Do medíocre ao coxal

, por Alexandre Matias

Esse inferno é o dos outros

Você liga o rádio e só toca merda. Você liga a TV e nada interessa. Você lê o jornal e todo dia ele é cada vez mais igual. O mesmo acontece nas lojas de disco, nos cinemas, nos portais de internet, na vitrine da megastore, na prateleira do supermercado, nas bancas de jornais, nas livrarias, no cardápio do restaurante. Mas ao mesmo tempo, você sabe que a música brasileira está passando por um período de renovação incrível, que o DV deu um gás fenomenal na produção cinematográfica no mundo inteiro, que estamos passando por um boom mundial de nova literatura, que o mundo anda cada vez mais difícil de ser explicado e pedindo analistas pra, se não explicar, ao menos ajudar a compreender o enigma do futuro.

Mas os meios de comunicação não captam isso. O comércio não percebe isso. Os “formadores de opinião” não estão interessados. As notícias em tempo real só repercutem pesquisas de universidades que se contradizem mais do que a Bíblia. As revistas só querem ouvir a opinião de gente sem opinião. A TV e o rádio se superam na capacidade de repetir fórmulas mais gastas do que a lei de Murphy.

Há, portanto, uma lacuna bem definida.

Mas é fácil entender.

Quando o muro de Berlim caiu, foi propagada a idéia de que o capitalismo havia vencido a Guerra Fria – e, portanto, era o novo Dono do Mundo. Uns afobados disseram até que a história havia terminado, num prenúncio hoje óbvio do que mais tarde chamaríamos de Pensamento Único. Esse conceito foi se infiltrando nas cabeças das pessoas à medida em que a economia foi sendo utilizada como régua para o sucesso de outrem. Parecia lógico, né – se o capitalismo venceu e os Estados Unidos são o maior país capitalista do mundo, nada mais natural que usar seus parâmetros para atingir sucesso semelhante.

Essa história você já conhece: do receituário neo-liberal que arruinou as economias na América Latina, na Ásia e na África, ao ridículo artifício de desqualificar a pessoa em vez de se discutir suas idéias, passando pelo boom nos fundos de investimento, as bolsas de valores se tornando o termômetro do mundo e megafusões de megaempresas que você nunca ouviu falar, porque tomam conta das partes do mundo que você conhece. Foi o que deu origem ao consumismo desenfreado da década de 90, responsável por coisas tão diferentes (e próximas, de alguma forma) como a multiplicação dos shopping centers e das faculdades privadas, o encarecimento dos planos de saúde e a Bolha da Internet, as fraudes de contabilidade nos EUA e o fenômeno das megastores no Brasil.

É aí que as coisas degringolam. O consumismo passou a medir oficialmente as pessoas por dinheiro, o que fez com que todo o conteúdo fosse deixado de lado em prol da forma. Isso explica desde o fato de Clinton ter saído ileso do escândalo Monica Lewinsky até o fato do Festival de Cannes ter virado uma versão européia do Festival de Sundance. Daí os modelos de carro exuberantes, o boom de academias de ginástica e de produtos cosméticos, a inflacionada indústria da moda, os blockbusters hollywoodianos cheios de efeitos especiais, livros de auto-ajuda, Paulo Coelho e “Querida Mamãe” entre os mais vendidos, a ditadura da beleza física, o sensacionalismo, a volta do dramalhão, credibilidade confundida com carisma, discos cheios de participações especiais, a popularização do conceito de que “as pessoas não querem ler muito” (que atravessa o mercado editorial – fotos grandes -, a internet – textos curtos – e a publicidade – imagem é tudo) e Schwarzenegger governador da Califórnia. Exemplos não faltam, faça sua própria lista.

Pois se era a forma que contava, o conteúdo não importa. Por isso um site com animação em flash e acabamento visual sofisticado conta mais do que um sistema de publicação eficiente. Por isso tanto faz qualquer tipo de análise crítica em relação a qualquer tipo de obra de arte – que, talvez justamente por isso, vem se tornando mero objeto de consumo. Isso explica textos estéreis, comerciais sem graça, fotos posadas, press-release pra qualquer bobagem, entrevistas vazias, cotidiano fútil. Esqueça a síntese da idéia, apresente-a com páginas e páginas de um papel chique e com uma fonte classuda e ela parece melhor do que se apenas apresentada diretamente. É a ascensão da mediocridade: ser bom não é necessário, basta apenas ser OK.

As várias bolhas de dinheiro ilusório que estouraram nos últimos cinco anos (um crash da bolsa em câmera lentíssima, quase bullet-time) garantiram contra-cheques cheios de zero e gordos abonos a toda essa choldra medíocre que hoje nos diz o que devemos consumir. Mas à medida em que a falsidade foi tornando-se evidente, o mercado veio cobrar a dívida, defenestrando os salariões. Quem ficou, teve de acumular função, trabalhar mais tempo, perdeu regalias. Sem motivação pra trabalhar, a mediocridade parou de se esforçar. Vem fazendo as coisas de qualquer jeito, sem se preocupar com o resultado.

O mainstream virou isso: a decadência da mediocridade. “Coxal”, pra falarmos em português bem claro. Patrões na espera de números altíssimos para devolver algumas das condições exigidas por empregados medíocres que não se esforçam para fazer nada. Por isso que você lê revistas, vê filmes, ouve músicas e tudo parece dizer a mesma coisa: nada. Esse é o som da criatividade mediana em marcha lenta.

Avisem aos patrões que eles podem esquecer. As vendas altas não vão voltar. Ninguém vai vender mais dez milhões de discos ou ter tiragem de um milhão de cópias no domingo. Vivemos uma nova realidade que, por motivos óbvios, não voltará a ser o que era há poucos anos.

É só raciocinar. Infelizmente, não há números precisos para aferir esse tipo de coisa, mas é fato que a quantidade de discos gravados hoje em dia é infinitamente maior do que a de dez anos atrás. Mesmo porque hoje muita gente grava discos pra família, pros amigos, pra um grupo pequeno de admiradores. Produzir um disco não é mais nenhum bicho de sete cabeças e fazer música tem se tornado um hobby cada vez mais popular. Culpe o computador, a internet ou a saudade que as pessoas já sentem de música tocada ao vivo. O fato é que a produção musical parece estar, lentamente, ultrapassando a mera audição.

Afinal, não precisa pensar muito para entender que o tempo que uma pessoa passa produzindo um disco faz com que ela não dedique tanto tempo ao consumo de discos como fazia antes. E cada novo disco lançado anula não sei quantos discos que poderiam estar sendo vendidos. (Falei de música, mas poderia estar falando de cinema, literatura, internet, esportes…)

Com isso, cai o popstar. Aquela figura imbatível, que olhava a todos do alto, onipotente, faliu. Virou um enorme elefante branco que não cabe na nova realidade – seja de mercado ou de cultura – do século 21.

E tudo isso não tem nada a ver com crise econômica. Estamos passando por uma crise de criatividade do mercadão, que não sabe mais o que fazer para as pessoas comprarem milhões de unidades como compravam antes.

Já era. Basta pegar a coleção de livros de qualquer um, as pastas de MP3 em qualquer computador, acompanhar as saídas noturnas de diferentes pessoas. Ninguém quer mais consumir só a banda da moda, o livro da vez, o filme cult. Todo mundo quer viver tudo ao mesmo. Não estamos mais falando em mero consumo passivo – as pessoas querem decidir elas mesmas o que ler, ver, ouvir e falar. E cada nova decisão pare um novo DJ, uma nova escritora, um novo cineasta, uma nova produtora de eventos…

Todos prontos pra chutar a bunda da mediocridade em baixa. Todos fora do mercado. Todos sabendo quanto vale cada gota do seu suor. Prontos para tomar conta da situação – quando a hora chegar.

Quando é isso? Não sei, só sei que é perto.

Tags: