Dissecando Sophia Chablau & Uma Enorme Perda de Tempo

, por Alexandre Matias

Foto: Biel Basile

fiz tanta coisa com essa que das minhas bandas novas favoritas que nem parece que ela ainda não lançou disco. Mas o fato é que nesta quinta-feira o mundo poderá conhecer o primeiro disco da Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, que conheço desde antes de ser gravado, em 2019, e pude ouvi-lo ainda no Estúdio Canoa, no último dia do grupo no estúdio, com a presença da amiga e produtora do disco Ana Frango Elétrico. Formada pela própria Sophia, vocalista, guitarrista e frontwoman do quarteto, ao lado de um trio de malucos que se rotulava anarcogospel (formada pelos multiinstrumentistas Téo Serson no baixo, Theo Ceccato na bateria e Vicente Tassara nos teclados e guitarra), a banda passeia entre a vanguarda do rock, o pop mais doce e experimentalismos da música brasileira fugindo de clichês ao mesmo tempo em que os utilizam de forma irônica. Todos estão na casa dos vinte e poucos anos e finalmente podem mostrar seu álbum de estreia para o mundo, que eles dissecam faixa a faixa exclusivamente para o Trabalho Sujo, além de antecipar a capa em primeira mão.

Saca só:

“Pop Cabecinha” (Sophia Chablau)
Vicente: “‘Pop Cabecinha’ foi a primeira música que arranjamos juntos, no primeiro dia que sentamos para ensaiar nós quatro. E é, talvez por causa disso, um dos arranjos mais esmerados do disco, com umas convenções bem nerds, bem paulistanas. Acho que essa energia frenética do arranjo, a linha de baixo hiperativa da introdução, os bends agudos da guitarra que pontuam a música em vários momentos, e a bateria super cheia do Theo casam muito bem com a letra da Sophia, que também comunica uma agitação neurótica irresistível. Em certo sentido, o nome diz tudo: pop cabecinha. Com toda essa pulsação elétrica que transborda a música, preferimos não mexer muito nela no estúdio, não fazer quase nenhum overdub – fora umas dobras de guitarra – que pudesse diluir sua intensidade. Com isso, ela acaba sendo uma das mais diretas e imediatas. Ouvindo, dá pra sentir o calor da salinha de gravação na hora que gravamos o take decisivo.”

“Se Você” (Sophia Chablau)
Vicente: “O arranjo de ‘Se Você’ é bem esquisito. A canção é linda, uma daquelas canções que parece ser de amor, mas que, subterraneamente, acaba indo mais longe, e dizendo muito mais, mesmo que falando muito pouco. Tentamos honrar isso no arranjo e na gravação, fazer ela soar estranha, barulhenta, mas inequivocamente bonita. Nisso, acabamos visivelmente tomando inspirações do Velvet Underground, os reis indiscutíveis do pop esquisitamente lindo. Isso transparece no uso de drones: na guitarra, não exatamente tocada, mas percutida, ressoa um acorde maior estático que não muda com o resto da harmonia. Junto com ela, uma viola à la John Cale, tocada pelo Fábio Tagliaferri. Mas há também coisas definitivamente não velvetianas: o privilégio do baixo, que faz um dueto com a voz da Sophia durante o verso. E o final, onde a letra, chegando a um beco sem saída, acha uma válvula de escape numa subida instrumental catártica. Nesse final, usamos e abusamos de recursos de estúdio, produzindo uma textura instrumental densa, onde é difícil distinguir uma coisa da outra: as violas do Fabio, o vocalise da Sophia, o prato do Theo gemendo junto com a guitarra distorcida, e os baixos do Theo e do Arthur Merlino – no baixo acústico – ancorando tudo.”

“Fora do Meu Quarto” (Sophia Chablau e Téo Serson)
Téo: “Essa música tem uma história engraçada. A Sophia tinha composto a harmonia e a primeira parte da letra junto com a leva de músicas que veio a ser o disco, ainda antes de existirmos enquanto banda. Um dia fomos casualmente tomar uma cerveja, acabamos tomando muito mais do que uma, e terminamos na frente de um piano, altamente embriagados, com ela me mostrando a música. Eu amei. Daí não sei que cargas d’água de rompante inspiracional que me deu e saiu o segundo verso, com o eu-lírico feminino mesmo, e a frase de baixo do final. A música tava pronta. Quando decidimos arranjar ela, já enquanto banda, fizemos opções simples e bastante minimalistas no arranjo – queríamos destacar a força da canção – e por isso os instrumentos tocam poucas coisas, bastante rítmicas e repetitivas – tipo o ritmo do coração -, que deixam bastante espaçado e quase vazio o arranjo.
Na hora de gravar, para contrabalancear isso e não deixar a música chata, tivemos a ideia de adicionar elementos muito sutis que entram e saem em cada repetição, como o piano ao fundo, o e-bow e os fraseados de viola de arco. Nos atentamos também bastante ao timbre, pra deixar a música bastante velada, densa e ao mesmo tempo conservar os espaço vazios e o soar nítido de alguns instrumentos. Essa música tem a participação especial de Fabio Tagliaferri na viola de arco e de Arthur Merlino no contrabaixo acústico.”

“Se Eu Fiz pra Você uma Não-canção Eu não Podia” (Téo Serson)
Téo: Essa música era a parte final de uma música muito ruim que eu tinha escrito de brincadeira. A graça toda era a metalinguagem com a canção ruim – por isso ‘não-canção’. Mas a música ruim ficou legada ao esquecimento, enquanto que a última parte dela, por decisão da Sophia, se tornou a vinheta do disco. A gente gravou ela ao vivo usando um fone de ouvido como microfone e um violão sem uma corda parcialmente desafinado. Eu cantei e toquei violão enquanto o pessoal assoviava espalhado pela sala. Daí resultou nesse som orgânico e caseiro, quase escroto, mas por isso mesmo lindo.”

“Deus Lindo” (Sophia Chablau, Theo Cecato e Vicente Tassara)
Theo: “‘Deus Lindo’ por si só na própria ideia da música, no arranjo e na gravação é uma sujeira loucura total. O momento que essa música foi escrita, sentados em uma escada completamente bêbados, faz total sentido com o arranjo porque o guitarrista vai para a bateria e o baterista pra guitarra, isso deixa tudo mais naturalmente bêbado. A gravação e a escolha de timbres vai totalmente para esse lado. A gente gravou tudo ao vivo e todos na mesma sala, com o som no talo pra dar aquela pressão e animada no astral da galera. Tava tão animado que a Ana, o Gui e a Sô disseram que o chão tava tremendo absurdamente na sala de pilotagem do Canoa, que fica em cima do estúdio onde a banda tava tocando. O resultado desse momento aparentemente caótico fica registrado, porque o som vazar em todos os microfones gerou uma sujeira, um peso e essa sensação do ao vivo.”

“Hello” (Sophia Chablau)
Sophia: “Sempre toquei essa música sozinha nos shows, voz e guitarra, e na gravação não foi diferente. Com exceção da participação que dá toda uma sensação gostosa da Ana e do Vicente no coro arranjado pro disco. Ela tem um quê de bossa nova, um quê de Everything but The Girl, mas também pela própria letra e o lugar que ela aparece no disco não deixa de demonstrar uma ironia com a própria bossa nova – e com o nosso jeitinho rock and roll. Guitarra gigante com voz ao vivo e umas dobrinhas.”

“Debaixo do Pano” (Sophia Chablau)
Téo: “Essa foi eleita pra ser o groove do disco. Entendemos isso assim que ouvimos a letra cheia de nuances e malícias da Sô, que exigia que o instrumental estivesse à altura. Começamos pela ideia da linha de baixo. Daí resolvemos a bateria e a guitarra. E foi assim que tocamos ela ao vivo ao longo de 2019, com esse primeiro arranjo cru mesmo. Quando fomos levar ela pro estúdio decidimos que ela precisava de uma incrementada. E essa incrementada veio de dois lados: por um lado do maravilhoso arranjo de sax do João Barisbe – coroado com um solo de tirar o fôlego no final – e o piano do Vicente no refrão, e, por outro, pela produção quente quase pelando da Ana nessa música; com os overdubs de bateria, os timbres fervendo e a voz levemente distorcida. É pra dançar ou pra dançar. Não tem meio termo.”

“Moças e Aeromoças” (Sophia Chablau)
Sophia: “Essa música é inédita no disco, ela tem um arranjo muito maluco com um groove que eu acho muito lindo. O Vicente gravou Rhodes nessa música e teclado, eu gravei guitarra e além de mim tem a incrível guitarrista Lucinha Turnbull solando lindamente com sua guitarra semi-acústica. Essa música no estúdio deu trabalho, provavelmente porque ela ainda nunca tinha sido tocada num show. Ela tem uns noises guitarristicos bem legais que o Vicente e eu gravamos, nem lembro quais pedais usamos. A letra eu compus numa tacada só no apartamento do meu pai. Tudo começou porque achava muito engraçado o hábito de chamar as outras pessoas de ‘moça’ e muito mais engraçado o fato de existirem ‘aero’-‘moças’, daí fiz a música pensando principalmente nesse acréscimo de palavras em cima das outras e como isso alterava completamente a imagem que aparecia na minha cabeça. Tem até referência improvável a The Police.”

“Delícia/Luxúria” (Sophia Chablau)
Theo: “‘Delícia/Luxúria’ é o final da corrida que é esse disco, aquele gás final insano. Primeiramente essa composição lasciva da Sophia já pedia isso, era pra ser, e segundo que pra ficar pegada a gente teve que optar por gravar essa com click. A gente conseguiu evitar até o final pra, de novo, ter essa pegada do ao vivo no disco todo, mas nessa era pra ser. A coisa que torna essa música timbristicamente de outro mundo é esse som estourado comprimido pressão junto com os timbres de teclado, guitarra e baixo, que foi arquitetado e fritado pela Ana, que conseguiu trazer essa vibe eletrônico punk meio suicide mas também pop e improvável.”

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