DoSol a pino

, por Alexandre Matias

Um bom termômetro

Sexta é dia de falar sobre a “cena” (você sabe do que eu tou falando), então vambora…

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Acabei de voltar de Natal, para onde fui após convidado pelo Anderson Foca, um dos agitadores da cena local, para assistir ao Festival DoSol, em sua terceira edição. E, para uma cena independente sem muita representatividade no cenário nacional, a cidade surpreende. Não apenas pelo verde do mar ou pelo preço do camarão (sete reais o quilo!), mas pelo tamanho interesse da própria cena em, mais do que “acontecer”, se firmar.

Botando na ponta do lápis, tirando São Paulo, que não tem um festival independente de peso e continuidade no cenário nacional (muito devido a um circuito de shows mais constante e ao excesso de grandes eventos patrocinados por grandes marcas – que quase sempre priorizam gringos), quase todas as principais cidades do Brasil têm seu próprio festival, que, quase sempre, funciona como um termômetro para a cena local. Algumas cidades têm até dois, como Recife (dois – Rec Beat e Abril Pro Rock – com mais de dez anos e um terceiro, contando o Coquetel Molotov, que acontece mês que vem), Goiânia (embora o Noise e o Bananada sejam produzidos pelo mesmo núcleo) e Natal. Juntos o Mada e DoSol já são referência no mapa independente brasileiro, garantindo ao estado uma circulação de bandas que, de outra forma, dificilmente viriam ao estado com tanta freqüência.

Mas Natal é mais que dois festivais. Existem selos (o próprio DoSol, o Mudernage, Solaris, Xubba), fanzines de papel (sério! E muitos!) e online, programas de rádio e TV e uma casa noturna que carrega a noite independente da cidade – também do núcleo DoSol. E mais do que isso: há uma cena.

Não são apenas shows freqüentados por pessoas de outras bandas, há um público que, aos poucos, está aprendendo a gostar das bandas locais. Estas, ainda muito incipientes em termos de som, por outro lado, estão aprendendo a ter um público local sem acreditar no sonho de “ser descoberto” ou “acontecer” no Rio ou em São Paulo. O sonho, claro, existe, mas dentro de uma realidade em que a cena é tão discutida quanto vivida (e foi isso que eu percebi durantes os três dias na cidade), ele não distorce o trabalho diário que, inevitavelmente, fará as bandas melhorarem e, mais importante, ganharem identidade própria. Da safra exibida no festival, só a Dusouto, dos locais, está mais próxima disto. É uma banda monotemática (assunto único: maconha), mas que combina bem rock (dois de seus integrantes são veteranos da banda mais célebre de Natal nos anos 90, o General Junkie) com dub, ragga, beats eletrônicos e interferências regionais, com DJ e programador no palco. As outras ainda estão amadurecendo, mas estão no rumo certo e boa parte delas têm público local. Ótimo sinal.

De resto, o DoSol é um dos inúmeros retratos do atual pop independente nacional como seus outros pares de outros estados. Bandas como Mundo Livre S/A (que tocou “Maroca”, difícil em shows), Forgotten Boys, Astronautas, Devotos, Walverdes, Ludov (eu não gosto, mas eles seguram a onda – e o público cantava junto tudo!), MQN, Dead Nomads, Los Canos, Bonsucesso Samba Clube, Bois de Gerião, Autoramas e Dead Fish (outra que eu não curto, mas que faz um bom show) provam que há uma cena forte, interessante e sólida que pouco a pouco deixa o amadorismo num passado recente. O funcionamento do festival em si é outra prova: tudo redondo, sem brigas, sem incidentes maiores, no horário, boa estrutura.

É só seguir neste ritmo. E o mais legal: não é exclusividade de Natal. Isso vem acontecendo em um monte de cidades.