Digestivo Cultural entrevista Alexandre Matias
Entrevistinha que dei pro Julio na semana passada.
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Alexandre Linhares Matias é, hoje, editor-assistente do “Link”, o caderno de tecnologia e internet do Estadão (também site, rede social e diretório de podcasts). Mas Matias, em matéria de jornalismo, já fez de tudo na vida. Natural de Brasília, debutou no caderno “Diário Pirata” em 1999, “uma espécie de ‘Folhateen’ do Diário do Povo, de Campinas”. E já em 1995, nascia o célebre Trabalho Sujo, como parte do caderno de cultura do mesmo jornal – que, pelos próximos quatro anos, seria redigido, editado e diagramado pelo próprio. Em 2000, o “Sujo” viraria site e, atualmente, é talvez a maior referência jornalística para o circuito musical independente do Brasil.
A partir de abril de 2001, Matias teria uma passagem marcante pela editora Conrad, como editor-executivo, onde, entre outras coisas, seria responsável pela saudosa revista Play, até agosto de 2002, data do fim da publicação (que concide com a sua saída). Em 2002, iniciaria sua colaboração com a gravadora Trama, produzindo originalmente press-releases e, em 2004, exercendo a função de editor-chefe da agência de notícias do ambicioso projeto Trama Universitário. A partir de 2005, Matias participaria, ainda, da ressurreição da antológica revista Bizz, emplacando três capas. Para completar, Matias é, desde fevereiro de 2006, a voz por trás de um dos podcasts mais celebrados da internet brasileira, o Vida Fodona, enquanto organiza o circuito de festas “Gente Bonita” (onde, inclusive, lançou a moda do mashup no Brasil).
Nesta Entrevista, Alexandre Linhares Matias renega rótulo de “multimídia” (“muito anos 80”, justifica) e afirma: “Encaro tudo isso como jornalismo”. Para a sua alta produtividade, tem uma resposta boa: “Lido com o que gosto, por isso faço muito, o tempo todo”. Aqui, Matias ainda conta um pouco dos bastidores da revista Play, que teve um fim precoce (“eu puxava a revista prum lado e o André Forastieri puxava pro outro”), e arremata, referendando a importância daquela publicação: “O ‘Link’ é herdeiro direto da Play”. Sobre a encruzilhada “jornalismo-música”, que se confunde com a sua própria história, tem uma constatação interessante: “Steve Jobs e Bill Gates são, há pelo menos 20 anos, os novos Beatles e Rolling Stones”.
Quanto a suas atividades 100% internet, Matias caracteriza o Trabalho Sujo como “uma coleção de links pra coisas que eu faço”, e o podcast Vida Fodona avalia da seguinte forma: “As melhores partes do programa, pra mim, são quando eu não sei o que fazer ou falar”. E não tem dúvida sobre o papel da “geração internet” no panorama da mídia atual: “É o novo mainstream”. Afinal, “foi a primeira geração a perceber o potencial de mudança da Rede”. Lamenta, ainda, a indefinição a que chegou o projeto Trama Universitário, fala do prazer que é discotecar nas festas do Gente Bonita e trata, com autoridade, das incertezas que rondam a nova Bizz: “Será que a música ainda é relevante para nós, como foi um dia, a ponto de justificar uma revista?”. Por fim, Matias reconhece que tem, sim, idéias para livros de sua autoria, mas confirma que o grande desafio hoje não é publicar, é vender. – JDB
1. Matias, você sempre me confundiu um pouco – e eu acho isso admirável: você parece que não estava nem aqui nem lá, nem “on” nem off-line, mas, ao mesmo tempo, em todo lugar. Sei que isso é clichê até do Tim Maia (“tudo é tudo e nada é nada”, ele repetia isso no único show a que eu fui), mas me impressiona a sua capacidade de estar, alternadamente, na Folha e no blog, no Estadão e no podcast, na Trama e “na noite” como DJ, na renascida Bizz e na extinta revista Play (que marcou época)… Como é que é isso? Como é se dividir entre tantas coisas? Eu, por exemplo, não consigo… Porque você parece dar o sangue em todos esses projetos, “principais” ou não – o Matias está sempre lá, nas entrelinhas. Vou repetir uma pergunta que já fiz aqui em outra Entrevista: você acha que estamos todos condenados a ser multimídia?
Eu sempre me vi como uma pessoa de comunicação, que leva uma informação de um lado para o outro, une pólos diferentes, faz comparações entre ambientes que, como nossas personalidades, fingem não conhecer uns aos outros. Desde antes de saber escrever eu já fazia isso. Então tudo que eu faço está associado a esse jornalismo na prática, que é mostrar pras pessoas pontos de vistas diferentes e possibilidades que não estão sendo cogitadas. Não importa o que esteja fazendo: escrevendo, falando ou colocando músicas pros outros dançar. Encaro tudo isso como jornalismo – e me sinto numa posição confortável em que eu posso escolher o que fazer, onde e sobre o que escrever. Escolhi isso e lido com o que gosto, por isso faço muito, o tempo todo. Enquanto tem gente que trabalha e pesca pra desanuviar ou vai pro cinema duas vezes por semana, eu desanuvio fazendo isso. O que muita gente encara como “trabalho”, pra mim é um prazer. Toco a vida do jeito que eu quero e sou respeitado pelas pessoas que prezo. E olha que se eu me empenhasse mais, seria pior – quem me conhece, sabe que eu sou “mor preguiçoso” e fico horas sem fazer porra nenhuma. E eu ainda desenho… Vivi três anos da minha vida como ilustrador…
2. Eu ficava olhando você e nunca entendia direito de onde você vinha, só sabia que você estava ali. Mas, agora, fuçando no seu currículo, encontrei várias referências ao Diário do Povo, de Campinas… Você veio de lá? Foi o seu début em jornalismo? (Achava que você era daqui…) Enfim, queria saber um pouco como foi o passo-a-passo desde o Diário do Povo, ou outro jornal local (eu imagino), até a internet, até o mainstream, as principais publicações, afinal, pelo que vi, você publicou em praticamente todas… Qual foi sua escola de jornalismo, Matias? Acha que, de dez anos pra cá (o tempo da sua carreira), outros jornais continuam formando outros “Alexandres Matias”?
Eu sou de Brasília. Fui fazer Ciências Sociais na Unicamp e depois de fazer um jornalzinho no IFCH (chamado O Leopoldo) fui parar no Diário do Povo. Comecei a escrever no “Diário Pirata”, quem me “descobriu” foi a Adriana Villar, que ainda continua lá em Campinas. O “Pirata” era uma espécie de “Folhateen” tablóide, bem massa, mas depois de um ano e meio trabalhando lá, o caderno foi fechado. E foi aí que o Trabalho Sujo começou, em 1995, quando o jornal cortou o caderno mas quis manter algo praquele mesmo público.
3. Vi que você fez carreira também, ou escola (melhor dito), como editor-executivo da Conrad, logo no início dos anos 2000, pós-bolha da internet etc. Dessa época, eu lembro um pouco. Lembro bastante da Play, mas não lembro direito das outras publicações (embora eu tenha resenhado algumas)… Eu lembro que a Play foi importante: em papel, foi talvez a melhor tentativa de transpor a Web brasileira, mensalmente, para o tradicional formato revista; e, na internet, aquelas entrevistas que vocês faziam semanalmente no site (até comigo!) eram referência, mostravam já uma “cena”, dos incipientes blogs e blogueiros, por exemplo… Como foi essa experiência? Eu senti muito o fim da Play, porque, se ela tivesse continuado, a blogosfera brasileira talvez não demorasse cinco anos para ser reconhecida… Você concorda comigo? Outro dia, eu cruzei com uma entrevista daquelas, acho que era a do Inagaki, no Internet Archive… Você nunca mais teve vontade de mapear a internet brasileira daquela forma? Acha que foi um momento – que passou – e agora a Web 2.0 é outro mundo (mais de comunidades do que de pessoas)?
A Play partiu de uma idéia que o André [Forastieri, ex-sócio da Conrad] teve e que eu transformei em outra coisa. Ele queria uma revista que falasse sobre Entretenimento e Tecnologia (“ET” era o nome de trabalho) e eu coloquei o elemento comportamento na equação. Não era só um guia de consumo de produtos mas o que as pessoas podiam fazer com esses produtos. Acontece que, na hora da execução, eu puxava a revista prum lado e o André puxava pro outro. Eu queria um tipo de revista, o Forastieri queria outro e esse embate editorial batia no orçamento e num vício que a equipe de arte da Conrad tinha na época, do excesso de cores, decorrente da revista Herói. Não deu certo porque não tinha como dar certo naquelas condições, mas foi um trabalho que eu curti fazer e cuja essência continuo carregando desde então – não é à toa que fiz a Trama lançar o Cultura Livre do Lawrence Lessig no Brasil e que estou hoje na edição do “Link” do Estadão. Guardo boas lembranças da época da Conrad, conheci pessoas que se tornaram grandes compadres e aprendi um monte sobre assuntos a que nunca tinha dado a atenção devida – desde os temas que orbitavam ao redor da Play à cultura pop japonesa, passando por processos editoriais de revista (bem diferentes dos de jornal) e como tocar uma redação inteira, uma vez que além de editor da Play eu também era editor-executivo de toda produção da casa – e agüentava rojões que vinham de cima (chefes cobrando deadlines, mudando de idéia em cima da hora e reclamando de posturas de alguns repórteres, editores ou diagramadores) e de baixo (reclamações sobre borderôs baixos de revistas, impressora sem toner ou papel, motoboy da gráfica que não chegava na hora). Mas era divertido paca, o clima da redação era quase sempre o de uma sala de aula – no melhor sentido do termo – e foi legal trabalhar com gente que eu cresci lendo, como o André, o Rogério de Campos e alguns que transitavam pela editora, como o Barcinski, o Alex Antunes e o José Júlio do Espírito Santo. E fora que, graças à Conrad, eu moro na Aclimação, que eu adoro.
4. Então eu emendo com o “Link”. Na minha cabeça, às vezes parece que você fez uma volta a 2001-2002, como atual editor-assistente do caderno de tecnologia do Estadão. Eu, uma vez, no meio de uma bravata, sugeri ao Daniel Piza (editor-executivo do jornal) que eles abandonassem aquele velho caderno de “Informática” de antes e que criassem um caderno de internet – e que eu (a bravata era essa) me dispunha a editar. Nem lembro quando foi isso; teria de pesquisar nos e-mails… Enfim, eu pensei muito na Play quando abri o primeiro “Link” pra ler. Qual é a sua expectativa para esse trabalho? E como já está sendo – porque parece que você pegou o bonde andando, com a saída do Guilherme “Discofonia” Werneck… Conta aí. Eu acho, por exemplo, engraçado você no podcast do “Link”, como “Barba”, sendo que o Vida Fodona, na minha visão, sempre foi o extremo oposto…
Conceitualmente, os podcasts são opostos, no do “Link” eu até escrevo o texto antes de gravar, enquanto o Vida Fodona é total ad lib… Mas você tem razão, o “Link” é herdeiro direto da Play, no sentido em que ambas publicações não são técnicas e voltadas para pessoas que já são do meio e sim voltadas para o que as pessoas fazem com tecnologia e eletrônica. Um caderno de informática tradicional é mais ou menos como uma revista de música voltada para instrumentistas – tem o seu lugar, é preciso que exista e sempre vai ter público, mas tende ao técnico e à linguagem empresarial. O “Link” mira no que as pessoas estão fazendo uma vez que a transição do industrial pro digital é irreversível. Pessoalmente acho o tema mais interessante e que interessa a mais pessoas – fora que tem aquela corrente que acredita que a tecnologia é o novo rock’n’roll, no sentido de ser o que as pessoas hoje em dia querem saber e gostam de fazer. Steve Jobs e Bill Gates são os novos Beatles e Rolling Stones há pelo menos vinte anos – e a massa de fãs dos Beatles e dos Stones não queria saber sobre instrumentos, arranjos e técnicas de produção, e sim de discos, músicas e da vida dos caras. É esse corte editorial que o “Link” já adota e esse foi um dos motivos pra eu ter voltado à rotina de redação, que é estressante e tal, mas é aquele papo “jornalismo-cachaça”. É ruim, mas é bom. Fora que o caderno é semanal, então é muito sussa no dia-a-dia. Teremos novidades em breve, mas “vamo pianinho”, pra não criar expectativa – porque expectativa quase sempre gera frustração. E esse papo de “Barba” é coisa do Fabião [Lima], eu não uso barba sempre, faço sempre uma vez por mês.
5. Queria que você falasse um pouco dos seus projetos 100% internet, o blog Trabalho Sujo e o jovial podcast Vida Fodona… É a minha impressão ou eles começaram se fortalecer nessa sua fase mais de freelancer, a partir de 2002, com a saída da Conrad? A mim me pareceu que você quis marcar mais presença na internet, depois de se desligar dos empregos formais na imprensa e em editoras de papel, e conseguiu. Pouca coisa passou despercebida, em música, pelo Trabalho Sujo. Eu confesso que não era um leitor assíduo, de entrar direto no blog, mas volta e meia um link da blogosfera me levava até você. E o Vida Fodona é, para mim, um dos nossos “Melhores Podcasts”! Tem bem aquela sua característica, de que eu falei antes, de dar o sangue, de mergulhar de cabeça etc. São quase uma centena de programas, não? Fale dessas duas experiências e conte, para os seus fãs, se você, agora, vai se ausentar muito dessas duas ocupações…
O Trabalho Sujo era uma coluna semanal sobre música que eu mantinha no Diário do Povo em Campinas desde 1995. Começou como a contracapa do caderno de cultura de segunda-feira, pulou para o de sábado e foi para o meio do caderno de domingo. Eu fiz a página sozinho por quatro anos – pautava, redigia, diagramava. Tive algumas participações especiais e alguns colaboradores mais fixos que, na verdade, eram dois dos meus melhores amigos no jornal – o ilustrador Roni (que me ajudava a redesenhar o logo do Sujo toda edição) e o fotógrafo Serjão (Sérgio Carvalho, com quem fui dupla na cobertura de mais de uma centena de shows, de muquifos a estádios). Em 1999, fui chamado pelo concorrente do Diário, o Correio Popular, para editar seu caderno de cultura [“Caderno C”] – e em vez de levar o Sujo para o novo caderno, levei a vibe dele pra nova linha editorial. E fazia com os outros assuntos além da música pop o que eu já fazia no Sujo: tinha o olhar local e global ao mesmo tempo, sempre colidindo esses extremos e relativizando hierarquias pré-estabelecidas e muito espaço pra escrever, porque jornal é pra ser lido. A equipe era ótima e o meu espaço dominical, que antes era o Sujo, passou a ser chamado de “Termômetro”, em que eu resenhava um disco por semana. O nome era outro, mas era ainda o Trabalho Sujo. Quando fui para a Conrad no começo de 2001, levei o Sujo para o Geocities e então ele se tornou um saite. Mas até aí eu já tava contaminado pelo espírito do “Caderno C” e da Play. Então ambos os assuntos inevitavelmente foram parar neste Sujo on-line. Hoje, apesar de ainda ter música como principal foco, o Sujo é muito mais uma coleção de links pra coisas que eu faço – desde frilas, festas, participações em debates, traduções ou entrevistas – até coisas que eu gosto de compartilhar com os outros. Quem é mais próximo de mim sabe que o Sujo é um mais do que o reflexo do que eu faço, e sim a central das minhas atividades e um dos veículos de que eu tomo conta. Na ponta do lápis, o que eu faço da vida é editar o Trabalho Sujo. Todo o resto tá dentro desse enorme guarda-chuva.
Já o Vida Fodona mistura alguns elementos: a vontade de apresentar um programa de rádio, treino pra improvisar texto quando não tenho assunto (as melhores partes do programa, pra mim, são quando eu não sei o que fazer ou falar) e uma celebração em áudio sobre fazer o que se gosta. O slogan “Jornalismo Oral” é irônico, porque não tem nada de jornalístico em termos de conteúdo, embora o corte musical tenha um elemento crucial no jornalismo cultural: a crítica. E a crítica é o meu gosto e as pessoas têm de se acostumar com isso – o zé-mané que escuta discos todo dia e é pago pra escrever sobre eles é tão zé-mané quanto você. A opinião dele vale tanto quanto a sua – e quanto a minha. Então deixa essa reclamação, esse chororô, pra lá. Tem um monte de gente que vive reclamando e falando mal do que os outros fazem – e, nesse meio-tempo, não faz nada que preste. Tem gente que é assim por falha de caráter, mas a maioria é porque vive soterrado por retalhos de uma realidade que não tem nada a ver com a sua e não consegue ver como é fácil fugir de uma rotina cujos assuntos são aqueles de elevador – governo, clima, trabalho. Eu tento abrir uma janela pra esses caras com o VF. Quero que eles pensem que eu estou largado em casa sem fazer porra nenhuma e ouvindo uma sonzeira – que é o que normalmente faço; só não gravo na beira da piscina porque o wi-fi não chega lá – e pensem: “Se esse cara tá fazendo isso, eu também posso fazer”. E é tão legal fazer… Já o “jovial” é cortesia tua.
6. Queria que você falasse, também, mais diretamente sobre a blogosfera e a “podosfera” brasileiras. Você tem tempo de acompanhar essa turma? Como viu, por exemplo, a chegada dos jornalistas profissionais, como “blogueiros profissionais” (ou quase), na blogosfera brasileira? (Considerando que você antecipou essa tendência em alguns anos…) A imprensa-impressa está certa em flertar com os blogs ou os jornalistas ainda olham, em geral, com desdém para a atividade e blogam de má-vontade (mais por obrigação)? E a “podcastosfera”? O Ecad já veio te encher a paciência por causa das músicas que você toca no Vida Fodona? É chute meu ou uma das suas inspirações foi o É batata do Fred Leal? Como você vê esses “conglomerados” (ou portais) de podcasts – alguns com objetivos bem comerciais? É por aí? E a mídia, de novo? Não acha que são muito tímidas, ainda, as aproximações entre rádio e podcast no Brasil?
Essa turma é a nossa turma, né? Tamos nessa há uns cinco, dez anos. E não blogueiros ou podcasters, mas gente que faz saite, bandas, DJs e produtores de eventos que usam a internet pra divulgar seus trabalhos, gente que faz vídeo, livros e programas de rádio. Uma galera que em sua maioria nasceu nos anos 70 e que está conseguindo realizar alguns de seus sonhos graças à internet. Eu brinco com isso, meio sério também, é o Novo Mainstream. Presta atenção: as pessoas que lidam com cultura no Brasil são as mesmas há trinta, quarenta anos. Estamos, nesse momento, assistindo à geração de filhos destes caras a meter os pés pelas mãos e a fazer cagada atrás de cagada. Uma galera que, em sua maioria, faz a cultura e o entretenimento brasileiro ser chato e repetitivo. Ao mesmo tempo, o povo que está chegando nos 40, 50 anos hoje – quem apareceu nos anos 80 – está passando por um processo de transformação num certo tipo de establishment semelhante ao que aconteceu com a geração Chico & Caetano, do final dos anos 60. E na paralela dessas duas safras, está o nosso povo – que é a primeira geração a fazer algo na internet e perceber o potencial de mudança da Rede. Mas ainda pensamos pequeno, né? Ainda estamos confortáveis com um blog aqui, um festival acolá, um frilinha pra alguma multinacional. Só que a cada ano que passa, essa geração sobe um degrau na importância em seus nichos e isso vai inevitavelmente virar o balde. O que vai acontecer, sabe lá Deus, mas a verdadeira mudança começa por aí. Portais de podcasts e coletivos de blogs ainda são a fase 2 dessa história. Do mesmo jeito que esse senso gregário atraiu pessoas pra um mesmo meio, isso fará com que diferentes manifestações comecem a convergir. E é aí que as coisas realmente vão fazer sentido. Tem a ver com aquilo que eu falei no começo sobre mim, de fundir diferentes personalidades. Essa mudança é perceptível a ponto dos blogs tornarem-se referência obrigatória pros principais veículos de comunicação do Brasil. O fenômeno blog já era forte no Brasil na virada do milênio (a capa da Play número 6 seria um ranking de personalidades da blogosfera brasileira – nem tinha esse nome horrível ainda –, mas eu fui mandado embora antes de começar a mexer nessa edição) e o fato de boa parte das pessoas que antes navegavam na internet terem lido algum blog foi algo que facilitou a entrada desse tipo de blog corporativo no mercado. No entanto, há uma separação entre jornalismo independente e jornalismo-blog, assuntos que se misturam sempre que essa discussão vem à tona, e essa pauta ainda não começou a ser discutida. Mas do mesmo jeito que as bandas independentes crescem aos poucos, este tipo de jornalismo (que tem outros rótulos, como jornalismo colaborativo ou jornalismo cidadão) também começa a aparecer. Mas é algo diferente de blog, é bom frisar. E, sim, o Fred foi uma inspiração pro Vida Fodona (exatamente do mesmo jeito que eu disse que gostaria de servir de exemplo pros outros). Na hora em que eu ouvi o Fred se divertindo fazendo um podcast, nem pensei duas vezes.
7. Quando te conheci pessoalmente, tinha acabado de conversar com a Juliana Nolasco e fiquei bastante impressionado com o projeto Trama Universitário (TU), em que você estava diretamente envolvido, comandando a agência de notícias… Lembro que a gente discutiu muito uma vez, por e-mail, sobre a Trama e seu papel, no tempo em que as gravadoras estavam desaparecendo… Me conta como foi sua experiência lá dentro. Como é que você avalia as atividades da Trama (se é que você se sente à vontade para fazer isso)? Eu penso que a gravadora impressionou muito, no começo, pelo seu poder de fogo, mas não acho que seu cast fosse muito forte e, como todo mundo, acabou batendo de frente com a crise do CD… Depois, achei o Trama Virtual brilhante – mas, passado o boom inicial, não sei mais a quantas anda… E o “TU”, a idéia do circuito college me parecia ótima… Continua viva? Como você vê tudo isso?
A experiência de trabalhar na Trama foi ótima, estar dentro de uma gravadora – mesmo uma tão incomum como essa – no momento em que essas transformações de formato estão chacoalhando o mercado da música foi muito educativo e revelador. Mas a experiência no Trama Universitário foi meio frustrante, porque a idéia que tínhamos era de criar – ou pelo menos dar um empurrão – num circuito universitário que já existiu no Brasil, na época da Ditadura, mas que agora é simplesmente ignorado. Começamos fazendo shows com artistas da Trama dentro de universidades mas logo estávamos fazendo shows com artistas que não eram só da gravadora em lugares que juntavam estudantes de diferentes universidades. Sempre de graça, com um mesmo artista passando por pelo menos seis cidades diferentes. Fizemos isso com Mundo Livre S/A, Los Hermanos, Nação Zumbi, Mombojó, Cansei de Ser Sexy, Cordel do Fogo Encantado, Tom Zé, Otto e Rappin’ Hood como artistas principais, mas, no meio disso, colocamos artistas de menor proporção – shows com Frank Jorge, Jumbo Elektro, Curumin, Walverdes, Grenade, Pipodélica, Wonkavision, Bad Folks e outros nomes da cena indie brasileira. A idéia era, no segundo ano do projeto, tirar os artistas maiores e fazer shows com artistas de médio porte, uma vez que o público estava indo pelo Trama Universitário, independente da atração. Queríamos fazer turnês com Cidadão Instigado, Hurtmold, Domenico, Kassin & Moreno, Instituto, Z’África Brasil, etc. e daí, efetivamente, estaríamos instigando um circuito (afinal, é mais próximo da realidade de um centro acadêmico, que traz uma banda desse porte e, não, um artista maior). Mas os patrocinadores do projeto achavam as bandas desconhecidas, reclamavam que o público não era o que eles queriam e exigiram que déssemos vôos mais “ousados” – daí fizemos Seu Jorge, Marcelo D2, Maria Rita e Paralamas. Artistas mais caros, que exigem casas maiores, fizeram com que saíssemos de algumas cidades e diminuíssemos a quantidade de shows. Foi o começo do fim. Daí o projeto perdeu o pique, ficou esparsado, não rendeu os resultados que eles queriam (que, no formato original, cresciam naturalmente a cada mês). Frustrante. Eu tinha – e tenho – uma relação ótima com a Juliana, o projeto original do TU era meio menina dos olhos de toda a equipe e quando tivemos que deformá-lo, ele naturalmente se perdeu. Não conseguiu renovar os patrocínios nem atrair novos, nem sei se existe ainda. O site tava parado há mais de mês… O Trama Virtual segue firme lá, a equipe é ótima e acabaram de implementar melhorias pra deixar o site com cara de rede social – é possível criar um perfil de usuário e linká-lo com outras bandas, por exemplo –, que era algo que desde quando eu entrei na Trama se prometia para o site. Mas eles também dependem de patrocínio. A gravadora diminuiu muito o volume de lançamentos nestes anos e não sei até quando eles ainda vão vender disco, algo que até perguntei pro André [Szajman, dono da Trama] em tom de provocação quando tava lá. Quanto ao futuro da Trama, ano que vem ela completa dez anos, acho que vai ser possível ver os novos rumos a partir do que pode ser comemorado nessa data.
8. Por falar em jovens, como está indo o projeto Gente Bonita? Qualquer dia eu vou a uma festa ver você discotecando… Através do seu podcast, você foi um dos caras que me apresentou, por exemplo, o mashup. Como andam suas experiências nessa área? Continua fazendo? Eu imaginei que o mashup fosse “pegar” com esse disco Love dos Beatles – mas não pegou, nem sei se foi compreendido ou sequer ouvido… Particularmente, não gostei muito dos mashups do filho do George Martin, mas enfim… Esse é um dos caminhos para a música? Sendo DJ ou quase – ou praticamente – músico, como você enxerga o atual momento? A gente vai lembrar, com nostalgia, do tempo em que a música dava lucro? E a briga direitos autorais & DRM versus compartilhamento de arquivos & iTunes, algum palpite sobre o desfecho? A gente, aqui nesta seção, vive dando “conselhos” para jovens jornalistas/escritores, o que você diria para jovens músicos que estão lendo esta Entrevista? Há esperança?
Discoteco desde moleque, eu era o cara que levava fitas pras festinhas e tal. Tinha um programa de rádio na Rádio Muda da Unicamp só de música negra – Aribazão, Só Som de Negão – que eu fazia com o Cris Albuquerque, um dos meus melhores amigos, e que naturalmente gerava discotecagens. O Cris depois montou a infame Festa Black em Barão Geraldo e eu discotecava com o Roni, o Serjão e o William Break (outro compadre da época do Diário) em festas memoráveis no Delta, em Campinas. Festas que deram origem ao programa Beatbox, que apresentei com o Serjão e o Fred Jorge, na Rádio Cultura da cidade por um ano. O que eu quero dizer com isso é que discotecar e fazer um programa de rádio têm a mesma origem e natureza, são coisas que se misturam e se conversam. Depois que mudei para São Paulo – em 2001 – comecei a pedir (e depois a ser chamado) pra tocar em festas de amigos e noites em que eu gostava de sair, até que, em 2006, eu fiz uma festa de aniversário com o Ramiro, editor do Radiola Urbana, que nasceu exatamente no mesmo dia em que eu e deu origem à primeira festa que eu fiz de verdade, o Baile R.U.T.S. (Radiola Urbana/Trabalho Sujo). Já conhecia mashup desde o tempo em que ele se chamava bastard pop, mas tanto eu quanto o Luciano – que também tem essa qualidade de ser de Brasília e conheço há pelo menos uns oito anos, mas nunca tinha feito nada junto com ele – começamos a descobrir que existe uma verdadeira fonte de mashup se desenvolvendo longe dos olhos da mídia. E era um fio da meada, quanto mais a gente puxava, mais mashups vinham. E essa cultura tem um elemento legal que é, mais do que juntar duas músicas diferentes, juntar duas realidades diferentes numa mesma música, o que tem a ver com o que eu falei sobre a minha personalidade no começo da entrevista e sobre a minha geração quando você perguntou sobre a blogosfera. E mais do que isso: quanto mais você conhece músicas, mais você se diverte com os mashups. Fora que são fáceis de fazer, então ainda tem o elemento “faça-você-mesmo” do punk em maior escala, porque não exige que você saiba tocar nada. A partir disso, bolamos o conceito da festa que, apesar de se vender como uma festa de mashup, é uma festa sobre se divertir e gostar de se divertir. Não tocamos só mashup – usamos o gênero como desculpa pra tocar rock alternativo, soul music, funk carioca, hip-hop, electro, rock clássico, pop atual, indie rock, samba, tecno e hits de rádio numa mesma festa. E as pessoas estão entendendo esse espírito da festa e se divertindo cada vez mais, a festa é uma grande celebração do fato de você poder se divertir à noite, sem ficar fazendo cara de “eu conheço essa música que ninguém mais conhece” ou ouvindo o mesmo tipo de som a noite inteira. Pra São Paulo, terra do carão, isso é um feito e tanto. Fora o elemento “revival do heterossexualismo”, que pega forte nas festas. Mas o mashup, costumo dizer pra provocar os puristas, nem começou. E espera os mashups de sites começarem a se tornar populares e as pessoas perceberem que elas mesmas podem fazer os mashups que quiserem, seja fundindo temas de seriados, recriando cenas de filmes em jogos eletrônicos ou casando o Flickr com o Google Earth.
9. Você, ainda no Vida Fodona, volta e meia fala do final dos anos 70, época em que você nasceu, e dos anos 80 em geral, inclusive com algumas teses sobre… Nesse sentido, como foi participar da nova encarnação da Bizz? Quando a revista estava no auge, você era bem jovem, mas e agora – ficou emocionado em emplacar capas nessa publicação que já foi antológica? Na época da Zero, que em poucos números se extinguiu, o André Forastieri me falou que todo mundo que leu a Bizz, quando pôde, fez sua própria versão – e que a Zero era só mais uma… Na realidade, muita gente apostava – imagino que a própria Abril – que a verdadeira Bizz, quando voltasse, iria tomar de assalto, de novo, o jornalismo musical. Mas isso não aconteceu… O que houve? A meu ver, sempre considerei impossível – mas queria ouvir de você… A internet acabou, de vez, com as perspectivas para o mercado de revistas – pelo menos, em matéria de jornalismo musical? Os jovens não são mais “como os nossos pais”? “O futuro não é mais como era antigamente”?
Claro que sim. Ter o meu nome assinando a capa de três edições com temas que me são caros (Stones, Lennon e música digital) foi de enorme satisfação pessoal – acho que poucas pessoas que cresceram lendo a revista não queriam ter o prazer e a responsabilidade de assinar matérias na nova fase da revista. Mas o mercado de revistas está passando por uma transformação fudida e é questão de tempo para que editoras comecem a sentir o mesmo que as gravadoras já sentiram e o que estúdios de Hollywood e emissoras de TV estão sentindo agora: o impacto da internet. Por isso, a revista não tem mais tanto apelo como já teve um dia. Concordo com a declaração do André e num certo sentido, a Play foi a “minha Bizz”. Até a própria nova encarnação da Bizz teve esse gostinho anteriormente, quando o Ricardo Alexandre, o Emerson Gasperin e o Marcelo Ferla – grandes amigos – fizeram a Frente, que durou menos números do que a Zero. Foi a experiência na Frente que fez o Ricardo se aproximar da Abril e lentamente ressuscitar a Bizz – primeiro em séries especiais, depois em revistas com DVD e finalmente com a revista na banca, todo mês. Ele tirou a revista do nada, quando ninguém mais acreditava que ela fosse voltar. Mas o desempenho em bancas não convenceu a Abril, que tem uma estrutura muito grande pra uma revista de baixo impacto, e nesse exato momento a revista anda meio sem futuro definido. O próprio Ricardo foi mandado embora – aliás, valeria uma entrevista com ele sobre essa história, hein? – e ninguém sabe se o título continua, se muda o formato, se vira só site. A questão é: será que música ainda é relevante como foi um dia para nós? Será que a relação das pessoas com a música mudou a ponto de uma revista sobre o assunto continuar a fazer sentido?
10. Lembrando do Renato Russo, e misturando com sua veia ensaística, quando vamos ver um livro do Alexandre Matias? Imagino que você já tenha alguns temas na cabeça… Podemos imaginar vários mergulhos na música pop ou simplesmente popular? Ou será que você prefere um tema único, para se aprofundar – de repente, uma biografia? Dos jornalistas musicais que eu acompanho, você é um dos poucos que ainda não publicou… Por quê? Falta de tempo? Outro foco (que não o livro)? Falta de convites? Agora, de certa forma, você volta para a internet (no fundo, de onde nunca saiu…), mas sinto que o pesquisador musical está impresso no seu DNA… É só sentar e escrever? Como é que é? Tirar férias e escrever? Você tem vontade? No seu ponto de vista, ainda é tempo de publicar em livro (e em papel)?
Livro na cabeça é o que não falta, mas tou esperando a hora certa. A resposta é a falta de tempo e a indefinição por onde começar. Um livro sobre música? Um livro de contos? Crítica ou pesquisa musical? Transformações da era digital? Um romance? Um livro de auto-ajuda? Uma coletânea de resenhas? De entrevistas? Uma biografia? Todas essas idéias estão fermentando na cabeça há mais de dez anos, cada uma delas com cinco ou seis desdobramentos possíveis. Mas ainda estão na pasta de rascunhos, não quero colocar o carro na frente dos bois e nem lançar um livro só pra dizer que eu lancei. Mesmo porque um dos desafios seria fazer um livro pra vender – muito. Publicar é muito fácil, queria ver se conseguia publicar e vender. Essa é a meta. Mas espera. Cada coisa em seu tempo.