Do salto ao voo

Uma noite mágica. Assim foi a apresentação que Francisca Barreto fez no Sesc Belenzinho neste domingo, quando conseguiu afiar ainda mais o espetáculo que organizou no final do ano passado e vem lapidando desde então. Com uma banda enorme entregue à sua sensibilidade, ela conseguiu sintetizar os sentimentos que queria passar para o público ao mesmo tempo em que mostrou que está pronta para assumir uma nova fase, em que deixa de ser apenas instrumentista e intérprete para assumir-se como compositora, vocalista e autora. O ponto-chave da noite passado aconteceu em sua composição “Bico da Proa” (que batizou seu primeiro espetáculo, no ano passado), quando o crescendo da canção a fez ergue-se da cadeira sem estar tocando nenhum instrumento, deixando corpo e voz tomarem conta do teatro, linha que seguiu em sua já clássica versão para “Teardrop”, do grupo Massive Attack. Contando com uma banda tão firme quanto próxima dela mesma (a baterista Bianca Godoi, o baixista Valentim Frateschi, o guitarrista Vitor Kroner – que produziu seu único single lançado até agora, “Habana” -, o violista Thales Hashi e o trumpetista Menifona, único novato no show), ela sublimou as inseguranças e hesitações das primeiras apresentações e cresceu artística e emocionalmente em frente aos olhos do público. A apresentação ainda contou com a presença de sua irmã de palco Nina Maia – que tornou-se apenas instrumentista ao tocar algumas canções no teclado antes de dividir vocais em seus dois duetos, as complementares “Amargo” e “Gosto Meio Doce” – e do produtor-executivo Yann Dardene, que assumiu o violão em três canções, além da moldura desenhada pelo véu central no palco e pelas luzes da dupla Retrato (Ana Zumpano e Beeau Gomez, cada vez mais autorais em suas luzes e cenografia). Para alguém que há pouco mais de dois anos não se assumia artista (apenas musicista), a apresentação de domingo foi mais do que um salto no escuro – foi o começo de um voo. Voa, Chica!

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Francisca Barreto @ Sesc Belenzinho (24.8)

Acompanho o trabalho de Francisca Barreto desde quando ela assinava apenas como Chica e dizia apenas ser violoncelista – embora já cantasse -, compondo dupla com Nina Maia, há mais de dois anos, quando fizemos a primeira apresentação delas lá no Centro da Terra. De lá pra cá, ela foi pinçada por ninguém menos que Damien Rice para acompanhar seus shows pelo mundo e passou a pensar na própria carreira solo à medida em que desbravava palcos no litoral Mediterrâneo, na Oceania e na Ásia, compondo suas primeiras canções e organizando um repertório que mistura Milton Nascimento com Heitor Villa-Lobos e Massive Attack. No começo de 2024 me procurou para dizer que queria levantar seu primeiro show solo, que ela fez no Centro da Terra e depois conseguimos repetir duas vezes – uma no Porta e outra no Belas Artes. Nesse mesmo período, fez shows em parcerias com outros artistas (além de sempre estar por perto de Nina, que lançou seu próprio disco solo em 2024) e lançou seu primeiro single, a delicada “Habana”, canção de seu mestre no instrumento, o cubano Yaniel Matos. E ao conseguir seu primeiro show num Sesc, ela me convidou para dirigir a apresentação, o que aceitei com um sorriso no rosto, do tanto que gosto do trabalho dela. A apresentação que coroa essa primeira fase de sua carreira solo acontece neste domingo, dia 24, às 18h, no Sesc Belenzinho. Seguindo a estrutura básica dos shows que fez até aqui (com algumas surpresas e acabamentos finais), a apresentação conta com o mesmo grupo que a acompanha até agora – Victor Kroner (guitarra, que produziu seu primeiro single), Bianca Godoi (bateria), Valentim Frateschi (baixo) e Thales Hashi (viola) – com o acréscimo dos sopros de Melifona e as participações de Nina Maia (cantando e tocando teclado) e Yann Dardenne (violão). O show ainda conta com luz e cenografia da dupla Retrato – Ana Zumpano e Beeau Gomez – e os ingressos já estão à venda. Tá ficando liindo demais…

Francisca Barreto no próprio palco

Se há uma coisa que gosto de fazer é ver a evolução dos artistas, vê-los tomando consciência de experimentos estéticos e políticos ao traduzir suas vontades e aspirações em arte, não importa de qual natureza. E há muito tempo acompanho artistas em início de carreira, gente que, mesmo que não seja propriamente jovem, está começando a entender a natureza da própria linguagem e o impacto que ela tem no público, no inconsciente coletivo e em si mesmo. Quando falamos sobre música há dois palcos já estabelecidos que ajudam a forjar a identidade destes operários do som: um deles, o disco, tem pouco mais de um século de tradição e bem menos que isso como seu formato mais clássico, o álbum; enquanto o outro, o palco, é milenar e segue como principal veículo para a arte de qualquer músico (um terceiro, pós-moderno e recente, o palco online, aos poucos vem se impondo como novo escape para a produção artística). Desde que comecei a trabalhar como curador de apresentações ao vivo, há quase dez anos, percebi a centralidade do show como coração pulsante do organismo artístico, algo que o disco só consegue calcificar, engessar. E entre as centenas de artistas com quem trabalhei neste período, uma das carreiras que mais tenho gostado de ver desabrochar é a da violoncelista Francisca Barreto, que conheci em 2022 quando ainda fazia com a amiga Nina Maia (outra que acompanhei desde o começo e já estabeleceu-se como uma das revelações da música paulistana da década), e que aos poucos foi descobrindo sua própria identidade. No começo do ano passado, ela veio me propor fazer um primeiro show solo no Centro da Terra e desde então tenho a acompanhado na lapidação dessa primeira fase de sua vida artística em diferentes palcos, até que ela me chamou para dirigir sua primeira apresentação num Sesc, que acontece neste domingo, às 18h, no Sesc Belenzinho. E conhecendo-a como já conheço, não foi difícil tecer seu repertório num fio condutor coeso e crescente, sem perder a delicadeza, a intensidade e a carga dramática – e um tanto melancólica – que ela traz para o show. E o fato de ela ter reunido um time de músicos que elevam o nível musical à medida em que aumentam o astral do convívio em grupo (Bianca na bateria, Thales na viola, Valentim nos baixos, Kroner na guitarra, participação de Yann Dardenne e Nina Maia e a estreia dos sopros de Lucas Melifona) não só facilitou bastante meu trabalho como reforça a consciência que Chica tem do que quer fazer artisticamente. Unindo isso ao som tocado por Yann e por Anna Vis e com as luzes e elementos cênicos trabalhados ao lado de Ana Zumpano e Beeau Gomez, tenho certeza que quem for ao teatro do Belenzinho nesse domingo vai sair extasiado e com a certeza de ter visto um momento mágico na carreira de um artista. Ainda há ingressos disponíveis. Vamos lá?

Assista abaixo:  

Brisas ou brumas?

Que noite mágica foi a primeira apresentação da temporada que Papisa está fazendo nestas segundas-feiras de agosto no Centro da Terra. Ao chamar a carioca Janine (dona de um dos discos que mais amei este ano, o EP Muda), ela sintonizou-se com os primeiros anos de sua carreira solo, quando fez suas primeiras apresentações naquele mesmo teatro, transformando um projeto de estúdio feito no quarto num trabalho coletivo com uma banda formada apenas por mulheres, em duas apresentações batizadas de Tempo Espaço Ritual, quando tocou à frente de uma banda formada por Laura Wrona, Luna França, Sílvia Tape e Larissa Conforto. Oito anos depois, Rita Oliva aproveitou a primeira noite da temporada para ecoar aquela época, de sonoridade mais rock e psicodélica, sem perder a carga dramática. E o que seria uma apresentação em dupla com as duas empunhando guitarras, cresceu em outra banda de mulheres, desta vez com Irina Bertolucci nos teclados e vocais e Francisca Barreto no cello, percussão e vocais, ritualizando mais uma vez o encontro em uma espécie de conciliábulo público feminino, em que suas duas sacerdotisas cantavam suas primeiras orações – Janine soltando voz e guitarra nas músicas de seu EP e algumas inéditas e Rita abrindo vozes e rasgando sua guitarra nas canções de seus primeiros anos de carreira solo (a sequência que emendou “Uníssono” de Janine com “Fenda”, faixa-titulo do primeiro álbum de Rita foi um dos vários momentos especiais da noite), criando uma superposição de repertórios e personalidades musicais, endossadas e adoçadas pelo teclado e cello de Irina e Chica. Adornadas pela bela luz encarnada de Beeau Gomez, foi uma apresentação que não apenas funcionou como uma bela introdução às próximas segundas como um número à parte que pode inclusive funcionar fora do contexto da temporada, que embora batizada de Em Brisas, tinha uma atmosfera mais Em Brumas nesta primeira noite.

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Missa franciscana

Belíssima a apresentação que Francisca Barreto fez nesta quinta-feira no Cine Belas Artes, ao mostrar mais uma versão de seu espetáculo Bico da Proa, desta vez lançando seu primeiro single, uma versão para a música “Habana”, de seu professor de violoncelo, o cubano Yaniel Matos. Ela tem se cercado de uma banda maravilhosa, tão firme quanto delicada, e Bianca Godoi, Valentim Frateschi, Vítor Kroner e Thales Hashi a acompanham seguindo sua intensidade – quase desaparecem quando ela sussurra, se agigantam quando ela solta sua voz. Revezando-se entre o cello, seu instrumento nativo, o piano e o violão, ela mostrou um repertório próprio bilíngue, temperado com versões para músicas de Joni Mitchell (“Little Green”, que tocou sozinha ao violoncelo) e Massive Attack (“Teardrop”) e deixou claro o quanto já tem o domínio de sua musicalidade, seja interligando as músicas entre si ou fazendo comentários breves mas espirituosos entre as músicas. Ela ainda recebeu Nina Maia e Yann Dardenne para cantar a música que dividem no disco da primeira, “Amargo”, com o produtor daquele álbum mostrando seu lado músico ao tocar violão, e sua amiga e companheira musical voltou para o palco depois que o público, que lotou a sala Luiz Carlos Merten do cinema, pediu para que cantassem “Gosto Meio Doce”, o primeiro single que lançaram, ainda quando apresentavam-se como dupla. Uma noite sensível e intensa, que mostra como Francisca está aos poucos deixando seu trabalho autoral mais consistente, sem perder a delicadeza, transformando a apresentação em uma missa musical que, de carona em seu prenome, ganha ares franciscanos, em que a beleza surge da simplicidade e da generosidade. Lindo demais.

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Trabalho Sujo Apresenta Francisca Barreto no Belas Artes (27.3)

E a primeira sessão do Trabalho Sujo Apresenta traz Francisca Barreto pela primeira vez para o palco do Belas Artes. Acompanhada de Bianca Godoi (bateria e MC), Valentim Frateschi (baixo e synth), Vítor Kroner (guitarra) e Thales Hashigushi (viola), ela segue desenvolvendo o show solo que começou a apresentar ano passado, misturando canções próprias com versões de outros autores, como é o caso da música “Habana” de Yanniel Matos, que será seu primeiro single, lançado nesta apresentação. A noite ainda contará com a participação de Nina Maia e Yann Dardenne, além de projeções de Olívia Albergaria. A apresentação acontece no dia 27 de março no Cine Belas Artes a partir das 20h30 e os ingressos já estão à venda.

Alguma coisa está acontecendo

Mais um Inferninho Trabalho Sujo na Porta e comecei a vislumbrar outra transformação da festa a partir do que aconteceu nessa sexta-feira. Reuni dois artistas distintos com propostas diferentes mas que juntos trouxeram uma atmosfera diferente da que venho construindo neste último ano e meio abrindo espaço para artistas iniciantes, criando uma atmosfera mais introspectiva e plácida do que o ritmo intenso e abrasivo característico dos outros inferninhos. Assim, apesar de tecnicamente lidar com duas atrações que davam seus primeiros passos, o clima da noite não era propriamente jovem. Sim, Fernando Catatau e Isa Stevani estão aí há um tempo com seus trabalhos pessoais, mas a junção do trabalho dois, no espetáculo batizado de Outra Dimensão, é novíssimo e estava na terceira apresentação. E Francisca Barreto, apesar de ter acabado de entrar em seus vinte anos, já rodou o planeta tocando com Demian Rice e está desenvolvendo uma maturidade artística própria que vai além do que sua quantidade de shows autorais – aquele era apenas seu segundo, mas não parecia. Tocando mais uma vez com Bianca Godoi e Victor Kroner, ela convidou Valentim Frateschi para o lugar da viola de Thales Hashiguti, que não pode tocar nessa sexta, abrindo uma nova dimensão para além de seu primeiro show, realizado no Centro da Terra há algumas semanas. Com a banda toda de pé, ela criou uma correia para seu próprio violoncelo tocando ela mesma de pé e apresentou-se com mais confiança e dinâmica que na outra ocasião, dando preferência ao próprio repertório – tocando músicas lindas que ainda não têm nome – e deixando as versões para momentos pontuais do show, quando tocou “Habana” de seu professor de cello Yaniel Matos (que deverá ser seu primeiro single, produzido por Kroner), a maravilhosa versão para “Teardrop” do Massive Attack (quando deixa sua voz resplandecer como deve ser) e “Ponta de Areia” de Milton Nascimento (esta última só em seu instrumento e a pedidos do público). Uma apresentação mais concisa, sem participações especiais e mais direto ao ponto que a primeira, mostrando com ela aos poucos vai tomando conta do próprio voo.

Depois foi a vez de Fernando Catatau e Isa Stevani mostrar mais uma vez seu espetáculo Outra Dimensão, que realizam juntos: enquanto Isa projeta imagens tridimensionais que vão se desintegrando e reestruturando em movimento, Fernando faz sua guitarra rugir provocando reações nas imagens exibidas por Isa. E assim o público da Porta, onde foi realizada mais uma edição do Inferninho Trabalho Sujo, ia aos poucos entrando em paisagens silenciosas que hora pareciam estar numa gruta, num planeta inóspito, no espaço sideral ou numa floresta, imagens abstratas que ganhavam novas camadas com os movimentos propostos pelo som das duas guitarras tocadas por Catatau, que também cantarolou no final da apresentação, causando momentos de reflexão, meditação e transe entre o ruído e o silêncio, reforçando a sensação que o Inferninho na Porta abre uma outra categoria de festa. Uma que, quando discotequei, não pedia apenas música para dançar, mas abria espaços para misturar The Cure com Boards of Canada com instrumentais do BaianaSystem, Big Star e Tulipa Ruiz. Alguma coisa está acontecendo…

Assista abaixo:  

Inferninho Trabalho Sujo apresenta Fernando Catatau + Isa Stevani e Francisca Barreto

Mais Inferninho Trabalho Sujo essa semana? Outra vez na Porta? Sim, numa programação relâmpago reuni duas apresentações novíssimas para celebrar a parceria com esta que é uma das melhores novas casas de show de São Paulo. A noite começa com a segunda apresentação autoral de Francisca Barreto, que desta vez juntou-se a Bianca Godoi e Victor Kroner para mergulhar em canções lindíssimas com sua voz e violoncelo formidáveis. Depois é a vez de Fernando Catatau e Isa Stevani apresentarem a composição audiovisual Outra Dimensão, performance em que imagens digitais geradas em 3D reagem de forma generativa ao som de guitarras e samplers em tempo real. E além das duas apresentações, também discoteco antes, entre e depois dos shows. A Porta fica na rua Horácio Lane, 95, entre os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, em frente ao cemitério, e abre a partir das 19h. Os ingressos já estão à venda neste link – e comprando antes sai mais barato.

Estreia de tirar o fôlego

Soberba a apresentação de estreia que Nina Maia fez de seu recém-lançado disco Inteira no Sesc Avenida Paulista, quando trouxe uma versão de gala do formato que vem mostrando desde o início do ano: além de seu teclado teve um piano de cauda, além da viola de Thales Hashiguti, contou com a voz e o violoncelo da amiga e parceira Francisca Barreto e aproveitou ter a cozinha do grupo Os Fonsecas – Valentim Frateschi no baixo e Thalin na bateria – para trazer uma das canções deste último para o palco. Ela foi mostrando o disco lentamente, primeiro sozinha em primeiro plano acompanhada apenas de efeitos sonoros, depois tocando o teclado no centro do palco enquanto os outros músicos faziam suas entradas, deixando suas canções, que soam clássicas e modernas ao mesmo tempo, com um peso físico que no disco é filtrado por timbres eletrônicos. Com vídeos em P&B em alto contraste no telão pilotado por Danilo Sansão e com as luzes finas tocadas pela dupla Retrato (Ana Zumpano e Beeau Gomez), o show teve seu ponto alto quando Nina emendou sua épica “Salto de Fé” com “Todo Tempo do Mundo” do disco Maria Esmeralda, quando o baterusta autor da canção original soltou sua voz na frente do palco para cantar uma versão inacreditável do hit. Uma estreia de tirar o fôlego.

Assista abaixo:  

Outro solo

Luiza Villa começou uma nova fase com estilo, força e delicadeza ao apresemtar=se neste sábado dentro da programação Ágora Zumbido, realizada pelo músico Valentim Frateschi no pequeno teatro Ágora no Bixiga. Ao encher a casa para mostrar suas canções pela primeira vez sem estar sozinha no palco, a cantora e compositora convidou as instrumentistas Marcella Vasconcellos e Yasmin Monique para acompanhá-la em quase uma hora de canções que batizou de Cartas e Segredos, título de uma de suas próprias composições que escolheu para abrir a noite, que ainda teve uma mistura de “Água” do Djavan com “Ten Years Gone” do Led Zeppelin, uma canção da baixista e tecladista Marcella (que foi para o violão e deixou Luiza assumir o baixo) e uma versão deslumbrante para “Ponta de Areia”, do Milton Nascimento, quando recebeu a violoncelista Francisca Barreto para acompanhá-la no final do show, que trouxe outra composição de Luiza, esta em inglês (chamada “These Old Chords”), na hora em que o público pediu bis. A apresentação, que dirigi ao lado da própria Villa, terminou com um coro de “Parabéns a Você” cantado para Marcella, que aniversariava naquele mesmo sábado. Uma noite feliz.

Assista aqui: