David Lynch, mestre picareta

, por Alexandre Matias

Aproveitando a deixa, aproveito para falar rapidamente de Lynch, um diretor que me desperta sentimentos dúbios. Nem chego perto de questionar seu valor cinematográfico – tanto técnica quanto esteticamente o cara é um mestre, isso sem contar a forma como ele está abraçando o cinema digital, que talvez seja o principal movimento de um bastião do cinema atual em abraçar o novo formato. Nem George Lucas – que, cinematograficamente falando, é uma nulidade – é tão empolgado com a mídia e o formato digital quanto David Lynch.

O que me incomoda é que toda sua mitologia, seu universo de estranheza e desconforto, sempre me pareceu uma tremenda ironia com todo o chamado cinema de arte. Uma ironia grosseira, beirando o ridículo, uma grande picaretagem em que, à medida em que ele vai deixando as coisas mais confusas, apenas vai conduzindo o espectador a uma espécie de estado de sonho que não deve ser racionalizado – mas que boa parte dos fãs de Lynch insiste em racionalizar. Não há explicação, não tente entender – mas tentam. E tentam.

Percebo David Lynch como um artista completo, além de apenas um diretor. Um sujeito que transformou-se em sua própria obra de arte – e nisso o sentido de sua filmografia é quase uma paródia do conceito de autoria cinematográfica. Tirando Eraserhead, um trunfo inicial que poucos diretores podem chegar perto, seu início de carreira é um jogo de tentativa e erro que só chega a um consenso no final dos anos 80, quando inventa seu noir-bizarro americano, entre Veludo Azul e Twin Peaks, e começa a curtir uma tensão surrealista misturada com uns Estados Unidos idealizados, à Norman Rockwell, pelos anos 50 imortalizados em áudio e vídeo em comerciais de eletrodomésticos, filmes de Billy Wilder e Alfred Hitchcock e comédias de Cary Grant e Doris Day. É quase uma caricatura, um quadro do Monty Python ou do Saturday Night Live sobre um diretor de cinema americano que acha que pode criar um senso de cinema europeu com as matizes dos EUA.

Mas como personagem de si mesmo, Lynch é impecável. E que cabelo.

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