Estudando a cena independente

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Conheci Thiago Galletta na segunda edição do Fora da Casinha deste ano e ele havia acabado de lançar seu livro Cena Musical Paulistana dos Anos 2010, trabalho acadêmico sobre o impacto da internet na cena independente da cidade. Agora ele lança o livro de fato com uma festa na Fatiado Discos, com discotecagem do autor, João Lion e Nicolas Bahia, todos tocando música brasieira (mais informações aqui). Aproveitei o gancho da festa para conversar com o Thiago sobre o assunto de seu livro.

Como surgiu seu interesse pela cena independente brasileira?
Antes de tudo, acho que esse interesse tem a ver com meu contato com essa “cena independente”, como ouvinte, fã, desde uns 20 anos atrás. Um pouco depois, também meu interesse como radialista atuando por mais de uma década em rádios universitárias e comunitárias, o que se intensificou a partir de 2005 quando comecei a atuar como DJ profissional. Talvez a geração de bandas do final dos anos 1990 – época que emergiram festivais independentes importantes como o Juntatribo, Goiânia Noise, Abril Pro Rock entre outros – que incluiu, por exemplo, Planet Hemp e Chico Science e Nação Zumbi – grupos com trajetória inicial importante no meio independente e que em seguida assinaram com majors – tenha sido o último respiro de inovação e vitalidade criativa no universo das grandes gravadoras.
Falando como apreciador de música e DJ, a maior parte da música brasileira que me interessou nos últimos 15 anos tem sido feita fora da estrutura grandes multinacionais do disco. E enquanto pesquisador e sociólogo, a “cena independente” dos últimos anos me interessou muito nesse livro, também como um objeto de investigação excelente pra pensar o impacto das tecnologias digitais sobre a cultura brasileira contemporânea. Além disso, nas minhas pesquisas e leituras sobre a música brasileira, sentia um hiato, uma ausência significativa de obras que se aprofundassem e atribuíssem a devida importância a essa cena que se fortalece nos últimos 15 anos no Brasil, e que ao meu ver – entendo que já é possível dizer – tem uma importância e um papel muito significativos na história da música brasileira gravada desse mais de um século.
Foi e é essa “cena independente” a parcela da produção musical nacional que melhor tem expressado criativa e esteticamente esse novo momento, de acesso digital potencialmente ilimitado à produção musical gravada de todas as épocas e lugares, que se abre com a internet. Esse é um, entre vários outros divisores de água que essa cena expressa, tanto em seus potenciais como em suas contradições e desafios.

Por que resolveu focar na cena de SP em seu livro? O que ela tem de diferente das outras cenas?
Com a diminuição na última década e meia dos espaços disponíveis nas grandes gravadoras para a música de inovação e experimentação – aquela de algum modo mais preocupada com a forma e o conteúdo e menos exclusivamente com o sucesso comercial mais imediato – declinou a importância do Rio de Janeiro, onde se concentravam as majors, pra esse tipo de produção. As novas condições de produção e distribuição musical independente que acompanharam a expansão da internet, e que vem sendo exploradas no Brasil inteiro, encontraram na cidade de São Paulo a possibilidade de algo mais além. No caso, a formação, a partir de um conjunto de condições particulares da cidade – em que se destacam sua condição econômica, equipamentos culturais, nichos específicos de fruição cultura e arte, uma rede de canais de mídias e cobertura especializada em música, entre outros fatores que eu exploro no livro – de um mercado mínimo ou razoavalemente consistente para os artistas independentes com trabalhos autorais.
São Paulo se tornou talvez o principal pólo produtivo – um importante centro criativo – na cena independente brasileira, principalmente na medida em que começou a atrair cada vez mais, ao longo dos anos, músicos migrantes do Brasil inteiro em busca de melhores condições e oportunidades pra seus trabalhos. Uma das principais diferenças dessa cena para a de outras capitais, por exemplo, se refere à possibilidade que se concretizou aí de um número importante de artistas independentes “viverem de música” com trabalhos autorais, o que se refletiu progressivamente num caldo criativo bastante expressivo da cultura musical brasileira de uma forma mais ampla, na última década. Ainda que se mantenham certas dificuldades, precariedades e a batalha mês-a-mês de vários dos artistas com nível razoável de reconhecimento e prestígio nessa cena.

Por que não abordar toda a cena independente brasileira?
Quando comecei a pesquisa em 2010 a intenção era investigar alguns temas em torno produção independente brasileira em geral. Nos anos que se seguiram, São Paulo se tornou um “olho do furação’ cada vez mais expressivo de novos potenciais que a cena brasileira passava a expressar. Conforme cada vez mais artistas e bandas com trajetórias importantes em outros estados passaram a vir pra cidade, e foi se conformando mais claramente essa “cena paulistana” que passamos a conhecer nos primeiros anos da década de 2010, ficou claro pra mim a importância de investigar, registrar e analisar aquele momento de virada de condições que se expressava em São Paulo. Isso permitiu aprofundar questões importantes para além do caso paulistano, de uma maneira que talvez não fosse possível nos mesmos 4 anos de pesquisa a que me dediquei para a escrita desse livro, se quisesse abarcar com o devido detalhamento uma cena nacional são complexa e rica como a brasileira . Por outro lado, considerando esses anos em especial, de algum modo, falar da “cena paulistana” foi pra mim uma boa forma que encontrei de falar sobre o momento “cena independente brasileira” mais ampla. Inclusive, na verdade, o livro aborda ao longo de boa parte de suas páginas o pano de fundo nacional da “produção independente” – o tempo todo situo São Paulo diante do contexto brasileiro independente mais geral.

Qual a principal característica desta cena?
Como disse antes, pensando circuitos e cadeia produtiva, a principal característica dessa cena talvez seja a de expressar um conjunto importante de novos potenciais da produção e circulação musical independente pós-internet e redes sociais online, em condições mais favoráveis do que outras cenas no que se refere à sustentabilidade de trabalhos e à formação de um mercado independente.
Muito relacionado a isso também, a concentração de músicos do Brasil inteiro na cidade e o que isso traz pra criação musical da cena, na vivência urbana específica de São Paulo, é também um elemento central. Poderia falar outros, como o alto nível de interconexão e produção colaborativa entre seus artistas e bandas, o suporte da rede SESC –SP, a criação de “Bahias fantásticas” e “Áfricas fantásticas” em solo paulistano (a música do mundo e do Brasil sendo fundida com o caldo criativo da cultura brasileira reunido na cidade), uma certa “geografia da cena”, com uma rede de casas noturnas e equipamentos culturais importantes reunidos em um certo perímetro territorial da cidade, possibilitando encontro e associações na região de Pinheiros, Vila Madalena, Pompéia, Alto da Lapa, etc…

Qual a principal dificuldade em realizar seu livro?
Talvez a principal dificuldade tenha sido a complexidade, contemporaneidade, constante e acelerada mudança no campo, impactado por mudanças tecnológicas, econômicas e políticas de grande dimensão em muito pouco tempo. São desafios que acredito vão se colocar pra qualquer estudo e obra mais aprofundada que enfoque temas como este. O esforço de mapear, esquadrinhar, filtrar, distinguir importâncias, em um campo relativamente ainda pouco explorado pela bibliografia até então disponível – campo este debatido e tateado em tempo real por artistas, jornalistas e outros profissionais da música – talvez tenha sido outro ponto importante, ao mesmo tempo em que fonte de grande motivação e tesão de levar adiante o projeto.

Há uma lacuna enorme de produção acadêmica no que diz respeito à cultura independente. Você encontrou algum trabalho ou livro que detalha mais este meio em suas pesquisas?
De fato, há mais bibliografia sobre a realidade da produção musical e das cenas independentes fora do Brasil – recomendo, por exemplo, os trabalhos do Andrew Dubber. Por aqui há estudos importantes sobre momentos anteriores do independente, como os sobre a Vanguarda Paulista dos anos 1980 e, mais recentemente, com algumas pesquisas sobre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 – como, por exemplo, as do professor Eduardo Vicente da USP. Talvez a publicação deste livro, Cena Musical Paulistana dos Anos 2010, possa servir de estímulo, incentivo e subsídio para um aprofundamento urgente, necessário e cada vez maior sobre estas cenas, que tem importância vital para a música brasileira na atualidade – e tendo em vista o cenário político recente, mais do que nunca.

Como você define “cena independente” num cenário em que os grandes patrocinadores estão cada vez mais difusos e que não bancam apenas música?
Realmente, a expressão “independente” associado à música ou à produção musical – termo que estamos usando nessa entrevista, que está presente no meu livro e permanece hoje nas falas e textos de artistas, jornalistas, público – é um termo bastante controverso, inclusive historicamente, como mostro no primeiro capítulo do livro. Até que ponto ele se refere mais exclusivamente a um modo de operação técnico e econômico de produção fonográfica independente à estrutura das grandes gravadoras e em que ocasiões ou circunstâncias passa a incluir em si motivações estéticas ou políticas? A apresentadora Roberta Martinelli comentou, em certa ocasião, sobre a forma como a independência dos artistas dessa cena paulistana também acaba supondo “uma dependência enorme de um coletivo de artistas que ‘compra’ tua ideia”. Por outro lado também, a distinção clara, estanque, as fronteiras entre independente e mainstream vem sendo borradas na construção de relações mais horizontais e intrincadas entre esses dois universos, algo que acontece no caso destas empresas e grandes patrocinadores que citou, como a Natura Musical.

Qual o artista-símbolo da cena independente paulistana na sua visão?
O “artista-ícone”, que sempre menciono quando falo do livro pra quem se encontra em outras “bolhas de realidade” e conhece pouco da cena musical fora da grande mídia, é o Criolo – sendo, mesmo ele, por incrível que nos pareça, muitas vezes ainda desconhecido de muita gente. Mas nessa proposta de “artista-símbolo”, citaria talvez o Kiko Dinucci, pelas conexões colaborativas da produção dele, ligando várias pontas diferentes da cena, pelo discurso e atitude política, criativa, estética. Claro que essa “escolha” tem muito de aleatório ou pessoal. A cena é extremamente múltipla, diversa, composta de sub-cenas, que ainda que bastante conectadas e articuladas em suas pontas, teriam cada uma delas seus próprios “artistas-símbolo”.

Elma x Mombojó


O longo desabafo de Bernardo, do Elma, no Facebook (dá para ler aqui, se você ainda não tá no Feice) parecia apenas um ataque em câmera lenta aos “meninos” do Mombojó – que sentindo-se atacados, logo se defenderam (na linha “não fui eu, foi meu eu lírico”, como comentou o Hominis Canidae), mas revela uma série de fragilidades na base da cena independente brasileira, que ainda adula artistas e os trata como “seres especiais”, quando ter banda deveria ser um trabalho como qualquer outro. Vilanizar o Mombojó é fácil (e não tou nem falando do Elma, que, acho, tá com todo direito de ficar puto com a banda mas da repercussão que isso vem tomando), o buraco é bem mais embaixo…

Tim Maia, THC, música independente no Brasil, uma piada e o prêmio Sharp na praia de Copacabana

Que gênio, esse puto. Vi lá no Bruno.

TV Walverdes

O Mini está organizando o canal dos Walverdes no YouTube e desenterrando pérolas como esta, em que eles tocam “Summertime Blues” (Eddie Cochran, eternizada pelo Who) num programa de TV há mais de doze anos…

Legal é o que ele fala no fim do post:

Nós não somos uma banda independente, somos dependentes de uma série de figuras que sempre complementam nossa falta de braços.

Maior orgulho ter um site com esse cara, sério mesmo.

De Leve sobre música independente, rádio e TV


Foto: Joca Vidal

O texto é velho (foi escrito há mais de um ano), mas segue atual. Reproduzo na íntegra:

Antigamente, até o ano 2000 mais ou menos funcionava assim: as gravadoras gravavam quem elas queriam e achavam que faria sucesso, então, faziam a divulgação em rádios e TVs.

Na maioria das vezes fechava-se o pacote. Por exemplo, fechou pacote com a Globo, fechou com TV e seus variados programas com variados públicos; fechou também com suas rádios AM e FM e seus variados públicos, mais seus jornais, suas revistas e seus sites em território nacional. Isso se fechar só com a Globo. Se fizer contrato com mais outras empresas de comunicação que também têm rádios, jornais, revistas e etc, isso se multiplica muito. Não é pouca coisa. E não é barato. É caro. Muito.

Mas depois dos computadores, da grande rede e da pirataria (graças a Deus) o jogo mudou um pouco.

O ministro das telecomunicações continua privilegiando e sendo indicado pelos conglomerados de comunicação e suas rádios e TVs (meios diferentes, mesmos donos) e deputados e senadores são donos, ou como eles preferem eufemizar, são cotistas das afiliadas das grandes redes em seus estados. Pra mim, não muda muito se são donos por inteiro ou cotistas já que ao deputado seu interesse empresarial pode vir 1º em suas escolhas no congresso.

Mas as gravadoras sofreram mais.

Com a pirataria perdeu dinheiro e com a internet perdeu muito de sua influência e credibilidade no meio musical.

Se antes ter um contrato era um sonho quase inalcançável por qualquer músico que se prezasse, hoje o mesmo é quase um pesadelo indesejável pois pode ser uma geladeira de anos para a maioria deles.

E nisso o mercado independente cresceu como nunca e tem hoje seu maior bum. Qualquer um hoje pode botar a boca e mostrar sua arte, o que é muito democrático e bom.

Incrivelmente não se vê a mesma “independência” nas rádios e TVs. O lobby das gravadoras com os meios de comunicação e seus donos ainda é fortíssima e quase – quase? – não se vê artistas independentes nas grandes redes de comunicação.

Na TV, nos programas mais assistidos só se vê os mesmos poucos e privilegiados artistas de gravadoras que ainda têm o seu espaço intocado lá.

As tentativas ainda são muito tímidas. Existe um quadro chamado “Pistolão” no Faustão, mas ainda tem que ser amigo de alguém muito famoso para poder fazer.

Partindo deste princípio, penso que as gravadoras não devem estar assim tão falidas.

Como pode a internet mostrar tantos artistas, bons artistas e ótimas músicas e somente os artistas de gravadoras têm espaço na TV e no rádio?

Claro que a concentração de mídia na mão de poucos donos, a chamada propriedade cruzada (na qual não se pode ser dono de mais de um veículo de mídia, é ou jornal ou TV ou rádio, não pode ter dois juntos ou mais, como normalmente acontece aqui) influi totalmente na disparidade de espaço dado aos artistas contratados pelas grandes empresas que têm poder, dinheiro e influência política e os outros que estão sozinhos e têm tão somente a boa música.

Com essa influência toda, não é de se espantar que nossos políticos não votem e não discutam sobre isso. Para que discutir isso quando você também é dono de canais de rádios e TVs e retransmite o sinal das grandes empresas de comunicação que recebem para manter estes artistas lá? É incoerente pros negócios, não é verdade?

Ah, mas alguém pode dizer que “os negócios” são ilegais e que os deputados não podem ou não poderiam ser donos de canais de rádios e TVs. Sim, isso é verdade. Eles não podeRIAM. Mas são. Até o ministro das comunicações tem a sua rádio (clique aqui para ler sobre).

Dizem que com a rádio digital o número de canais no rádio vai aumentar. Na TV ainda nada. Mas se isso acontecer provavelmente vai aumentar e melhorar muito o mercado independente de música que sobrevive graças a internet e este poderá inclusive sair do meio internet e entrar no meio rádio, muito mais popular e ainda muito mais democrático e poder ganhar as ruas e tocar país afora.

Hoje só se ganha dinheiro fazendo shows, mas fazer shows ainda é muito difícil. Dificilmente alguém contrata um show de alguém que não toca na rádio. Se você não toca na rádio você não existe, não é conhecido e se você não é conhecido porque trazê-lo para fazer show? Que empresário contrata para perder dinheiro?

Com a regulamentação de propriedade cruzada e a abertura do espectro de rádios e TVs a mais empresas e mais diferentes tipos de negócios, podemos ter com isso a abertura à bandas independentes o mercado independente vai de vez conseguir se auto gerir sem somente se auto sobreviver e depender de festivais que não pagam caché mas recebem dinheiro através de patrocinadores que geralmente não é repassado aos artistas. Ou seja, estes não recebem mesmo tocando.

Enquanto isso não acontecer e a regulamentação não for sequer discutida como se não fosse necessária ao país teremos 20 artistas muito famosos fazendo muitos shows e tocando na rádio e ganhando dinheiro com mega-shows lotados em estádios de futebol e publicidade enquanto todo o resto – sabe-se lá o nº de artistas independentes e populares – vão cotinuar na vontade de querer estar fazendo shows e vivendo de música. Sem poder se dedicar aquilo e sem até gerar empregos já que um espetáculo musical gera-se muitos empregos.

Mas nossa política, infelizmente, é outra.

Desestimulamos a criatividade do nosso povo e vetamos que o próprio povo possa decidir sobre o que ele quer ouvir, deixando isso por anos na mão de executivos de gravadoras, que sempre pensaram 1º no lucro das empresas que trabalhavam ou eram donos. E isso continua assim nas TVs e rádios.

Será que isso um dia muda?

Talvez no dia em que regulamentem a propriedade cruzada. Ou talvez no dia que a internet cobrir 95% do território nacional assim como a televisão.

É, esse dia deve vir mais rápido.

Isso se não mudarem as regras da internet.