Esse vídeo do site Vox explica as relações entre a criação da moeda única européia e o atual estado da economia grega:
Perdeu aquela matéria sobre a economia no telejornal de hoje? Tudo bem: Charlie Brooker, o criador de Black Mirror, resume todas elas no no vídeo a seguir.
O Capital no Século 21, do economista francês Thomas Piketty, foi lançado em agosto do ano passado e desde então vem causando um amplo debate entre os economistas sobre a questão da desigualdade de renda. O livro é um catatau de quase 700 páginas e de leitura tranquila, mesmo para quem não está habituado a ler livros de economia, e superpõe conceitos marxistas a uma versão acadêmica do slogan “Nós somos 99%” do movimento Occupy Wall Street, que mostra o abismo que separa 99% do resto da população do 1% de uma elite de multibilionários. Sua proposta é clara: se as coisas não mudarem de rumo, principalmente no que diz respeito à concentração de renda e a desigualdade social, o mundo entrará em colapso.
O livro, contudo, não é só um lamento sobre o estado das coisas como também propõe soluções. O Capital no Século 21 será lançado em português pela editora Intrínseca no dia primeiro de novembro, mas a editora Veneta já antecipou sua publicação ao lançar a coletânea Thomas Piketty e o Segredo dos Ricos, organizada em parceria com o Le Monde Diplomatique Brasil, reúne 11 artigos de nomes como Luiz Gonzaga Belluzo, Kostas Vergopoulos, Frédéric Panier, Geoffrey Geuens, Russel Jacoby, Samuel Pinheiros Guimarães e do próprio Piketty. O livro tem 144 páginas, custa R$ 24,90 e já está nas livrarias. Abaixo, a introdução da antologia, escrita pelo professor brasileiro Ladislau Dowbor, foi cedida pela editora para ser republicada abaixo – e tanto o texto abaixo quanto os outros no livro funcionam como aperitivo e contraponto à discussão aberta por Piketty em seu livro, que já pode ser considerados um dos livros mais importantes deste século.
Entender a desigualdade: reflexões sobre O Capital no Século XXI¹, por Ladislau Dowbor
20 de junho de 2014
O livro de Thomas Piketty está nos fazendo refletir, não só na esquerda, mas em todo o espectro político. Cada um, naturalmente, digere os argumentos, e em particular a arquitetura teórica do volume, à sua maneira. O estudo é amplo e não se trata de resumi-lo, e sim de apontar alguns eixos interessantes de deslocamento da discussão sobre o que está acontecendo com as nossas economias. Inclusive como tira-gosto para a leitura do original.
A verdade é que Thomas Piketty, com a força da juventude e uma saudável distância das polarizações ideológicas que tanto permeiam a análise econômica, abriu novas janelas, trouxe vento fresco, nos permitiu deslocar a visão. Se bem que o problema da distribuição da renda sempre estivesse presente nas discussões, a teoria econômica terminou centrando-se muito mais no PIB, na produção de bens e serviços, e muito insuficientemente na repartição e nos mecanismos que aumentam ou reduzem a desigualdade.
Esta atingiu níveis obscenos. Quando uma centena de pessoas são donas de mais riqueza do que a metade da população mundial, enquanto um bilhão de pessoas passa fome, francamente, achar que o sistema está dando certo é prova de cegueira mental avançada. Um sistema que sabe produzir, mas não sabe distribuir, é tão funcional quanto a metade de uma roda. Para quem controla o sistema, no nível das elites, ou consegue nele se agarrar, no nível da classe média, o processo parece funcional. Para o grosso da humanidade, há dúvidas sobre esta funcionalidade.
Já não se fazem pobres como antigamente. Aqueles bons pobres que diziam humildemente “sim sinhô” nas fazendas do interior, ou os indígenas de cabeça baixa, ou os africanos do bwana, ou ainda os coolies da Ásia, toda esta gente hoje tem hoje informação e consciência de que poderiam ter acesso a uma escola decente para os seus filhos, saúde para as suas famílias, um tratamento menos desigual nos confrontos do cotidiano. Há um imenso saco cheio que hoje varre o planeta. A progressiva desagregação e perda de governança planetária tem um denominador comum: o contrato social que deveria embasar o nosso convívio como sociedades está cada vez mais corrompido, e a desigualdade está no centro deste processo.
Um amplo estudo do Banco Mundial ajudou bastante ao mostrar que basicamente quem nasce pobre permanece pobre, e que quem enriquece é porque já nasceu bem. É a chamada armadilha da pobreza, a poverty trap. Esta pesquisa mostrou que a pobreza simplesmente trava as oportunidades para dela sair. Com Amartya Sen passamos a entender a pobreza como falta de liberdade de escolher a vida que se quer levar, como privação de opções. O excelente La Hora de la Igualdad da CEPAL mostrou que a América Latina e o Caribe atingiram um grau de desigualdade que exige que centremos as nossas estratégias de desenvolvimento em torno a esta questão. Isto para mencionar algumas iniciativas básicas. O livro do Piketty não surge do nada, sistematiza um conjunto de visões que vinham sendo construídas.
E há naturalmente o acompanhamento do desastre crescente através de tantas instituições de estudos estatísticos. Hoje conhecemos o tamanho do rombo, temos dados para tudo, sabemos quem são os pobres. O The Next 4 Billion do Banco Mundial mostra que temos quase dois terços da população do planeta “sem acesso aos benefícios da globalização”, outros dados nos mostram os dois bilhões que vivem com menos de dois dólares ao dia, outros ainda se debruçam sobre os que vivem com menos de 1,25 dólar ao dia (um pouco mais de um bilhão de pessoas), temos inclusive os detalhes dos 180 milhões de crianças que passam fome, de 4 milhões de crianças que morrem anualmente por não ter acesso a uma coisa tão elementar como água limpa. O Working for the Few, da Oxfam/UK, apresenta uma visão geral da desigualdade, em particular a da riqueza (patrimônio familiar acumulado), que ultrapassa de longe a desigualdade da renda.
Os próprios mecanismos foram se tornando mais claros nos últimos anos. O Tax Justice Network mostra que os ricos detêm em paraísos fiscais entre 21 e 32 trilhões de dólares, entre um terço e metade do PIB mundial, escapando por tanto da tributação. O Economist confirma estes dados e os arredonda para 20 trilhões. O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica mostra em pesquisa planetária que 147 grupos controlam 40% do capital corporativo mundial, sendo três quartos deles bancos, intermediários financeiros e não produtores. Basicamente, a partir dos anos 1980 o capitalismo entra na fase de dominação dos intermediários financeiros sobre os processos produtivos – o rabo passa a abanar o cachorro (the tail wags the dog) é a expressão usada por americanos como Joel Kurtzmann – e com isto a desigualdade entra no processo cumulativo de desigualdade.
Os nossos dilemas não são misteriosos. Estamos administrando o planeta para uma minoria, através de um modelo de produção e consumo que acaba com os nossos recursos naturais, transformando o binômio desigualdade/meio ambiente numa autêntica catástrofe em câmara lenta. Enquanto isto, os recursos necessários para financiar as políticas de equilíbrio estão girando na ciranda dos intermediários financeiros, na mão de algumas centenas de grupos que sequer conseguem administrar com um mínimo de competência as massas de dinheiro que controlam. O desafio, obviamente, é reorientar os recursos para financiar as políticas sociais destinadas a gerar uma economia inclusiva, e para financiar a reconversão dos processos de produção e de consumo que revertam a destruição do meio ambiente.
Falta convencer, naturalmente, o 1% que controla este universo financeiro diretamente através dos bancos e outras instituições e crescentemente de modo indireto através da apropriação dos processos políticos e das legislações. As pessoas não entendem o que é um bilionário, e realmente não é um desafio que faz parte do nosso cotidiano. Mas uma forma simples de entender esta estranha criatura nos é apresentada por Susan George: um bilhão de dólares aplicados em modestos 5% ao ano numa poupança, rendem ao seu proprietário 137 mil dólares ao dia. O que ele vai fazer com este dinheiro? Por mais guloso que seja o bilionário, não há caviar que resolva. O dinheiro, portanto, é reaplicado, e a fortuna se transforma numa bola de neve, gerando os super-ricos, os que literalmente não sabem o que fazer com o seu dinheiro.
Um segundo mecanismo a ser entendido, é a diferença entre a renda e o patrimônio. A renda é anual – resultado de salário, de aluguéis, do rendimento de aplicações financeiras etc. – enquanto o patrimônio (net household wealth, patrimônio domiciliar líquido) – constitui a riqueza acumulada, sob forma de casas, contas bancárias (menos dívidas), ações e outras formas de riqueza. A verdade é que quem ganha pouco compra roupa para os filhos, paga aluguel, gasta uma grande parte da sua renda em comida e transporte, e não compra belas casas, fazendas e iates, e muito menos ainda faz aplicações financeiras de alto rendimento. O pobre gasta, o rico acumula. Sem processo redistributivo, gera-se uma dinâmica insustentável a prazo.
Como este rendimento não pode ser absorvido pelo consumo individual, transforma-se em mais aplicações, gerando uma espiral ascendente de enriquecimento, enquanto a renda das famílias na base da sociedade estagna. Gera-se assim um processo cumulativo de desigualdade. A partir de um certo nível, o grosso do ganho resulta não do esforço produtivo, mas do próprio mecanismo de aplicações financeiras.
Nas cifras da tabela acima, do Crédit Suisse, banco que tem tudo para entender de fortunas acumuladas, constatamos que 0,7% da população mundial, 32 milhões de pessoas, se apropriaram de 41% da riqueza do planeta (patrimônio acumulado, não renda), enquanto 68,7%, 3,2 bilhões de pessoas com patrimônio inferior a 10 mil dólares têm apenas 3%. Cifras muito mais interessantes ainda se referem aos super-ricos, os 0,1 e 0,01% da população mundial, onde esta concentração cresce exponencialmente. ²
Não só a riqueza se acumula no topo da pirâmide social, mas o rendimento financeiro, que é como os muito ricos acumulam, evolui num ritmo muito superior a crescimento da economia em geral. As grandes fortunas, inclusive, permitem aplicações financeiras de alto rendimento, muito além das pequenas aplicações típicas da classe média. Tomando o exemplo do fundo de aplicações da universidade de Harvard, cujos dados são abertos e detalhados no longo prazo, trata-se de rendimentos da ordem de 10% líquidos, enquanto a economia cresce entre 1,5 e 2%.
O fato do livro do Piketty se basear na distinção entre o fluxo anual de renda e o estoque de riqueza acumulada, permite assim deixar muito mais claro o processo cumulativo de desigualdade que se construiu na sociedade moderna. Como além disto o poder político dos mais ricos permitiu passar leis que desregulam a especulação financeira e que reduzem drasticamente o imposto sobre a fortuna ou sobre transmissões de herança, fica clara a falha estrutural do sistema em termos de equilíbrios de longo prazo. ³ “A evolução geral não deixa nenhuma dúvida: para além das bolhas, estamos assistindo sim a um grande retorno do capital privado nos países ricos desde os anos 1970, ou melhor à emergência de um novo capitalismo patrimonial”.(273)
As projeções para o nosso século, que é o que Piketty apresenta, mostram a necessidade de intervenções reguladoras: “Uma conclusão parece desde se delinear com clareza: seria ilusório imaginar que exista na estrutura do crescimento moderno, ou nas leis da economia de mercado, forças de convergência que levem naturalmente a uma redução das desigualdades patrimoniais ou a uma harmoniosa estabilização” (598)
O livro do Piketty não é apenas muito bom, é oportuno. Pois é nesta situação explosiva de desigualdade no planeta, quando até Davos (Davos, meu Deus!) clama que a situação é insustentável, que surge uma explicitação de como se dão os principais mecanismos que geram a desigualdade, como evoluíram no longo prazo, como se apresentam no limiar do século XXI, e em particular como o problema pode ser enfrentado.
O raciocínio básico é simples e transparente: os avanços produtivos do planeta se situam na ordem de 1,5% a 2% ao ano, enquanto as aplicações financeiras dos que possuem capital acumulado aumentam numa ordem superior a 5%. Isto significa que uma parte crescente do que o planeta produz passa para a propriedade dos detentores de capital, que passam a viver da renda que este capital gera, o que justamente nos leva à fantástica concentração de riqueza nas mãos de poucos. E do lado propositivo, esperar que mecanismos econômicos resolvam o desequilíbrio crescente faz pouco sentido: precisamos criar ou expandir, segundo os casos, um imposto progressivo sobre o capital. O que inclusive seria produtivo, pois incitaria os seus detentores a buscar realizar investimentos produtivos em vez de observarem sentados o crescimento das suas aplicações financeiras.
Utópico? Os ricos pagarem impostos não é utópico, é necessário. E tributar o capital parado nas cirandas financeiras, rendendo sem produção correspondente, é particularmente interessante. Na proposta de Piketty para a Europa, seriam 0% para patrimônios inferiores a 1 milhão de euros, 1% para os que se situam entre 1 e 5 milhões, e 2% para os acima de 5 milhões. Não é trágico, não deve levar os muito ricos ao desespero, e geraria o equivalente a 2% do PIB europeu (cerca de 300 bilhões de euros), o suficiente para liquidar por exemplo o endividamento público em pouco anos, e tirar os países membros das mãos dos intermediários financeiros. (889). Seria um bom primeiro passo.
É interessante puxar esta análise para a realidade brasileira. Na listagem da Forbes2014 apresenta-se os 15 bilionários do país. ⁴
1) Marinho, Organizações Globo, US$ 28,9 bilhões
2) Safra, Banco Safra, US$ 20,1 bilhões
3) Ermírio de Moraes, Grupo Votorantim, US$ 15,4 bilhões
4) Moreira Salles, Itaú/Unibanco, US$ 12,4 bilhões
5) Camargo, Grupo Camargo Corrêa, US$ 8 bilhões
6) Villela, holding Itaúsa, US$ 5 bilhões
7) Maggi, Soja, US$ 4,9 bilhões
8) Aguiar, Bradesco, US$ 4,5 bilhões
9) Batista, JBS, US$ 4,3 bilhões
10) Odebrecht, Organização Odebrecht US$ 3,9 bilhões
11) Civita, Grupo Abril, US$ 3,3 bilhões
12) Setubal, Itaú, US$ 3,3 bilhões
13) Igel, Grupo Ultra, US$ 3,2 bilhões
14) Marcondes Penido, CCR, US$ 2,8 bilhões
15) Feffer, Grupo Suzano, US$ 2,3 bilhões
Veja-se que se trata essencialmente de bancos (concessão pública, com carta patente, para trabalhar com dinheiro do público); de meios de comunicação (concessão pública de banda de espectro eletromagnético para prestar serviço de comunicação à população); de construtoras (as grandes, que trabalham com contratos públicos, nas condições que conhecemos); e de exploração de recursos naturais (solo, água, minérios) que são do país e que não precisaram produzir: o Imposto Territorial Rural, por exemplo, praticamente não existe no Brasil. É o divórcio crescente entre quem enriquece e quem contribui para o país. Piketty é claro: “A experiência histórica indica ademais que desigualdades de fortuna tão desmesuradas não têm grande coisa a ver com o espírito empreendedor, e não têm nenhuma utilidade para o crescimento”. (944)
Novo? Não, não é novo, mas é apresentado no livro do Piketty de maneira muito legível (inclusive para não economistas), extremamente bem documentada, e com uma clareza na explicação passo a passo que transforma a obra numa ferramenta de trabalho de primeira ordem.
1) Thomas Piketty – Le capital au XXIo siècle – Paris, Seuil, 2013 (edição em inglês e em espanhol disponíveis online, em português prevista para novembro) – Os números no nosso texto se referem às páginas desta edição original francesa.
2) Sobre estes dados, ver o excelente relatório da OXFAM, 2014; a tabela do Crédit Suisse está na p. 9
3) Piketty aponta “o interesse em se representar assim a evolução histórica da relação capital/renda e de se explorar desta maneira as contas nacionais em termos de estoque e de fluxo”. Thomas Piketty, Le Capital au XXIo Siècle, p. 305.
4) Ver artigo.
Especulação imobiliária, muita gente vivendo de crédito, novos bairros surgindo do nada e a sensação de que uma hora ou outra essa brincadeira vai acabar e não vai ser legal…
…parece familiar?
Mais uma matéria desenterrada: este foi o primeiro frila que fiz pro falecido caderno Mais!, da Folha de S. Paulo, uma entrevista com a Diane Coyle, publicada no dia 18 de julho de 2004. que lançava seu Sexo, Drogas e Economia no Brasil, na época. E escolheram essa foto aí embaixo pra ilustrar o bate-papo.
Economia das trocas simbólicas
Para a teórica e apresentadora da BBC Diane Coyle, empresas pontocom não perceberam a tempo as diferenças entre mercados real e virtual
No primeiro capítulo, depois de incluir modelos seminuas das páginas três dos tablóides ingleses e o porta-voz do primeiro-ministro britânico (por ter escrito contos para uma revista erótica) como integrantes ativos da indústria do sexo, Diane Coyle afirma que “a internet mudou o mercado de sexo”, que “a pornografia é, tecnicamente, um artigo de luxo” e que “o sexo ainda é um mercado em crescimento”, além de teorizar sobre o porquê de mais mulheres não trabalharem como prostitutas, devido à rentabilidade do negócio.
Traçando paralelos improváveis e analisando o jogo econômico dentro de universos cognitivos que fazem sentido ao cidadão comum, Diane Coyle explica conceitos básicos de sua área para tirar o ar de “ciência funesta” que a economia assumiu desde seus primeiros anos. Colunista do jornal “The Independent” (onde chefiou, entre 1993 e 2001, a equipe de economia) e apresentadora do programa da BBC “Analysis”, a inglesa é autora de “Sexo, Drogas e Economia” (ed. Futura, 320 págs., R$ 39,00), em que apresenta a economia sem os vícios do meio ao tratar temas corriqueiros como reflexos específicos de diferentes situações econômicas.
“Tenho tentado explicar o assunto a não-especialistas de formas diferentes por toda minha vida profissional -como professora em Harvard, para políticos, quando trabalhei no tesouro do Reino Unido, e para leitores, quando trabalhava em jornal diário. Então, em certo sentido, é o trabalho de uma vida!”, explica Coyle em entrevista por e-mail. “Eu espero que ele ajude as pessoas a superarem quaisquer tipos de medos que possam ter em relação à economia -que é tão divertida quanto importante”, diz.
O livro continua esmiuçando panoramas não muito caros à rotina da mídia econômica, mas deliciosamente ricos em possibilidades reais e inter-relações cotidianas. No capítulo sobre drogas, ela prova que a legalização destas pode ser rentável em diversos aspectos -do econômico ao humano-, enquanto explica o conceito de análise de custo-benefício. Didaticamente, Coyle analisa o consumo entre adolescentes para falar de mercado de riscos, compara a indústria fonográfica aos barões ladrões que construíram as ferrovias norte-americanas no século 19 e, no capítulo sobre tributos, não faz rodeios para dizer que “apenas as pessoas pagam impostos”.
Na paleta de Coyle, temas como ecologia, biotecnologia, governo, imigrações, inflação e macroeconomia são vistos por prismas pouco ortodoxos, como moda, cinema, computação, mercado de arte, telefonia, esportes, o que torna “Sexo, Drogas e Economia” convidativo principalmente para aqueles que vêem a economia com maus olhos. A autora falou ao Mais! sobre alguns desses assuntos na entrevista a seguir.
Por que a cultura popular parece ser um termômetro tão eficaz para as leis da economia, como a sra. mostra em seu estudo?
A economia é apenas uma forma de estudar a sociedade humana -sociólogos e antropólogos lidam com o mesmo assunto, mas com diferentes abordagens. Qualquer questão que envolva muitas pessoas -incluindo qualquer aspecto da cultura popular ou de política pública ou dos mercados de finanças- pode ser analisada do ponto de vista da economia. Para o livro, tentei escolher assuntos que poderiam interessar aos leitores, para não fazê-los desviar do caminho, como a maior parte dos livros de economia faz.
Por que mesmo os mercados como o do narcotráfico, obedecem de forma rígida às regras da economia, mesmo quando agem fora da lei?
As regras da economia são controladas pela mais rígida de todas as leis -a da natureza humana. Na verdade, uma das frentes mais empolgantes nesse assunto atualmente vincula a economia às biologias psicológica e evolucionária. A natureza humana opera em mercados ilegais -talvez até mesmo de forma mais forte do que em mercados legais- porque a questão do lucro é muito mais importante no negócio do crime.
Há algum evento recente que a sra. gostaria de ter incluído em seu livro?
Sim, eu gostaria de ter incluído algo sobre a Enron, a Parmalat e outros escândalos. Esse capítulo poderia falar sobre a importância da informação no funcionamento dos mercados, o papel dos incentivos nos pagamentos aos executivos e os sinais de perigo para que se fique atento à contabilidade das empresas.
Sobre a internet: por que algumas estratégias deram origem à bolha das empresas pontocom ao mesmo tempo em que comunidades auto-organizadas -como as de trocas de arquivos on-line de ponto a ponto (P2P), grupos e fóruns de discussão, grupos criados ao redor de programas de mensagem instantâneas (como ICQ e MSN Messenger)- são tão bem-sucedidas?
Os fracassos das empresas pontocom são decorrentes de três tipos de erro. Um foi pensar que os mercados na internet eram como os mercados fora dela, por isso as mesmas estratégias funcionariam. A indústria da música cometeu esse erro e não se adaptou ao modelo de negócio.
O segundo foi pensar que a internet era um veículo de transmissão como a TV ou o rádio -quando na verdade o conteúdo é menos importante para os usuários do que a habilidade de se comunicarem uns com os outros. As pessoas gostam de se comunicar, por isso o e-mail, as redes de P2P etc. são os vencedores -como os sistemas de mensagens eletrônicas SMS nos telefones celulares.
O terceiro erro foi recorrer a muito financiamento logo de início, quando a difusão via internet segue uma espécie de curva em “S”- devagar no início, se espalhando aos poucos pelo boca-a-boca e então explodindo algum tempo depois. Os custos têm de seguir esse mesmo padrão!
Gostaria que a sra. traçasse a relação entre os milhões de downloads de músicas feitos em programas como Napster ou Kazaa (de troca de arquivos via internet) e a falência do modelo “astro pop”.
Não sei se a era do astro pop terminou -alguns hoje têm o potencial de alcançar mercados verdadeiramente globais. Mas a tecnologia permite que tenhamos estrelas de “nicho”, pois os custos são mais baixos e é possível atingir um segmento específico dentro de um mercado muito maior.
Assistiremos a uma variedade muito maior dos tipos de música que são comercialmente viáveis.
Por que a música parece ser a área em que as novas tecnologias se saem melhor?
Não apenas música, mas também pornografia, jogos, remédios. Tudo aquilo que entope sua caixa postal de e-mails! Sexo, entretenimento e estratégias de enriquecimento rápido: voltamos à natureza humana.
E qual é o papel da genética em termos econômicos?
A tecnologia genética está se tornando largamente importante -será um mercado vasto. É baseada em ciência da computação -pois não é possível seqüenciar genes sem computadores baratos e poderosos-, mas irá envolver questões que dizem respeito às nossas vidas. Eu estou muito preocupada com o conceito de propriedade intelectual, por meio do qual as empresas de biotecnologia estão garantindo seus lucros. O benefício social de algumas descobertas será muito maior que o benefício privado -os remédios contra a Aids são um exemplo-, e precisamos descobrir um modelo melhor que o sistema de patentes vigente para tornar a tecnologia amplamente disponível, encorajando, ao mesmo tempo, a inovação.
Como o “economês” e recentes desastres financeiros ajudaram a derrubar a reputação da economia como ciência?
A economia acadêmica é por vezes é muito específica. Há muito jargão e muitos economistas ruins falando bobagens na TV. Eu queria que os entrevistadores desafiassem o jargão vez ou outra e pedissem para que o economista renomado explicasse o que ele quer dizer. Meu livro mostra que é possível explicar economia em termos diretos.
Existe um outro fator, no entanto. A reputação da economia também sofreu devido ao fato de outros tipos de intelectuais não acreditarem ser possível aplicar métodos da ciência à sociedade. Eles preferem uma abordagem mais literária ou cultural.
O mercado realmente age como um ser vivo ou isso é apenas uma boa metáfora?
Pode ser elucidativo pensar no mercado como uma estrutura social, como um formigueiro. Na verdade, isso nos afasta de conversas a respeito do “mercado” na forma abstrata. Mercado é o sistema de relações entre as pessoas, e as regras sociais dos mercados são muito importantes para que ele funcione.
Já que a sra. se refere à economia como sendo uma filosofia, acreditaria que possibilidades utópicas ou distópicas, como sociedades sem classes ou o colapso financeiro mundial, são apenas ideais e intangíveis?
O século 20 foi uma demonstração dos perigos da tentativa de aproximar a sociedade de um ideal abstrato, de qualquer forma. Meu tipo de economia é uma filosofia bem pragmática, que não almeja um mundo ideal, e sim fazer melhorias neste em que vivemos a partir das evidências disponíveis.
John Maynard Keynes é famoso por ter dito que, quando as evidências mudassem, ele mudaria de idéia -e por isso era um economista formidável.