O Fliperama Big Lebowski

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Sim, você não está tendo alucinações: a empresa Dutch Pinball acaba de anunciar o lançamento de sua nova máquina de fliperama e ela é toda inspirada no clássico Big Lebowski, dos irmãos Coen. Dá uma sacada nas fotos e vídeos abaixo e veja se você não fica com uma vontade instantânea de jogar essa belezura…

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Neste vídeo eles mostram a máquina em ação – além de a mostrarem por dentro:

Animações e trilha sonora remetem a cenas clássicas do filme:

Rola até uma pista de boliche em segundo plano:

E rola até um white russian que acende:

Demais, né? O problema é o preço – sim, ela já está em pré-venda. Dica do Pedro Jabur (valeu!), que viu no Dangerous Minds (mas no Pinball News, que fez os vídeos, tem um monte de fotos a mais).

Boca do lixo

Todo esse papo saudosista de Brasília me fez desenterrar um texto que escrevi há quase dez anos, quando as lan houses começaram a aparecer. Publiquei o texto na coluna que mantinha na Fraude do Eduf (chamada Paranóia é Precaução) e também no Trabalho Sujo (na era Geocities). Tudo começou com um papo sobre pauta que me ativou a memória do meu primeiro contato exterior com os videogames (no caso, os fliperamas), que se deu ao mesmo tempo em que conheci o lado barra pesada da vida, felizmente como conheço até hoje, mera testemunha. O lugar chamava-se – chama-se – Conic e foi ali que eu comecei a perceber que a vida poderia ir muito além…


O Conic, acima da Rodoviária

Boca do lixo
A porta de entrada para o underground

Outro dia, tava trocando uma idéia com o Tom Leão por email e ele me perguntou se eu não queria fazer um box em primeira pessoa pra uma matéria que ele tava fazendo. Falava de fliperama e da mutação em lan houses e queria um depoimento sobre a mutação de um prisma mais, er… old-skool. Meu péssimo hábito de ver emails sem freqüência me fez perder a deixa, mas já que ele tocou no assunto…

Fliperamas, no meu tempo, eram a boca do lixo. Desculpe soar saudosista e nostálgico, mas de vez em quando isso acontece. Imagine um bar, imundo, azulejado, cheio de gordura, mal-iluminado, naqueles lotes comerciais verticais, um simples corredor paralelo ao balcão e as poucas mesas enfileiradas à parede contrária. No fundo, a chapa de um lado e o caixa do outro. A clientela, tipica e rala, beira os quarenta anos, está desempregada e entregue ao ócio, a barba por fazer, quase sempre meio bêbada.

Agora tire o balcão e a chapa e as mesas, colocando, lado a lado, na parede em que ficavam as mesas quadradas de lata, máquinas de pinball, uma do lado da outra. Uma mais velha que a outra. Todas tão reconhecíveis quanto cada um dos mesmos velhos clientes, moleques grandes com mais de vinte anos, que têm a mesma expressão da clientela do bar do parágrafo anterior: quase-quarentona, desempregada, ociosa, barba por fazer, meio bêbada.

Eis um típico fliperama da minha infância nos anos 80. Viagens ao Rio e a algumas cidades do nordeste além de papos com conhecidos gaúchos e paulistanos vieram comprovar que aquele formato era quase universal, variando apenas de acordo com o tamanho do imóvel em questão. Mas o fato é que, nos anos 80, casas de jogos eletrônicos eram exatamente o contrário do que são hoje.

Você sabe o que é lan house? Imagine um cybercafé interligado num mesmo videogame do tipo Doom (daqueles que o jogador assume a mira em 3D do protagonista – a próxima vez que ler as letras FPS, saiba que elas significam First-Person Shooter – este tipo de jogo). Todas as pessoas no local estão na mesma partida, se agredindo mutuamente enquanto engolem litros de gatorade ou energético. Jogadores hardcore varam noites inteiras destruindo adversários menos encanados, que compraram poucas horas, apenas para matar o tempo e se inteirar socialmente. Pois qualquer máquina de lan house é um computador como o que você está lendo este texto agora, e você pode trocar as horas de combate virtual por uma seção interminável de ICQ ou pela típica zoeira fundo de ônibus que são as salas de bate-papo. Ou fazer tudo ao mesmo tempo: assim, a molecada gasta suas verdadeiras jovens tardes. Marcando encontros online e os consumando offline, como um correio elegante moderno. Assim é uma lan house – um paintball virtual e um shopping center sem corredores, tudo num lugar seguro e confortável.

(Recomendo, inclusive, safaris antropológicos nestas casas. Essa molecada tem mais cérebro que a geração anterior, de miolos derretidos como manteiga no copo gigantesco de pipoca, embora seja predominante – e presumível – seu claro posicionamento ideológico: sectário, individualista, preconceituoso, reacionário e direitosos. Mas são garotos e garotas de 14, 16 anos e o contato comunitário que a lan house aos poucos reacende é diametralmente oposto ao desfile de status que o shopping center se tornou. Fora que é uma molecada que cresce sem ranços artísticos e escuta Racionais, trilha sonora da Malhação, Anderson Noise e Nirvana sem distinção. Não tem dessas de “música de botão”, “não gosto porque não é cool” ou quebrar discos ruins – espasmos fascistas disfarçados de “gosto musical” que o rock’n’roll deixou de herança. Fora que das lan houses, os moleques vão pras raves – ou seja, uma adolescência não muito diferente da minha, que pulei dos fliperamas de rua para as festas de faculdade – só que há a mentalidade inclusiva da eletrônica, que é radicalmente diferente)

Quanta diferença. Casas de diversões eletrônicas, para os nascidos nos anos 70, significavam tudo que os pais não queriam para os filhos. A atmosfera, a vizinhança, as más companhias – tudo favorecia à degeneração do caráter dos filhos da classe média. Fliperamas de rua não eram casas seguras de lazer. Posicionados em endereços nada convidativos, estes estabelecimentos não apenas expunham jovens crianças à degradação humana, mas as entregavam a um mundo estranho e proibido. O underground.

Foram os fliperamas que me levaram ao Conic, por volta de 1985, 86… Faz muito tempo que eu não vou a Brasília, o que dizer de visitar o centro comercial do B, que cedeu às forças do mal… Brasília é o tal do aeroplano visto de cima, com duas metades bem distintas, norte e sul, as asas. O centro comercial da asa norte, de frente ao imponenente Teatro Nacional, floresceu como o principal shopping da cidade, chamado Conjunto Nacional (cuja fachada de neons é cartão postal candango). Atravessando o Eixo Monumental (a avenida que se estende pelo corpo do avião do mapa), damos de cara com o Conic, o Conjunto Nacional da Asa Sul. Há um estranho desequilíbrio nas forças racionais da capital, afinal a Asa Sul sempre foi, à maneira carioca, sinônimo de modernidade e contemporaneidade, enquanto a asa norte assumia ares de subúrbio. Mas, próximo ao encontro das asas, era o shopping do lado norte que se destacava, enquanto o do lado sul…

Haviam dois cinemas que ligavam o Conic com a vida real: o Atlântida (um dos principais palcos cinematográficos de Brasília, que viu a insólita e incendiária sessão de estréia de Rock Estrela) e o Bristol, além de algumas lojas de roupa no lado que ficava logo em frente ao posto do Touring. Eram eles quem fingiam-se como fachada família do Setor de Diversões Sul (nome técnico do Conic). Mas qualquer família em Brasília sabia o que acontecia nos corredores do fundo do shopping center.

Era o submundo. Havia o Cine Ritz, pornô, e uma loja de camisetas de heavy metal. Três famosas casas de massagens e o Teatro Dulcina. A infame Berlim Discos (a Baratos Afins de Brasília) e escritórios de advocacia de fachada. Lojas de instrumentos musicais, palco de bandas iniciantes, moleques matando aula, brigas de galera, skinheads, policiais fumando beque, cola de sapateiro debaixo da rampa, meninas dark, universitários, gangues punk, troca de fitas, sorrisos de putas e tchauzinhos de travestis. E fliperamas de rua.

Todos tinham a mesma cara: corredores imundos e engordurados, à meia-luz da tarde seca, com dois ou três fregueses grudados perto de uma ou outra máquina. Foi um acordo conjunto. A W3 havia ficado pequena para minha turma e todos os fliperamas de rua tinham nossas marcas. Era tempo de gangues e abreviaturas. Todos marcavam suas iniciais em todos os lugares, assinalando território. Tempo do império MTZ, de cyberpunks do terceiro mundo, pichando muros e scores de máquinas de pinball.

Mesmo sem saber, em nossa ingênua liberdade, éramos isso. Vivíamos a violência das ruas por puro glamour primitivo, latas de spray e joysticks mirando na apatia do sistema. Andávamos de skate e bicicleta, cheirávamos tudo o que parecia fazer mal (além de clorofórmio e lança-perfume) e entrávamos em brigas sem pestanejar. No som, ouvíamos fitas piratas de bandas de Brasília (o show do Legião na sala Villa-Lobos e o festival Rock na Rampa, com Beta Pictoris, Escola de Escândalo e outras dez bandas eram obrigatórios) e bandas que as influenciaram: Joy Division, Sex Pistols, Cure, Jam, Echo & the Bunnymen, Television, Buzzcocks, Clash, Bauhaus, Gang of Four, Talking Heads, Ramones, Dead Kennedys. Procurávamos uma menina que fosse cool como a Siouxsie e normal como a Molly Rigwald, visual que todas as meninas tentavam imitar – tirando as patricinhas, que giravam os olhos pra cima, meio assustadas, meio exultantes, quando descobriam, na marra, aquele universo.

Depois da W3, restava o Conic. O prédio, baixo (deve ter uns dez andares) e horizontal, nos olhava como uma risada cínica. Três moleques de BMX surradas, cruzados novos com a cara do Juscelino enfiados nos tênis sem meia, encarando o prédio como se este fosse cérbero. Cine pornô, teatro, drogas, punk, metal, cola, sexo, brigas, violência. Era como se o universo de perdedores e vagabundos das tiras do Angeli realmente existisse. Era o antônimo de sociedade, mas não era a barbárie. Este universo funcionava, à sua maneira, melhor do que o mundo que conhecíamos. Não sabíamos nada disso, mas era como se soubéssemos, o dia em que resolvemos, para jogar fliperama, entrar no Conic.

A princípio, uma volta de reconhecimento. O zerinho-ou-um definiu quem iria, sozinho, ao caixa, comprar cinco fichas e gastar apenas quatro, salvando a última longe dos olhos do caixa. Anos de perícia em bancas de jornal e supermercados nos qualificavam para aquele momento. O escolhido foi, jogou quatro partidas de 1941 e voltou como se tivesse jogado cinco. O golpe perfeito, se gabaria a seguir, orgulhoso de fingir cinco partidas com apenas quatro fichas. As preocupações da adolescência…

Em nossas baiques, descemos a rampa do Touring e pedimos “chumbo de pneu”. Simples assim. Prática comum entre os brasilienses, a extração do metal, ainda mole, dos vãos internos de pneus de borracha era “a” tática dos jovens brasilienses contra os “senhores do fliperama”. Simples, bastava dois sabonetes e uma ficha original para criar um molde. Depois, tirava-se a ficha e colocava-se o chumbo mole no vão esculpido entre os dois sabonetes. Há quem fizesse com couro, mas os resultados não eram satisfatórios, pois às vezes a ficha falsa caía, mas era tão leve que não pressionava o botão no interior da máquina.

Com as fichas feitas no sabão, não tinha segredo. Bastava comprar cinco fichas e, num processo inverso ao original, jogar dez partidas como se fossem cinco. Com o tempo, era preciso trocar de estabelecimentos, mas os três sujeitos do Conic caíam bonito na ficha de chumbo. Cheguei a comprar uma ficha falsa das mãos daqueles caras, prova que guardei do golpe perfeito.

Mas, aos poucos, o fliperama perdia o ar desafiador e era assimilado. Logo, o imenso sorriso cínico do Conic também era nosso. E todas as putas, os traficantes, os metaleiros, as meninas dark, as brigas, as alunas do teatro, as latas de cola, os discos punk, as camisas de metal, o sexo descompromissado, o cinema pornô, os advogados traficantes, os policiais corruptos – tudo era nosso.

E ao mesmo tempo, não era. E ao mesmo tempo, nós éramos dele. Uma sensação estranha, um sentimento de familiaridade com o desconhecido. É isso que chamamos de underground.

Fliperaminha

Não é foda?