Dois extremos de uma mesma geração
O primeiro Inferninho Trabalho Sujo no Fervo reuniu dois shows que funcionam como bons exemplos da amplitude musical da nova geração de bandas e como, apesar de virem de áreas sonoras distintas, harmonizam com gosto. A noite começou com o delírio prog-jazz do Tubo de Ensaio, que apesar de não negar suas raízes no rock clássico e na música brasileira, partem dessa mistura para voos instrumentais e viagens vocais que misturam improviso e psicodelia. Num transe instrumental que mistura doces harmonias vocais, groove hipnótico e equipamentos fabricados em casa, o quinteto mostrou algumas músicas de seu recém-lançado Endoefloema com várias canções inéditas que eles já estão preparando para o próximo trabalho. É bonito ver como a sinergia do grupo, tanto a presença performática e carismática da vocalista Manuela Cestari – interagindo constantemente com o pequeno e avassalador baterista Gabriel Ribeiro, que por vezes deixa seu kit para tocar metalofone, à simbiose de contrapontos do baixo melódico de Francisco Barbosa e a guitarra jazzy e psicodélica de Lorenzo Zelada, entrelaçando-se com os teclados espiralados de Lorena Wolther, que, ao lado de Lorenzo, compõe jogos vocais suaves e lisérgicos junto a Manu. A intensidade do show e a cumplicidade da banda amplia muito as dimensões das canções do disco, que por vezes esticam de duração em solos e improvisos contínuos, que conversavam diretamente com as trips instrumentais do Tutu Naná, que por sua vez vêm de um outro universo musical.
Depois foi a vez do Tutu Naná mostrar que o transe instrumental simbiótico também pode vir de uma outra fonte sonora, que mistura tanto referências de jazz brasileiro, quanto de noise, rock clássico, shoegaze e pós–punk. O quarteto catarinense nascido das cinzas da banda John Filme acabou de lançar o ótimo Itaboraí, em que mostram que não há fronteiras musicais quando se transcende o vínculo artístico para além da convivência, transformando o trabalho musical dos quatro num mesmo organismo vivo. Quase sem precisar trocar olhares, seus integrantes abrem fronteiras musicais que por vezes começam em dedilhados sutis da guitarra de Akira Fukai nas linhas de baixo elípticas de Jivago Del Claro, crescem nos vocais entrelaçados dos dois ao lado da vocalista Carol Acaiah, que por vezes puxa sua flauta transversal para liberar o ruído coletivo ou para domá-lo em momentos de êxtase, quase sempre impulsionados pela bateria impetuosa e quebrada de Fernando Paludo, um monstro que parece ter saído de uma mutação genética entre Dom Um Romão, Ginger Baker, Milton Banana, Art Blakey e Keith Moon (além de ficar fazendo loops com seu vocal distorcido entre as músicas). Cada apresentação é um convite a um novo transe e não foi diferente neste primeiro Inferninho Trabalho Sujo no Fervo, quando o público desceu para perto dos trilhos do trem na Água Branca para uma noite de puro delírio musical. E como se não bastasse, o Tutu Naná encerrou sua apresentação com uma improvável versão “Duas Opiniões”, do Tom Zé. Foi demais.
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