Voltei a colaborar com a Folha e pra começar fiz essa matéria pra revista Sãopaulo sobre festas com cara de bazar e vice-versa.
Festas ou bazar?
Designers, estilistas e quituteiros vendem seus produtos com drinques, DJs, bandas e atrações de dia e ao ar livre
Há algo no ar de São Paulo -e não é poluição- que tem feito os moradores da cidade saírem de casa.
Desde as passeatas anteriores aos protestos de junho de 2013 às recentes e polêmicas ciclofaixas, há um ímpeto para ir às ruas em vez de ficar preso em shoppings, engarrafamentos e condomínios fechados, como rezava o antigo clichê paulistano.
O novo passo nessa direção ganhou força com o passar do ano e é a cara desta primavera: festas com jeito de bazar ou bazares com jeito de festa.
O movimento reúne duas tendências já estabelecidas. As festas diurnas deixaram de ser continuações de noites viradas e ganharam contornos com menos cara de balada. Reúnem um público mais velho, mas disposto a sair de casa para dançar -embora não tão tarde.
Os exemplos vão desde a pioneira Green Sunset, no MIS (Museu da Imagem e do Som), aos encontros na finada pracinha da loja Tag and Juice, na Vila Madalena, região oeste.
A outra tendência é a reunião de produtores locais para vender itens artesanais, veganos e vintage em festas-bazares e eventos de maior porte, a exemplo das feiras de vinil, dos encontros gastronômicos e da Feira Plana, de fanzines.
A história do Jardim Secreto, uma dessas novas festas, reflete bem essa fusão. A designer Claudia Kievel, 26, já tinha uma festa, a Uuh Baby!, desde 2012, e a garçonete Gladys Maria, 27, tocava o Bazar Dançante desde 2011.
“Partimos do princípio de que chega de só ter balada como diversão. Queríamos eventos diurnos, ao ar livre, verde, e espaço para novas ideias também de amigos e artistas que admiramos”, resume Claudia.
A próxima edição do Jardim Secreto está marcada para dezembro, em local a ser definido.
Outro evento, o YardSale, nasceu de uma “venda de quintal” -como na tradução do nome para o português-, em março do ano passado. Tamali Reda, 27, que trabalha com cenografia, queria se desfazer de coisas de seu armário.
Ela juntou amigos a fim de fazer o mesmo e a primeira edição deu tão certo que tornou-se regular: ocorre a cada dois ou quatro meses. “Agora chamo designers novos, com propostas diferentes, além de reservar espaço para a arte: fanzines, quadrinhos, tipografia, gravuras.”
A YardSale, que, para Tamali, “é um grande festão”, reúne bazar, DJs, banda e comida (“sempre tentar trazer aquela que tenha cara de comidinha de vó, sabe?”), é itinerante e já passou por vários lugares, como hostel, bar, boate e até “um jardim absurdo do casarão da avó de uma amiga”. A próxima edição está marcada para sábado (27), no restaurante Lorena 1989.
O Bazar Pop Plus Size, da jornalista Flavia Durante, vai além das compras e diversão: “É um evento para celebrar a diversidade e incluir quem sempre foi excluída do mercado da moda, onde é possível comprar roupas, bater papo, fechar negócios, degustar comidinhas, beber e ouvir música, sem ninguém te olhar estranho por você não vestir 38.”
A festa traz marcas e gente de fora de São Paulo e sua edição mais recente aconteceu no fim de semana passado. A próxima será em dezembro.
Uma das inspirações para o Bazar Pop Plus Size é o Mercado Mundo Mix, nome de peso do mercado alternativo dos anos 1990 que ressurge. O evento estará de volta nos dias 8 e 9 de novembro, gratuitamente, no parque da Água Branca, região oeste, com periodicidade mensal. No último domingo (14), a Casa das Caldeiras, também na Água Branca, abrigou a terceira edição da festa anual C.R.I.A., sigla para Coletivo de Realização e Integração Artística, organizada pela Freak Produtora e Estúdio, de Antonio Carvalho, 26, Gustavo Prandini, 25, e Antonio Pauliello, 25, integrantes da banda Mel Azul e da festa Foggiorno.
O evento, gratuito, pela primeira vez abriu suas portas para vendas de produtores locais, inspirados pela festa brasiliense PicniK, com quem dividiram a edição deste ano. Segundo Carvalho, a festa reuniu 1.800 pessoas.
“A ideia é fortalecer a economia criativa local, aproximando os pequenos negócios da área gastronômica, produção de moda e artesanato aos novos artistas independentes, para criar um público consumidor”, diz o organizador Antonio Carvalho.
Como no Brooklyn
Já a novata Feirinha Pantasma, criada pela jornalista Taís Toti, surgiu do sucesso da Feira Plana, de fanzines. “Curto esse lance do Brooklyn [distrito de Nova York], de incentivar a produção artesanal. Não entendia porque isso não pegava aqui. Gosto de saber quem fez as coisas que eu estou comprando, me sinto bem com isso”, afirma Taís, que organiza a feirinha no sobrado do Neu, na Água Branca.
Apesar de o foco ser a produção local, ela não discorda que a feirinha é uma festa, “já que é um evento para que as pessoas possam passar um dia agradável, curtindo as ‘good vibes’. Tem DJ e bebida, então as pessoas se animam”.
“Acho que a tendência são espaços com lojas, restaurantes, cafés e música: tudo misturado”, constata Inara Corrêa, organizadora do Mercado das Madalenas, que ocorre três vezes ao ano na Vila Madalena e teve uma edição no fim de semana passado. A próxima será em dezembro.
Além das compras, há a retomada da rua como espaço de convívio. Carvalho, do C.R.I.A., atribui isso à Virada Cultural. “Abriu precedentes.”
“Acredito que tem aumentado a sensação de pertencimento das pessoas em relação à cidade”, continua Amauri Terto, da festa-exposição-bazar Escambau, que acontece no Puxadinho da Praça, na Vila Madalena.
“Não tenho mais fôlego para ficar batendo cabelo até as 6h e voltar para a casa de metrô”, resume Tamali, da festa YardSale. “Tem rolado um ‘êxodo baladesco’. Parece que existe uma vontade coletiva de aproveitar a cidade de dia.”
Mercado Mundo Mix
Hit nos anos 1990, “o Mercado Mundo Mix nunca parou”, conta o dono da marca, Beto Lago. “De 2002 a 2012, ele ocorreu anualmente em Portugal.” No Brasil, teve breves aparições na Virada Cultural de São Paulo e no Festival de Inverno de Bonito (MS). A temporada portuguesa, no castelo de São Jorge, um dos pontos turísticos de Lisboa, ampliou os horizontes do organizador. “Quero fazer o mesmo modelo que organizamos na Europa: lugares públicos e com entrada gratuita.” Daí a escolha do parque da Água Branca para inaugurar essa nova etapa. Lago aponta a internet como um fator importante para a reformulação. “As marcas que se apresentaram ao mundo no boom do consumo de moda pela internet hoje sentem necessidade de sair do mundo on-line para se aproximar do público.”
Agenda primaveril
Setembro
YardSale (dia 27): www.facebook.com/yardsalesp
Brooklin Coletivo (dias 27 e 28): www.facebook.com/brooklincoletivo
Outubro
Feirinha Pantasma (dia 18): www.facebook.com/neuclubsp
Novembro
Mercado Mundo Mix (dias 8 e 9): www.facebook.com/pages/Mercado-Mundo-Mix/481991788604564
Dezembro
Jardim Secreto (dias 6 e 7): www.facebook.com/jsecreto
Bazar Pop Plus Size (a definir): www.facebook.com/bazarpopplussize
Do Cracked.com.
A morte do carão é um nicho
Na funça, Instagram do Pedreira
“Cadê tu, mano?”, Maurício me ligou quando estava descendo a Consolação rumo ao centro. “Calma, tou chegando, já tem gente?”, era meia-noite quando ele havia me ligado, exatamente a hora em que as portas da Tracktower se abriam para a festa de 15 anos do Trabalho Sujo. “Ainda estão chegando, mas vem logo!”. Estava indo. Sem pressa. A lista de convidados já estava batendo o milhar e meio e eu já havia avisado aos próximos: chegue cedo para não pegar fila. E ao passar pela São João, avistei a portinhola que dava acesso à festa, constatando feliz que não havia fila ainda.
Carol e Jana na escada espiral, foto da Ilana
Que nada. A fila começava exatamente logo que se passava pela porta rumo ao prédio e serpenteava pelos vários lances de escada circular até chegar ao andar da Trackers. Passei por ela, cumprimentando uma vastidão de conhecidos e amigos por seus degraus. “Tá todo mundo aí”, pensei, ao mesmo tempo em que começava a perceber que a noite desequlibraria. Quem trabalha na noite consegue perceber, ainda nos primeiros minutos, se o clima vai engatar ou não. E bastou atravessar a porta para dentro do andar em que a festa aconteceu para ter a certeza disso. Recuso-me a tentar descrever o local fisicamente – suas paredes grafitadas e luzes coloridas perdem todo o impacto e magia ao morrer nas palavras.
Hipster in natura, foto da Fer
Cheguei, cruzei o Maurício, “cadê o Ronaldo?”, que ainda não havia chegado (e a fama de atrasado é minha, tudo bem, lido com ela), e comecei a circular pelo lugar em busca da segunda pista. No caminho, num lounge com uma banheira e um cadeirão, encontro Jana, Carol e Ilana tirando fotos sob as luzes coloridas do apartamento. As três atentaram ao meu anúncio e chegaram cedo demais, antes da casa abrir, mas estavam maravilhadas com a casa ao mesmo tempo em que ansiosas em relação ao início da festa.
Like a boss, foto da Ilana (enquadra pra mim? :P)
Jana pede pra tirar uma foto minha na banheira, digo que está cedo e sento no cadeirão para a câmera de seu celular. No cômodo ao lado, o Peba começa a movimentar corpos ao som de grooves dos anos 70. Uma pequena fila se forma no caixa, os fumantes dominam a varanda, as pessoas começam a circular.
Ilana na banheira, foto da Jana
O dono do local me leva à salinha menor que, ainda vazia, me passava a impressão de caos que eu tanto gosto. A palavra “inferninho” piscou no meu inconsciente, me levando para festas em moquifos no Recife, em casas minúsculas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, no saudoso Susi in Transe aqui em São Paulo, animações coletivas que fugiram do controle da realidade e transformaram todos os envolvidos em um único ser festeiro, sorridente, bêbado feliz, inconsequente e tolerante.
Tolerância. Eis a palavra-chave da noite. Percebi logo depois que a Dani chegou e começamos a arrumar seu set. Sem o cabo para ligar seu computador, ela se dispôs a discotecar usando apenas o iPod, até que, certa hora, alguém bateu em algum lugar e desligou o som. Já esperava os habituais “êêêêêêê”, “iiiiiih” e”uuuuuuuuuuh” que sempre acompanham estes incidentes, mas em vez disso, só gente conversando. Ninguém gritou “não vai começar, não?” ou “vai djidjêi”. As pessoas que já lotavam a salinha perceberam que estávamos com um problema e esperavam este ser sanado. Quem queria dançar logo foi para a outra pista, mas a grande maioria esperou pacientemente arrumarmos as coisas e a música voltar a ecoar na salinha. Perguntei se ela tava tranquila, ela disse que não, tava “TEMÇA” (e eu li o mç naquele sorriso duro), disse que ia pegar um drink e fumar um cigarro. A pista ainda não tinha legalizado.
Ao fundo, Mr. Mason e Chico Barney combinam alguma, foto minha
Encontro novamente o Maurício na varanda e ele tá com os olhos arregalados. “OLHA A FILA…”, que fazia a curva e deslizava quarteirão afora. Aos poucos começavam a chegar os relatos: meia hora na fila, uma hora na fila, uma hora e meia na fila, fulano acabou de ligar dizendo que desistiu depois de uma hora. Isso sem contar a chuva. Mas quem enfrentava a bendita não levava nem cinco minutos para entrar no clima da festa. As pessoas estavam ali claramente pra se divertir e haviam se encontrado num apartamento do centro que parecia uma dimensão paralela. Aos poucos, casais de todos os tipos começavam a se formar e a multidão lentamente se metamorfoseava em muvuca. Gente saindo pelo ladrão. Mas nenhuma cara feia, sorrisos largos para todos os lados. E um monte gente conhecida, famosos, amigos, famosos-amigos e conhecidos que sabiam a senha para a noite. Todos se divertindo pacas. “Cê viu que a Alessandra Negrini tá aí?”. Eu só vi o BNegão, cuja presença me lembrou uma noite desse naipe que promovemos em Belém, em 2007, eu discotecando e ele rimando.
A Dani tá escondida atrás do BNegão e, sim, é um cara de toga, foto da Fer
Trago o drink de Dani quando ela me puxa uma relíquia da bolsa, sacudindo CD-Rs com nomes de músicas escritos à mão no envelope de papel branco: “Gente Bonita Clima de Paquera” diziam os títulos dos CDs, gravados para a Gente Bonita em que ela tocou em 2007, que eu comentei outro dia. Mas depois de um início tenso, ela logo estava dominando a pista como bem sabe e o sorriso começou a se soltar. Perguntei quanto tempo ela queria tocar, ela, com algum resquício de ansiedade, disse “meia hora” e eu reclamei que ela havia acabado de começar. Disse que tocaria com ela pra aliviar a tensão, ela topou, mas em menos de dez minutos já estava disparando Neneh Cherry, Technotronic, Madonna e funk carioca como se não houvesse amanhã. Um dos ápices de sua discotecagem foi quando sacou “All That She Wants”, do Ace of Base. A partir daí, as coisas começaram a sair do controle. For good.
Esse cara com a coroa de louros logo tiraria a roupa e ficaria apenas de cueca, pendurado numa janela, foto da Fer
“O que que tá acontecendo?!”, Ronaldo aparece com um sorriso estatelado e olhos pasmos, “que festa é essa, Matias?!”. Saquei meu charuto de Hannibal e ameacei rir “adoro quando um plano dá certo” com o canto da boca, mas estava igualmente pasmo para tentar qualquer reação cínica. As próximas a assumir a pista, Giu e Chebel, já haviam gasto a tensão que fritaram o sábado inteiro com a discotecagem da Dani e ficaram bem à vontade para esculhambar de vez as coisas.
Dani na pista, bem em primeiro plano, foto minha
Que surpresa boa. Quando elas me mandaram o set que eu havia pedido para postar no Sujo, todo cheio de disco music, soul e música brasileira vintage, pensei que podia haver um momento de intersecção com a pista Veneno, grooves que se espalham pelos cômodos na mesma freqüência… mas qual. Apimentadas pelo set da Dani, as duas não seguraram a franga e nos fizeram cantar… “CHORANDO SE FOI” DO KAOMA. E quando a Giu tocou “VOLARE” com os Gypsy Kings? E quando rolou” O Meu Sangue Ferve por Você” do Sidney Magal? Em quase todas essas músicas eu não resistia e abaixava o volume delas no refrão, deixando o povo se esgoelar: “AAAAAAAAAAAAAH! EU TE AMO! AAAAAAAAAAAAAAAAAH EU TE AMO MEU AMOR!” Acho que por volta desse horário todo mundo entrou em alfa ao mesmo tempo e a festa passou a entender todos os sentidos como um só. Visão, audição, tato, paladar e olfato todos à disposição do prazer. Dancinhas, esfregões, gente pendurada no teto, gente tirando a roupa, suor nas paredes, ebulição completa. Eu já falei umas três vezes pra elas, mas não custa repetir: QUE DISCOTECAGEM, meninas.
Que discotecagem… Chorei, foto minha
Depois que Renata e Giuliana saíram (Chebel sairia da festa logo depois, com dor no coração por ter de fazer um frila às 8h da madruga do domingo!), eu e Luciano assumimos a discotecagem e aí eu não lembro de mais nada.
Só uns flashes.
Mas geral curtiu.
Só sei que eram oito da manhã quando cheguei em casa. Vai rolar outra? Vai, mas ainda estou me recuperando do que aconteceu neste sábado… Quem mais foi? Mais histórias? E AS FOTOS, CADÊ? Tive que fazer uma rapa nas poucas fotos que tirei, nas da Fer, do Pedreira e da Jana pra ter alguma recordação visual, mas vi muito flash estourando por lá… Alguém mais tirou? E a pista Veneno? Não vi nada…
E na segunda, a Helô lamentava não ter ido por motivos de saúde, depois de ter ouvido relatos de todas as amigas e de cruzar uma galera no jornal que só me cumprimentava com uma risada frouxa que parecia misturar “que festa” com “que ressaca”. “É o fim do carão, Matias!”, ela comemorava enquanto esperávamos o elevador. “Não é o fim do carão, Helô”, respondi, “as pessoas vão continuar tirando onda que são ricas, cultas, esnobes, nobres, bem vestidas, por dentro. Isso ainda vai ser esfregado na cara de todo mundo”. Mas de todo mundo que se dispor a entrar nessa onda errada. Aos que não – gente que foi na festa de sábado -, uma coisa já está clara: o não-carão é um nicho.
Sejam bem-vindos.
Dica do Tiago Lyra.