O documentário de Danny Garcia vai para além da clássica história dos punks que expandiram seus horizontes ao descobrirem o reggae na Jamaica e o hip hop em Nova York e examina mais de perto a segunda parte da história do Clash, quando o grupo deixou de ser um dos principais nomes do punk inglês para assumir o título de “the only band that matters” e talvez o posto mais alto no showbusiness do rock’n’roll do início dos anos 80. Histórias de traições, mentiras, decisões motivadas por dinheiro e sentimentos ruins entre ex-amigos são o combustível que acabou ajudando o próprio rock’n’roll a se amaldiçoar e na biografia do Clash – uma banda politizada e idealizada – ganham contornos de mito no documentário The Rise and Fall of the Clash. Parece ser finíssimo.
Dica do Douglas, que retomou – e bem – seu velho blog, que agora é o site Soy Nosotros.
Juçara, Décio, Kiko, Maurício, Thiago e Cris
Participei da entrevista que o Douglas e o Renan fizeram no especial África em São Paulo, capa do Divirta-se dessa sexta, que pega o gancho da Festa Fela (neste sábado) para falar sobre com o continente negro vem influenciando pesadamente a nova música paulistana. Conversamos com três integrantes do Bixiga 70 (Maurício, Décio e Cris), que lança seu primeiro disco na festa de homenagem ao aniversário de Fela Kuti, e os três autores do disco Metá Metá (Thiago, Kiko e Juçara) sobre o que está acontecendo em São Paulo, enquanto passeávamos pelo Museu Afro Brasileiro, no Ibirapuera.
Todo mundo vai dançar
Músicos dos bons foram buscar no afrobeat e em outros ritmos africanos a receita para pôr São Paulo inteira para balançar. Você não vai ficar de fora, vai?
A noite de São Paulo está ficando com cara de baile e a frase ‘sair para dançar’ passa a fazer (ainda mais) sentido. Não é por acaso. Pode ser que você não tenha se dado conta, mas a influência africana no trabalho de artistas presentes nas festas paulistanas está cada vez mais nítida. Seja nas excelentes composições de Kiko Dinucci; no saxofone inspirado de Thiago França em bandas como Sambanzo e MarginalS; no festejado disco ‘Nó na Orelha’, de Criolo; no trabalho de cantoras como Juçara Marçal, Anelis Assumpção e Céu, entre muitos outros.
E, não, não esquecemos da banda Bixiga 70, que lança amanhã (15) seu primeiro EP, ‘di Malaika’, na 5ª edição da Festa Fela – que, veja bem, foi criada para comemorar o aniversário do lendário pai do afrobeat, Fela Kuti.
Para entender como a cidade começou a ser tomada pelo suingue vindo da África, convidamos seis músicos importantes neste processo para um encontro com cara de papo de bar, mas no Parque do Ibirapuera, dentro do Museu Afro Brasil – que, vale lembrar, faz sete anos no próximo dia 23. Douglas Vieira
UMA ÁFRICA PARA CADA UM
Thiago França: “A África para a gente é meio a história do disco do Rodrigo Campos. É uma África fantástica. São impressões que a gente tem e traz para o nosso contexto, que não deixa de ser São Paulo em nenhum momento. A gente nunca foi lá. É YouTube, Wikipédia… Foi a internet. A gente foi sacar Fela Kuti vendo essas coisas, vídeos de shows… Foi o YouTube.”
Cris Scabello: “A internet foi muito importante. Potencializou muito esse encontro, essa conexão com o público. Mas tem de tudo, não é só o povo da internet.”
Décio 7: “Quando a gente começou com o dub, as pistas esvaziavam. Hoje está em tudo. Eu acho legal ter uma pesquisa e as pessoas estarem a fim de ouvir. O momento é outro. Na época não tinha internet forte. O (produtor musical) Ganjaman falou outro dia que afrobeat é o novo dub. E está em tudo, desde o Chico Science até a Céu, o Curumim… O público sabe dançar e sabe o nome. Isso muda tudo.”
Thiago: “Acho que é consequência do momento histórico que a gente está. Aqui em São Paulo tem gente com a cabeça muito aberta para som, que vai ver o Bixiga, o Metá Metá, o Criolo, ouve música eletrônica e vai na Sala São Paulo também.”
MAIS BANDAS, MAIS PÚBLICO
Cris: “É um fato. Tem mais bandas, mais público, mais mídia, mais tudo de uns dois ou três anos para cá. E é meio ‘porque eu não pensei nisso antes?’ Estão fazendo isso desde os anos 60. Por que não existia uma banda de afrobeat em São Paulo? E existe uma procura maior pelo assunto agora.”
Kiko Dinucci: “A maioria dos músicos da nossa geração têm algum namoro com a África. Seja no ritmo, na linha melódica… Não acho que existem grupos de música africana e nem tem que ter. Está bom assim. Cada um fazendo seu som e a gente vai parar na África ou no Japão. Ou em qualquer lugar que a gente queira, porque a gente tem internet e pode ouvir músicas do mundo inteiro.”
Mauricio Fleury: “E a gente é músico. Então a gente se encontra, toca um com o outro.
Tem uma troca. Cada um vai colocando seu elementinho no disco do outro.”
Thiago: “Mas se você for fazer um show em uma balada na Vila Olímpia já não vai rolar.”
Décio 7: “Não tem mais as tribos, mas São Paulo ainda tem uns recortes bem definidos.”
Juçara Marçal: “Por isso não dá para falar em movimento. Não é uma cena. São muitas.”
Cris: “A gente quer muito sair desse circuito Sesc, Vila Madalena, Augusta. Quer fazer essa movimentação. Mas a gente sabe que não vai ser simples.”
NOVOS RITMOS, SEM MESMICE
Juçara Marçal: “Quando se pensa em música africana, muitas vezes se pensa em um tipo de ritmo. Mas a riqueza da música africana é justamente a polirritmia, que não pode ser enjaulada no samba, como vinha sendo feito. É muito mais rico e muito mais variado.”
Kiko: “Me incomodava todo mundo tocando como um velho de 80 anos. Padronizou muito a batida. O pandeiro tem que ser assim, o tamborim, assado… Comecei a achar o samba sem suingue. A África estava escondida. Comecei a prestar atenção em samba de bumbo, jongo, batuque, terreiros… Fui fazer o filme sobre Exu e, quando vi, já estava compondo usando a estrutura dos tambores.”
Cris: “Para mim, o afrobeat veio mais travestido pelo Gilberto Gil, pelo Chico Science, pelos ‘Afro-Sambas’ (disco de Baden Powell e Vinicius de Moraes) – mesmo sendo anterior ao Fela.”
Kiko: “Tem coincidências no Brasil.”
Mauricio: “Tem a música ‘Saudação a Toco Preto’, do Candeia.”
Kiko: “Essa música é um ponto de terreiro.”
Mauricio: “Mas tem arranjo de afrobeat, com metais. A gente começou com sonoridades afro. Mas quando a banda começou a andar, e a gente sempre buscou um trabalho autoral, a galera foi voltando para o que já tinha. É sempre falar da gente. Não é ficar tentando reproduzir o Fela. Isso não passa nem perto da gente. São 10 caras, cada um com um background diferente. Todos procuravam esse suingue e todo mundo está feliz de colocar isso no Bixiga.”
DEIXA TOCAR
Thiago: “Eu sempre procurei uma coisa mais suingada. Estava em busca de alguma coisa que só fui saber o que era muito tempo depois. E, em 2007, comecei a ter uma vivência em terreiros e caiu uma ficha do lance de ficar tocando e deixar o pessoal dançar. O afrobeat no Sambanzo não é estudado. É deixar tocar.”
Juçara: “Na Barca, que começou em 1998, percebemos a riqueza da cultura popular. Isso levou a gente até cantigas, doutrinas e tradições de cerimônias afro-brasileiras. Tinha muita presença africana.”
Kiko: “O Bixiga é afrobeat, mas se toca alguma coisa mais latina, sai da Nigéria e entra em outros países da África. E eu fico atento para acontecer isso com a gente. Se alastrar mais. Não ficar restrito a um país. Tem Senegal, África do Sul… ”
Décio 7: “A galera está a fim de dançar. Você percebe nas festas. E o Bixiga é instrumental. As pessoas nem ficam olhando para o palco. É baile mesmo.”
Décio 7: “Tem essa cultura vintage, de procurar coisas antigas. As pessoas querem ouvir isso. E o Bixiga é muito orgânico. É 1, 2, 3 e sonzera. Olho no olho.”
Décio 7: “Tem muita gente.”
Juçara: “Tem o Siba, com um disco muito forte. Tem o Rodrigo Caçapa, grande referência. Douglas Germano.”
Décio: “O Afro Electro, que está há tempos tocando. A Céu e a Anelis Assumpção.”
Mauricio: “Vai sair um compacto do Bruno Morais com a gente de um lado e o Kiko do outro.”
Cris: “E acho que vai crescer exponencialmente.”
Thiago: “Tudo sinaliza para isso.”
Kiko: “Espero que sim.”
Quem é quem
Cris Scabello: dedicado ao groove desde os tempos do grupo de percussão Olho da Rua, foi precursor do dub na noite paulistana.
Décio 7: também do Olho da Rua, o baterista tem longa história no reggae e no dub, estilos que o ‘levaram’ à África.
Juçara Marçal: dona de uma voz suave e bela, que se encaixa perfeitamente nas composições do amigo Kiko Dinucci.
Kiko Dinucci: no Bando Afromacarrônico, no Metá Metá, ou em outros projetos, usa com classe as referências afrorreligiosas.
Mauricio Fleury: dono de um piano elétrico cheio de groove, é do Bixiga 70 e do coletivo de DJs Veneno Soundsystem.
Thiago França: um saxofonista que cai perfeitamente no jazz, no afrobeat, no samba e em qualquer outra coisa com groove.
Talvez tenha a ver com o fato de que semana que estarei de férias, mas há uma guinada consciente no que estamos fazendo no Link nas últimas semanas e não dedico um post a mais ao caderno por outro motivo: a edição dessa segunda-feira está demais. Além da entrevista que o Jamil Chade, lá em Genebra, fez com o Frank La Rue, relator especial da ONU para a liberdade de expressão, ainda conseguimos a reprodução do discurso do Lessig na parte de inovação do painel e-G8 (tão bem dissecado pela Carol em edição anterior) e o manifesto do grupo hacker Anonymous contra a OTAN, que o classificou como um grupo perigoso. Na outra ponta do espectro digital, o Pablo, o melhor repórter de videogame do Brasil e editor da revista Rolling Stone, explica o que aconteceu na E3 da semana passada em Los Angeles, quando a Nintendo lançou o Wii U. Aqui no Brasil, convidei o Carlos Merigo, conhecido virtual de longa data e dono do melhor blog sobre publicidade e internet do Brasil, o Brainstorm9, pra falar sobre o impacto do YouTube no mundo da propaganda, a partir do comercial que a Vivo lançou na semana passada. A edição ainda tem uma entrevista com o Fabio Lima, o homem que vai fazer você ver De Volta para o Futuro e O Poderoso Chefão no cinema ainda esse ano, feita pelo Douglas, outro velho compadre que hoje é um dos pilotos do Divirta-se, o guia semanal do jornal onde trabalho. Além disso tudo, a Tati ainda passou o fim de semana com programadores criando aplicativos pra ajudar as pessoas em casos de enchentes e chuvas, no Random Hacks for Kindness.
E te digo uma coisa: só melhora.
Mutarelli desce a Augusta rumo à Casa do Artista após pedir para carregar a mala do fotógrafo André Lessa, à esquerda (essa foto é minha)
Fui assistir à cabine do Natimorto, o filme de Paulo Machline baseado em um dos livros de Lourenço Mutarelli, com o Douglas, um dos editores do Divirta-se, o guia de programação lá do Estadão, e compadre de outros carnavais (Douglas era editor da falecida Simples quando me convidou para ter uma coluna de música por lá, nos idos de 1840). Saímos da sessão comentando como o filme parecia ser situado em São Paulo apesar de se passar quase que inteiramente em um quarto de hotel. E assim naturalmente surgiu a idéia que foi capa do Divirta-se desta sexta, quando o filme chegou aos cinemas: passar uma tarde com o Mutarelli para que ele nos dissesse quais eram seus lugares favoritos da cidade. O encontro se materializou no mesmo dia em que Lourençou completou 47 anos (ele faz aniversário no dia 18 de abril e faz questão de não comemorar, “comprei um bolo Pullman”), quando conhecemos um sujeito pacato e de fala tranquila, mesmo que falasse de assuntos terríveis e projetos aparentemente sem sentido e fosse o autor de obras perturbadoras e caóticas. Publico o resultado a seguir, já com a promessa (ah, minhas promessas…) de trazer à toda, um dia, quem sabe, tudo mais que o mestre conversou com a gente pelas quase sete horas de passeio naquela segunda-feira quente de outono. As fotos da matéria são do André Lessa, de quem o Mutarelli se dispôs a carregar a mala, descendo a Augusta, em foto que tirei no celular.
O desenho da capa do guia foi feito em menos de dez minutos, enquanto eu tirava as fotos dos detalhes da casa de Lourenço (eu pedi e ele deixou!)
E na capa da versão do guia para o JT, Mutarelli encarnou o cartomante ao ler os maços de cigarro cenográficos em uma das salas do Espaço Unibanco
Saia já desse quarto
Baseado na obra de Lourenço Mutarelli, o filme ‘Natimorto’ se passa entre quatro paredes. Mas o Divirta-se levou o autor para passear pela cidade
Cigarros. Cafés. Obsessão. Simone Spoladore. Lourenço Mutarelli. Esses elementos serão suficientes para prender a atenção de quem estiver no cinema – e, ao mesmo tempo, serão suficientes para perturbar a paz dessa mesma pessoa. A capacidade de perturbar, aliás, não é privilégio de ‘Natimorto’, a mais nova adaptação de uma obra de Mutarelli, estrelada por ele e dirigida por Paulo Machline. É recorrente em seu trabalho. E, com a opção de Machline de tirar o humor presente no livro, restou apenas a tensão.
Os cigarros são essenciais para amarrar a história. É no verso de cada maço que está a principal sacada: o Agente (Mutarelli) interpreta as imagens exigidas pelo Ministério da Saúde como se fossem cartas de tarô. E não passa um dia sem que leia a sua sorte e, desde que a conheceu, a de sua musa, a cantora Voz da Pureza (Simone Spoladore).Ocafé não precisa de explicação – serve para acompanhar o cigarro, é claro.
A presença do autor como ator não estava nos planos. Quem faria o Agente seria Marco Ricca, mas problemas na agenda de Ricca fizeram o diretor cogitar outros nomes, comoMatheus Nachtergaele (que Mutarelli chama de ‘Mastercard’, por não lembrar da pronúncia do sobrenome). “Mas ele também não podia, e aí começaram a cogitar alguns galãs”, explica o escritor. “Foi quando sugeri ao roteirista, André Pinho, que eu poderia fazer o papel, pois não dava para ser um galã. Eu já havia atuado outras vezes. O diretor gostou da ideia e virei o protagonista.”
Assim, o personagem de Mutarelli embarca numa viagem kamikaze com a personagem de Simone, num quarto de hotel que se torna um templo à obsessão e à nicotina – a fumaça do cigarro pode incomodar, e muito, os não-fumantes que se arriscarem a ver ‘ Natimorto’. Toda ação do filme ocorre em um quarto claustrofóbico, que pode ficar em qualquer lugar da cidade.
Mas, se no filme a São Paulo de Mutarelli é um mistério, a da vida real é desvendada pelo Divirta-se. Passamos um dia com o escritor, cujo passeio impressionou pela normalidade, revelando uma São Paulo que frequenta com a mulher e com o filho. Siga-nos rumo à cidade bem familiar desse sujeito pouco família.
Mudança de nome
Era para ser Cowboy Light, como é no livro ‘O Natimorto’. Porém, durante o processo de adaptação, os produtores descobriram que já existia uma marca de cigarro com esse nome. A opção então foi mudar o nome para Cowboi – mais divertido, a propósito. E, nas advertências do verso, há fotos de muita gente da produção do filme – entre eles, o diretor, Paulo Machline.
A São Paulo de Mutarelli
As pessoas atravessam, Mutarelli observa. Mas ele não fica parado ali. Assume a missão de ser nosso guia pela cidade que ele mais gosta.
A sorte do dia
Na entrada do Espaço Unibanco, o escritor dá as últimas baforadas antes de iniciarmos a jornada. Mas não sem antes ler a nossa sorte.
Ainda dentro da sala 4 do Espaço Unibanco, minutos antes de nos apresentar a São Paulo que lhe ‘pertence’ – algo que vai da Rua Augusta até a Vila Mariana, com uma escapada pelo Parque do Ibirapuera –, Mutarelli tratou de prever a nossa jornada. Emseu baralho de tarô, formado por maços de Cowboi, teve uma impressão inicial de que o dia seria ruim. Mas mudou de ideia – ou melhor, as ‘cartas’ mudaram.
O dia prometia ser bom. E foi. Ali mesmo, mas na nobre sala 1, o quadrinista, escritor, roteirista e hoje
mais ator do que nunca, lerá a sorte outras vezes. Só que agora em público, como protagonista do filme ‘Natimorto’, que, segundo ele, você deveria assistir no próprio Espaço Unibanco, que é o “seu cinema”.
E, para não ficar perdido quando o filme acabar – o que, a julgar pelo caráter sempre perturbador das obras de Mutarelli (como ‘O Cheiro do Ralo’), pode realmente acontecer –, ele indica por onde caminhar.
Espaço Unibanco. R. Augusta, 1.470, Cerqueira César, 3287-5590.
Subindo a Augusta rumo à Paulista
Mutarelli sempre passa pelo sebo. São assim os frequentadores desse tipo de loja: fieis. E, depois revirar livros usados, é hora de mais um cafezinho.
“É um lugar a que sempre vou” afirma Mutarelli, enquanto dá apenas alguns passos até o sebo Alfarrabista Corsarium, em uma galeria a poucos metros do Espaço Unibanco. Vai lá. Só não espere encontrar um livro dele. “Me disseram que meu primeiro álbum está sendo vendido a R$ 300!”.
Alfarrabista Corsarium. R. Augusta, 1.492, loja 8, Cerqueira César, 3284-1214.
Entre um cigarro e outro, ele para e toma um café, em pé mesmo, no quiosque do Viena, na entrada do Conjunto Nacional, já na Av. Paulista. “Sempre tomo café ali. Às vezes mais de uma vez por dia.” Na hora de almoçar, voltamos à Rua Augusta. E hesitamos entre o PF da lanchonete BH (na esquina com a Rua Luis Coelho) e o clássico beirute do Frevo – ficamos com o segundo. Ufa.
Frevo. R. Augusta, 1563, Cerqueira César, 3284-7622
Perdido no Conjunto Nacional
Ele conhece o espaço muito bem, é verdade. Mas nem por isso a visita é rápida. Passa pelas estantes devagar e só observa. Espera que algum livro o encontre.
É sem um objetivo traçado que ele passa pela entrada da loja principal da Livraria Cultura, no Conjunto
Nacional. A única coisa que sabe é que vai passar antes pela unidade dedicada aos livros de arte. “Vou bastante ali. Mas, mesmo com as grandes livrarias, ainda é muito pequeno o acervo no Brasil. Então, eu
sempre dou uma fuçada para ver se apareceu algo novo. Depois, vou ver os outros livros e os DVDs.”
Livraria Cultura. Conjunto Nacional. Av. Paulista, 2.073, Bela Vista, 3170-4033.
Na oficina do traço
Ele olha para as penas (de desenho com nanquim) e as compara com agulhas de vitrola. Na Casa do Artista, perdoe a redundância, ele sente-se em casa.
Da Livraria Cultura, Mutarelli desce algumas quadras no sentido contrário, rumo ao Jardins, onde vai parar no parque de diversões que é a Casa do Artista, na Alameda Itu. Principal loja de materiais artísticos de São Paulo, a casa é um deleite para o autor, que se perde pelas prateleiras em busca de penas, tintas e papéis. “Acho que estão redescobrindo o papel. Teve uma hora em que todo mundo queria ser digital, ir para o computador. Acho que o desenho a mão está sendo redescoberto, como o vinil.”
Casa do Artista. Alameda Itu, 1.012, Jardins, 3088-4191.
Um cara normal
No final do passeio, vamos para a região onde mora Mutarelli hoje. No Parque do Ibirapuera e nas redondezas da Vila Mariana, ele mostra que é um ‘pai de família’.
Saímos da região da Paulista rumo ao início da zona sul, perto da casa do escritor. Antes de chegarmos a seu bairro, a Vila Mariana, fizemos uma pausa rápida no Parque do Ibirapuera. “Com cinco contos, você aluga uma bicicleta e faz um puta programa”, explica ao contar que vai ao parque passear com o filho de 15 anos. Do Ibirapuera vamos à Vila Mariana até chegarmos ao café Vila França, pertinho de seu apartamento, onde é recebido pelo nome e tem até conta para ‘pendurar’ seus cafezinhos. “Eu adoro o bairro. É o lugar que eu escolhi para morar. Enquanto der para pagar o aluguel, eu fico por aqui.”
Vila França. R.França Pinto, 49, V. Mariana, 5084-2281.
Longe do caos da cidade
Depois de mais de 8 quilômetros (percorridos em sete horas), voltamos com Mutarelli para a sua casa– o melhor lugar para o entendermos.
“O espaço em que eu trabalho é como uma jaula. Eu gosto de ficar preso ali. Acordo muito cedo e fico nela até a hora em que o telefone começa a tocar, lá pelas 9 e meia, 10 da manhã. É quando saio para dar uma volta na região, para reconhecer aminha geografia pessoal.”
Paulistano, Mutarelli já morou em vários lugares da cidade, mas se encontrou na Vila Mariana.“Eu nem via o quanto estava envolvido com a cidade. Ultimamente, percebo melhor o meu bairro.” Tanto que situou um de seus livros recentes (‘A Arte de Produzir Efeito Sem Causa’, 2008) na região, sem citá-la nominalmente. E conta que incluiu anônimos que encontra em seus passeios matinais. “Tem uma senhora oriental que usa um chapéu grande e anda empurrando uma cadeira de rodas vazia. Tem um outro cara que trabalha na mercearia perto de casa… Uma loja de roupas de que eu só mudei uma letra no nome…”
O que o fascina na cidade é como as pessoas se tornam anônimas. “Por mais peculiares que sejam, elas ficam invisíveis. São Paulo é uma cidade de figurantes. Todo mundo figura. Há pessoas desprezíveis que se acham protagonistas. Outro dia, eu estava no museu e um cara entrou na minha frente, como se eu não existisse. E, na cabeça dele, eu não existia mesmo. Tem muita gente assim, que se acha especial. Mas São Paulo esmaga”, diz, citando o Hulk.
Ele diz que gosta da dinâmica da Vila Mariana, que se opõe ao caos organizado da metrópole. “O ritmo de São Paulo é absurdo. Faço tudo para não ter pressa, porque ela me consome, é muito corrosiva. Prefiro ir a um supermercado do que ir à praia. Descer a serra para pegar fila para comprar pão? Não dá.”