Na edição desta segunda do Link, falei sobre um dos principais dilemas do século digital.
A internet e a encruzilhada entre o consumidor e o cidadão
O mercado nos distrai de interesses reais
Duas matérias nesta edição do Link abordam assuntos aparentemente distintos: a matéria de capa, assinada por Tatiana de Mello Dias e Murilo Roncolato, fala dos problemas que usuários da telefonia móvel no Brasil têm com a péssima qualidade dos serviços das operadoras no País – que a revista inglesa Economist cogitou ser o equivalente do governo Dilma ao apagão elétrico do governo Fernando Henrique Cardoso. Outra matéria, do repórter norte-americano Farhad Manjoo, conta a assustadora história de como o repórter da revista Wired Mat Hanon, em quinze minutos, perdeu o controle sobre todas as suas contas digitais graças ao ataque de um hacker amador.
As duas situações parecem apenas descrições de problemas modernos, que não existiam há quinze anos. Mas, na verdade, são desdobramentos ágeis de uma tendência que atravessou todo o século 20 e foi reforçada nas últimas décadas até ganhar força e velocidade graças aos meios digitais: a lenta transformação do cidadão – e de seus direitos – em mero consumidor.
Isso é bem preocupante. Afinal, todos os direitos do cidadão, uma das principais provas da evolução da humanidade, são substituídos pelos direitos de quem tem dinheiro para pagar pelas coisas. Esta mercantilização da cidadania foi acelerada com o movimento que aconteceu logo depois da criação da World Wide Web, que completou 21 anos há uma semana. O engenheiro inglês Tim Berners-Lee criou o padrão que permitia acessar à internet (que existe desde os anos 60) sem a necessidade de digitar comandos ou de conhecer sites específicos, o que abriu espaço para o surgimento dos programas da navegação gráficos, primeiro com o Netscape e depois com o Internet Explorer. Foi a partir daí que a internet deixou de ser uma rede de contatos entre acadêmicos e entusiastas da tecnologia para ganhar o mundo.
E na metade dos anos 90, houve o primeiro salto de popularidade da rede, quando a maioria das pessoas descobriu que existia “um negócio chamado internet”. E, neste mesmo momento, empresas entraram online, ajudando a batizar essa primeira safra de “o início da internet comercial”.
A partir disso, a popularização da rede quase sempre esteve associada à criação de novas empresas ou como empresas que existiam antes deste momento souberam aproveitar-se desta nova realidade. E, como empresas fazem, entraram nessa para ganhar dinheiro. Até mesmo empresas que não cobram pela utilização de seus recursos – como o Google e o Facebook, por exemplo –, acabam cobrando outro tipo de moeda de seus consumidores: seus próprios dados pessoais. Ecoa na rede um novo ditado que é muito preciso: “Quando você não paga por nenhuma mercadoria, a mercadoria é você”.
Governos e instituições não-comerciais levaram mais tempo para entender a nova realidade e alguns ainda tateiam no escuro. Mas, como as empresas e a lógica comercial dominaram a internet nos seus primeiros dias de maior popularidade, questões de cidadania ficam em segundo plano em relação a questões de mercado.
(E antes que algum neoludita venha reclamar que isso “só poderia acontecer por causa dos computadores e da internet”, lembre-se que o sistema financeiro sabe muito mais sobre cada um de nós – e bancos estão aí há muito mais tempo.)
Por isso a atenção que damos, no Link, a temas como privacidade, à criação de novas leis, à forma como governos e empresas lidam com a inevitável inclusão digital, o futuro dos direitos autorais. Questões políticas que podem parecer tediosas e complicadas, ainda mais se comparadas a tweets engraçadinhos, computadores elegantes, smartphones encantadores, serviços online práticos e úteis.
Temas que podem não ter o apelo sedutor da internet comercial, mas que devem ser acompanhadas de perto, para que a política – e a noção de cidadania – não caia por terra de vez como já acontece na vida offline. Ninguém disse que iria ser fácil…
Desde que a morte de Steve Jobs surgiu como um horizonte eterno para quem cobre tecnologia, eu e a Helô havíamos fechado em publicar a íntegra do clássico discurso do criador da Apple em Stanford, em 2005, como auto-obituário. Só não contávamos com a possibilidade de mexer com a gravidade do jornal de papel e transformar o discurso num poster, como fizemos nessa segunda-feira. Sério: só vendo pra ver como ficou foda. E o conselho de Jobs também serve como um salve para o Thiago (aproveita pra fazer o Flickr, porra!), o nome por trás da cara visual do Link de papel, que teve a manha de quebrar o braço ao comemorar a página fodona que é capa e contracapa do Link de hoje.
Lembrar que logo estarei morto é a ferramenta mais importante que encontrei para me ajudar a tomar as grandes decisões da vida. Afinal, quase tudo – todas as expectativas, todo o orgulho, todo o medo do fracasso ou do constrangimento – tudo isso se torna insignificante diante da morte, restando só aquilo que é importante. Lembrar que vamos morrer é a melhor maneira que conheço de evitar a armadilha de pensar que temos algo a perder. Já estamos nus. Não há motivo para não seguir o coração.
Além do texto de Jobs, a edição ainda conta com uma retrospectiva de sua carreira, textos da Helô, do João da Box1824 e do Barão do estúdio Nó Design sobre a influência de Jobs em nosso dia-a-dia, um perfil escrito pelo colunista de tecnologia da Slate, Farhad Manjoo e um texto meu sobre o lado ruim do falecido. E a íntegra do discurso de Jobs tá aqui.