Comecei a colaborar com a revista Cultura, distribuída gratuitamente pela Livraria Cultura, escrevendo uma matéria sobre a onipresença do Facebook em nossas vidas, além de assinar a coluna de tecnologia, chamada de Inovação. Eis a matéria sobre a rede de Zuckeberg, cuja íntegra pode ser lida no site da revista.
A era digital fez nascer um novo tipo de oligopólio: o dos dados pessoais. Aproveitando-se da ingenuidade do público e de uma nova legislação norte-americana que permitia a vigilância online após os atentados de 11 de setembro de 2001, novas empresas passaram a oferecer produtos online aparentemente gratuitos – sejam redes sociais, e-mails online, aplicativos de comunicação e de relacionamento, serviços na nuvem e mapas digitalizados – que coletam informações sobre cada passo dado por seus usuários. Ao aceitar os termos de uso destes novos serviços, as pessoas aos poucos foram abrindo mão de sua privacidade e até de sua liberdade, carregando dispositivos de monitoramento online em seus bolsos.
Corporações como Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft começaram a desdobrar suas atividades para além de suas funções originais, aumentando o nível de consentida invasão de privacidade de seus usuários. Conhecendo melhor seus clientes como nenhum outro tipo de empresa na história, eles começaram a vender estas informações em forma de publicidade, personalizando os anúncios de acordo com os hábitos digitais de seus “consumidores” – que são, na realidade, o verdadeiro produto oferecido aos anunciantes pela rede social.
Empresas menores como Twitter, Spotify, Uber e Netflix, entre inúmeras outras, também coletam seus dados para “melhorar seus serviços”, embora todos almejem ter a influência e o tamanho dos dois maiores gigantes digitais: Google e Facebook. Se o primeiro não tem uma grande rede social para conectar as pessoas, é simplesmente dono do maior site de buscas do mundo, do principal serviço de streaming do planeta (o YouTube), do principal sistema operacional para celulares (o Android) e do principal serviço de mapas online do mundo (o Google Maps).
Já o Facebook parece ter uma influência maior do que a simples inteligência artificial bradada pela empresa. Ele bane a nudez (incluindo mães que amamentam), mas não tira do ar cenas violentas, por alegada “liberdade de expressão”. No mesmo inquérito realizado nos EUA, Zuckerberg assegurou que grupos de ódio são proibidos no Facebook, quando qualquer usuário percebe a tendência belicosa por trás de comentários, likes e compartilhamentos.
A crescente polarização ideológica da sociedade no mundo todo parece ter sido reforçada pela distribuição eletrônica de publicações da rede, com a criação de bolhas de interesse que não conversam entre si. Problema que o indiano Chamath Palihapitiya, que chegou a ser vice-presidente de crescimento de usuários da rede entre 2007 e 2011, apontou no fim do ano, em uma palestra na Escola de Negócios de Stanford sobre o vício em redes sociais. Para o ex-diretor da empresa, o Facebook está destruindo o funcionamento da sociedade e rasgando o tecido social ao fazer as pessoas se tornarem compulsivas no uso e na recompensa mental que seu uso traz. Na mesma época, o primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, admitiu em um evento na Filadélfia que a rede foi desenhada para ser viciante: “Só Deus sabe o que estamos fazendo com o cérebro de nossas crianças.”
Todas essas revelações não alteraram significativamente o engajamento de seus usuários, embora um movimento de êxodo digital tenha se intensificado desde então, e o Facebook venha encontrando dificuldades em atrair usuários mais jovens. Obviamente, a opção de abandonar o Facebook é complicada, pois a rede se tornou central em uma série de relações sociais e comerciais – e ainda não encontrou um rival à altura (quadro acima).
O que nos deixa a um clique da tirania, como alertou a professora Melissa K. Scanlan, da Escola de Direito de Vermont, em um artigo no jornal britânico The Guardian: “O uso nefasto de nossos dados pessoais está em toda parte. Se a Cambridge Analytica pode obtê-los, o que impede que um governo também os tenha?” E prosseguiu: “A maior tirania seria a fusão do monopólio corporativo e do poder governamental, criando o estado de vigilância mais invasivo da história.”
Jamais poderíamos imaginar que a distopia do futuro digital que habitamos hoje fosse mais assustadora que a ficção de George Orwell e Aldous Huxley, que cogitaram, respectivamente, o estado de vigilância máxima personificado na figura do Grande Irmão no livro 1984 e o estado de êxtase alienante em Admirável Mundo Novo. O início do século 21 parece ser uma mistura destes dois cenários, em que alimentamos um Grande Irmão digital com nossos êxtases pessoais.
Toda a matéria neste link.