Em busca da utopia na quarentena

, por Alexandre Matias
Foto: Felipe Diniz (Divulgação)

Foto: Felipe Diniz (Divulgação)

“Tenho feito bastante música, revisitando gravações de celular, e vez ou outra encontro uns rascunhos interessantes”, me explica, por email, o guitarrista e principal compositor do grupo sergipano The Baggios, Júlio Andrade, quando pergunto se a faixa “Quareterna Serigy”, que o trio lança em primeira mão no Trabalho Sujo, já é um rumo para o sucessor de Vulcão, que o grupo lançou há dois anos. “Às vezes rolam alguns insights sobre temas mas ainda acho que é cedo pra dizer que temos um álbum desenhado, mas ‘Quareterna’ é um bom começo para uma nova jornada. Eu gosto mesmo quando fazemos um som que não remete fortemente algo que já lançamos e nesses experimentos que tenho feito aqui e compartilhado com os meninos têm me instigado justamente por isso.”

A faixa, psicodélica e esperançosa, mesmo que tensa, foi obviamente inspirada pela quarentena que estamos atravessando e começou a ser feita na casa de Júlio. “Nesses quatro meses de isolamento me dediquei muito a gravações caseiras. Como eu sonho em aprender tocar teclas pra valer, comecei me arriscando em fazer arranjos de cordas com os timbres estranhos do Mellotron para algumas demos que tenho produzido. Muitas vezes eu gero uma batida e começo a improvisar em cima do loop, e isso arranca de mim frases, riffs e melodias que se tornam canções embrionárias.”

“A letra sempre vem depois e as primeiras palavras que vieram com o desenho da melodia foram ‘sinto falta’, o que levou a falar sobre meus desejos nesses mais de 120 dias trancado em casa, pensando o quanto essa experiência vai nos transformar, o quanto vamos precisar um dos outros mais do que nunca”, continua o guitarrista. “Falei de alguns delírios e não poderia deixar de citar a desejada queda do pior presidente que já pude alcançar, afinal sonhar é de graça e esse cara é um pesadelo que vai passar, mas será lembrado nos capítulos mais sombrios da nossa história. Passei algumas semanas com ela sem saber como poderia usá-la, porque ela estava um pouco distante do som da Baggios, mas no fim conclui que como buscamos mudar de pele a cada trabalho e essa música poderia ser um bom começo pra enxergar um novo norte.”

Ele conta que a gravação o surpreendeu o grupo por ter sido feita com apenas dois microfones. “Gravei violões, mellotron, vocais e baixo em casa, enviei a guia para Gabriel gravar a bateria em sua casa com dois mics e um gravador portátil e depois Rafael recebeu tudo isso pré-mixado e incluiu órgãos e piano. Na sequência convidamos uma turma que pra mim faz parte de uma cena interessantíssima de Aracaju – Sandyalê, Luno Torres, Alex Sant’anna, Arthur Matos e Diane Veloso – e eles gravaram com que tinham a seu alcance em termos de equipamento e no final Leo Airplane que nos acompanha desde 2006 mixou e masterizou a música.”

Pergunto o que mais ele tem feito nesses dias de enclausuramento. “Tenho, além de ter tocado, gravado e editado vídeos, desenhado muito mais e tenho lido mais que os outros anos também. O desenho tem me salvado bastante das ansiedades e tenho me encantado com as novas formas de criação que ele me possibilita. Vim trazendo na manha a prática como parte da minha rotina e de repente me vejo com uma pasta recheada de desenhos de nanquim em folhas A3 e A4 e agora tô aprendendo a pintar com tinta acrílica, que é uma outra viagem! Estou realmente adorando isso, cara, tem alimentado a alma. Inclusive a capa do single é um desenho simples que fiz, tempos atrás. Falo quase diariamente com Gabriel, ele tem dado aula de bateria pela internet, jogando muito videogame e feito uns sons também. Rafa vive tocando bastante pelo que ele tem nos compartilhado. Quando soltarem esses bichos das jaulas, vão sair sedentos pra tocar em tudo que é lugar!”

Além disso, Julio prepara um outro disco, seu primeiro disco solo: “No meio disso tudo eu tô finalizando um disco que levará meu nome e onde busco usar mais arranjos de voz, violões, mas só que explorando o universo soul e funk brazuca, além do samba rock, uma onda Tim Maia, Jorge Ben, Funkadelic, só que deixando a guitarra menos feroz na composição, o que foi um desafio pra mim”, ele ri. “Por outro lado, tenho feito coisas mais nervosas para os Baggios e não consigo ficar muito tempo sem compor riffs. Tenho agradecido ao universo pelas inspirações e ânimo de me manter trabalhando em tempos tão pesados.”

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