450 itens do acervo de David Lynch irão a leilão no próximo mês através da casa norte-americana Julien’s Auctions, que já oferece em seu site tudo que irá ser vendido no dia 18 de junho. E não é pouca coisa. Entre itens corriqueiros de seu dia-a-dia, como móveis, eletrodomésticos, livros, discos e outros itens de casa, ainda há joias como sua cadeira de diretor, a claquete que usava nos filmes, roteiros originais de Cidade dos Sonhos, A Estrada Perdida e Twin Peaks (quando ainda chamava-se Northwest Passage), sua versão pessoal em película de seu primeiro filme, Eraserhead, o cenário que compõe o Black Lodge de sua clássica série (incluindo o piso em zigue-zague e as cortinas vermelhas), o megafone que usava ao dirigir, câmeras, microfones, instrumentos musicais, sua máquina de gelo seco, a foto com a explosão da bomba atômica que ficava no escritório de seu personagem na última temporada de Twin Peaks… Enfim, muita coisa. Triste ver todo um legado material desfazer-se na mão de fãs endinheirados, mas não é a primeira vez que algo desse tipo acontece. Tomara que algum fã (ou grupo de fãs) compre vários itens e tente fazer um museu em homenagem ao mestre, algo que tornaria tais itens parte de uma comunidade mais do que do prazer pessoal de poucas pessoas. Se alguém quiser dar algum lance, o link é esse.
Bicho, e o Estação Net de Cinema no Rio de Janeiro que vai passar a primeira temporada de Twin Peaks inteira na telona nessa sexta-feira? Invejei…
A morte súbita de David Lynch de alguma forma já estava marcada depois que um dos principais autores do século 20 foi diagnosticado com complicações pulmonares, que lhe obrigaram a parar de fumar. O fim do hábito que cultivava desde os 8 anos de idade e era tão característico de sua personalidade no ano passado, de alguma forma acelerou o processo de despedida de Lynch, cujos pulmões também sofreram com a fumaça dos recentes incêndios californianos que assolaram o ar da cidade que escolheu para morar, Los Angeles. Um artista surrealista temporão, ele trouxe todo o credo daquela escola do começo do século para o cinema comercial e depois para a TV e convenceu indústria e público que não era preciso explicar-se para fazer sentido. Sua noção de significado e expressão artística passava necessariamente por sua régua lúdica, com a qual brincava com a dúvida, o desconhecido e o onírico em histórias que mexiam com arquétipos básicos da narrativa contemporânea: o detetive, a estrada, a garota perfeita, o anti-herói, o maluco, o executivo, a femme fatale e a garota ao lado, sempre equilibrando-os entre o delicado e o anormal, o nonsense e o sarcástico, o radiante e o sombrio. Mas sua principal obra vai além de clássicos únicos como Veludo Azul, Cidade dos Sonhos, Eraserhead, O Homem Elefante, Coração Selvagem, A Estrada Perdida, História Real, Império dos Sonhos e sua obra-prima, as três temporadas e o filme e os extras do universo Twin Peaks, que era sua versão da Bíblia. Sua maior contribuição é sua própria persona, um artista exigente e afável que misturava arte, trabalho e vida como se estas três partes fossem uma coisa só – e seus melhores alunos sabem que realmente são. Obrigado, mestre.
E era isso mesmo: o anúncio que David Lynch havia programado para fazer no dia 5 de junho foi o novo disco em parceria com a atriz e cantora Chrystabell (que viveu a agente do FBI Tamara “Tammy” Preston na terceira temporada de Twin Peaks e já havia trabalhado com o diretor anos antes) e como previsto, além do anúncio, também surgiu dirigindo o clipe do primeiro single do disco, “Sublime Eternal Love”, que não muda a vida de ninguém, mas conta com aquele clima tenso característico das obras do diretor – além de teclados além-túmulo do eterno Angelo Badalamenti, colaborador frequente de Lynch, que morreu em 2022 (veja o clipe abaixo). Mas não é a única novidade de Lynch: nosso amado diretor está aproveitando o aniversário de 15 de seu David Lynch Interview Project para lançar todos os 120 episódios em alta definição em seu canal do YouTube. Durante 70 dias em 2009, Lynch atravessou os Estados Unidos entrevistando pessoas comuns que encontrava pela estrada, num road movie existencialista dividido em capítulos em que perguntava às pessoas que abordava questões como “você tem algum arrependimento?”, “quando você experimentou a morte pela primeira vez?”, “o que você tem mais orgulho” e “como você gostaria de ser lembrado?”. Veja o trailer deste projeto abaixo:
E ao que tudo indica, o anúncio que David Lynch agendou para este cinco de junho não é de uma obra propriamente sua, já que parece antecipar apenas o novo disco da cantora e atriz Chrysta Bell, produzido pelo próprio Lynch. Cellophane Memories é o sexto disco da cantora norte-americana, que conheceu Lynch em 1998 e só foi colaborar com ele quase dez anos depois, quando o diretor incluiu uma parceria dos dois na trilha sonora de seu Império dos Sonhos. Depois, em 2011, Lynch produziu um disco em parceria com ela (This Train), em que a cantora musicou seus poemas, colaboração que continuou quando ela cantou “Sycamore Trees”, da trilha de Twin Peaks, na abertura de uma mostra australiana em homenagem ao diretor em 2015, chamada David Lynch: Between Two Worlds, e depois no EP Somewhere in the Nowhere, em 2017. Seus discos seguintes foram produzidos por John Parish e Chris Smart, mas a parceria com Lynch continuou quando ele a convidou para participar da terceira temporada de Twin Peaks fazendo o papel da agente do FBI Tamara “Tammy” Preston. O novo disco de Bell, que agora assina Chrystabell, é mais uma parceria com Lynch e será lançado no dia 8 de agosto e um link para o serviço de streaming da Apple na Nova Zelândia acabou entregando que o disco será anunciado nessa quarta-feira, provavelmente com o anúncio do primeiro single, que parecer ser a última faixa do disco, “Sublime Eternal Love”. Além da data de lançamento, também apareceram a capa do disco, o nome das músicas e um link com o áudio do primeiro single, que mantém aquele climão típico das cenas de encerramento de alguns episódios-chave da série. Resta saber se o single terá um clipe e se este será dirigido por Lynch, que prometeu na semana passada que algo que estava vindo para ser visto e ouvido. A capa do disco, o nome das músicas, Bell cantando “Sycamore Trees” e o link para “Sublime Eternal Love” podem ser vistos abaixo:
A revista norte-americana de mercado Production Weekly, fechada para assinantes, anunciou em sua última edição, entre as novidades que soube em relação ao mês de dezembro deste ano, que o grão-mestre David Lynch estaria desenvolvendo uma série pra Netflix, que começaria a ser produzida a partir de maio do ano que vem no Calvert Studios, onde também filmou partes da terceira temporada de Twin Peaks. Wisteria também é referida como Untitled David Lynch Project e aparentemente é uma série com episódios sem relação entre si – e não tem nenhuma relação com Twin Peaks, como o cocriador da série, Mark Frost, fez questão de frisar no Twitter (o que não diminui a expectativa sobre uma possível quarta temporada). No meio do ano, Lynch deu uma entrevista para o site Daily Beast sobre a guinada YouTuber que o diretor deu durante a quarentena e ameaçou, de forma enigmática, que “talvez tenham coisas vindo aí que possam significar que poderei gastar menos tempo com o canal”. Lynch já começou o ano com um pé no serviço de streaming, quando lançou o curta What Did Jack Do?, em que ele mesmo interrogava um macaco.
O mestre bizarro não para de lançar coisas em seu canal no YouTube, agora é a vez de ele mostrar um videoclipe que fez para a faixa-bônus de seu disco de 2011, Crazy Clown Time, “I Have Radio”. E como estamos falando de David Lynch, o clipe é tudo menos convencional: duas figuras balançam os braços enquanto um fundo abstrato em preto e branco pulsa seguindo o beat da música, em que o próprio Lynch sussurra seu título com legendas em japonês – e aí os porcos começam a grunhir…
O canal do Lynch é um barato.
Nosso querido David Lynch segue alimentando seu canal no YouTube e acaba de desenterrar o primeiro episódio da série Rabbits, que produziu em 2002. Um sitcom nonsense de terror, a série tem nove episódios e é estrelada pelos mesmos atores que participam do imortal Cidade dos Sonhos, do ano 2000: Scott Coffey, Laura Elena Harring e Naomi Watts, que dividem uma sala de estar e diálogos que não fazem muito sentido, intermediado por uma claque pré-gravada. A trilha sonora do seriado é do compositor favorito dos filmes de Lynch, Angelo Badalamenti.
Em breve ele deve soltar os outros… Em breve…