabalhar com os grandes poderes em desenvolvimento de países emergentes como Índia, China e Brasil. Imagine uma “Volta ao Mundo em 80 Dias” moderna, em que Aouda é o personagem principal e todo o livro seja indocêntrico. Seria uma obra bem interessante.
Antes de ser publicado, Júlio Verne foi descartado por diferentes editores como sendo “científico demais”.
Escritores recebem críticas e são rejeitados pelas razões mais improváveis. Eu acho que o verdadeiro motivo pelo qual Verne era dispensado com freqüência é que ele simplesmente não era um praticante literato convencional. Ele nunca passou muito tempo discutindo romances com escritores; as raízes de sua literatura estão no teatro. O status quo literário não é muito agitado, mas se você o ignorar, é muito provável que eles lhe paguem na mesma moeda. E eles não sabiam o que fazer com Verne. Ele deixou Paris, que era a capital da vida literária, para trabalhar em Amiens. Ele se marginalizou por opção.
Mesmo sendo contemporâneo de autores como Alexandre Dumas e Victor Hugo, Júlio Verne é o autor mais traduzido de todos os tempos. Qual é o motivo de sua popularidade?
Acho que você deveria perguntar porque Dumas e Hugo são menos populares hoje em dia. E eu acho que é porque suas obras estavam envolvidas com as tensões culturais de seus tempos que cada vez mais tornam-se parecidos com artefatos do passado. Verne tinha uma visão mais remota e abstrata dos assuntos da pauta de sua época, por isso seus livros envelheceram melhor.
Ele pertence a uma geração de escritores que viu o declínio da dominação mundial francesa e a ascensão do Império Britânico. Suas obras refletem esta mudança de poder?
Acho que a grande mudança no trabalho de Verne acontece logo após que ele se torna um político eleito. Uma vez que ele se tornou uma autoridade local e estava envolvido com o governo diário de uma cidade, ele passou a entender que o mundo não dá margem para super-heróis fantásticos como o Capitão Nemo. É quando seu trabalho torna-se mais quadrado e pessimista – como se alguém o levasse para trás das cortinas, onde ele pudesse ver as alavancas e as engrenagens. Isso pode ser um pouco desapontador.
Quais são seus livros favoritos de Júlio Verne?
“Vinte Mil Léguas Submarinas” é sua obra-prima. Mas meu livro preferido é “Paris no Século 20”. É uma obra de texto fragmentado, mas ao mesmo tempo é uma das visões mais impressionantes do futuro jamais imaginada por um romancista.
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Júlio Verne no Brasil
Algumas obras do autor francês que estão em catálogo no país
Volta ao Mundo em Oitenta Dias (Ed. Ática, 2000, 248 págs. R$ 19,90)
Cinco Semanas Num Balão (Ed. Ática, 1998, 304 págs. R$ 19,90)
Paris no século XX (Ed. Ática, 1995, 224 págs. R$ 20,00)
Viagem ao Centro da Terra (Ed. Ática, 2000, 232 págs. R$ 19,90)
A Jangada – 800 Léguas Pelo Amazonas (Ed. Planeta, 2003, 371 págs. R$ 38,00)
20 Mil Léguas Submarinas (Ed. Ediouro, 2004, 184 págs. R$ 24,90)
Da Terra À Lua (Ed. Melhoramentos, 2004, 128 págs. R$ 19,90)
O Raio Verde (Ed. Melhoramentos, 2005, 128 págs. R$ 19,90)