Três heróis de Minas Gerais

Pude ver neste domingo as apresentações que Flávio Venturini, Lô Borges e Beto Guedes fizeram no Espaço Unimed, quando reuniram-se para reverenciar o legado de meio século do cânone musical mineiros inaugurado pelo clássico disco Clube da Esquina, assinado por Lô e por Milton Nascimento em 1972. O espetáculo A Música de Minas: 50 Anos, contudo, não foi uma apresentação conjunta e os três heróis de Minas Gerais só se reuniram uma vez no palco, no final do show intermediário da noite, quando Lô chamou Flávio e Beto para cantar “Para Lennon e McCartney”. Ao ser dividido em três partes, uma para cada protagonista, o que seria um espetáculo tornou-se um minifestival divdido em três estéticas e atitudes distintas que se esticou por mais de três horas, mas cada um dos shows teve seus momentos de brilho e destaque, cada um à sua maneira. Flávio, que foi do grupo O Terço e depois do 14 Bis, começou a noite com um tom mais jazz anos 80, entre a MPB e a música pop, passando por clássicos como “Espanhola”, “Todo Azul do Mar” e “Nossa Linda Juventude”, além de cantar “Clube da Esquina N°2”, faixa-título do segundo volume do clássico mineiro e ponto de intersecção literal entre sua carreira e a dos outros donos da noite, e “Mais Uma Vez”, que compôs com Renato Russo. Ele dividiu-se entre violão e teclados e ainda alcança os mesmos agudos vocais que atingia em seus tempos áureos. Lô Borges veio em seguida e fez a melhor apresentação da noite, puxando a sonoridade mais para o rock e conquistando o público com seu tradicional jeito solto e informal de se portar no palco, contando causos e falando sobre Coca-Cola enquanto desfilava um repertório imbatível, que além dos clássicos de sua lavra (“Trem Azul”, “Trem de Doido”, “Paisagem na Janela”, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, “Nada Será Como Antes”), ainda estreou uma música nova (‘Tobogã”, faixa do título que lança este mês) e visitou a parceria com Samuel Rosa e Nando Reis eternizada pelo Skank (“Dois Rios”). Beto Guedes, único com a voz idêntica às gravações clássicas, mexeu mais uma vez na estética sonora da noite – ficando entre o jazz e o rock dos anos 70 (com uns timbres de teclados dos anos 80) – e com foco maior em sua carreira solo, visitando “Canção do Novo Mundo”, “Sol de Primavera”, “O Sal da terra”, “Amor de Índio” e sua versão para “Till There Was You”, “Quando te Vi” – e foi o único a apresentar os músicos que o acompanhavam. Foi uma noite um pouco mais longa que o ideal (o show começou 20h30 e terminou quase meia-noite), mas valeu pela reverência a um legado fundamental para a canção brasileira.

Assista abaixo:  

Boogarins mais uma vez no Clube

Se o show dos Boogarins é sempre uma viagem, quando acontece no Centro Cultural São Paulo ganha um gostinho extra – mesmo com o público comportando-se bem, o que não é a regra quando o grupo goiano toca na mítica sala Adoniran Barbosa. Mas a apresentação desta quarta-feira foi mais uma visita do grupo ao universo do Clube da Esquina e os fãs assistiram todos sentadinhos, sem se aglomerar de pé ao redor da banda como é de praxe no local. Isso não tirou a magia da situação, pelo contrário, deu ares de camerata à viagem psicodélica do quarteto à cosmogonia parida a partir do disco clássico de 1972, que não foi tocado na íntegra e sim usado como alicerce para visitar outros momentos clássicos – e outros menos conhecidos – do criado pelos músicos mineiros. Por isso além do disco duplo que deu origem à saga, os goianos visitaram tanto o Via Láctea de Lô Borges quanto o Amor de Índio de Beto Guedes, além de reforçar a paixão do grupo pelo mitológico Beto Guedes/Danilo Caymmi/Novelli/Toninho Horta, gravado pelos quatro em uma única madrugada de 1973, ao visitar as duas músicas compostas pelo não-mineiro do grupo, Danilo (“Ponta Negra” e “Serra do Mar”). Mas é claro que as coisas ficaram sérias de verdade quando voltam-se ao disco original, encerrando a apresentação com a trinca “Trem Azul”, “Nada Será Como Antes” (em que o guitarrista Benke Ferraz ainda contrabandeia “Alter Ego” do Tame Impala) e “Um Girassol na Cor do Seu Cabelo”, fazendo todo mundo sair dali com um sorriso estatelado no rosto.

Assista abaixo:  

Dois pernambucanos em Minas Gerais

Que maravilha esse tributo que os pernambucanos Zé Manoel e Amaro Freitas estão fazendo ao Clube da Esquina e que aconteceu nessa sexta-feira na Casa Natura. Em alguns momentos os dois dividem o piano, mas em grande parte do show os dois conduzem sua veneração a esta sagrada igreja mineira de som cada um em seu plano – um no canto, outro no piano. Zé assume seu lado crooner e canta lindamente quase todo o show, acompanhado do piano forte de Amaro, tornado delicado graças ao disco homenageado. O público acompanhou tudo quase em silêncio, sussurrando os hits mais conhecidos, a não ser quando eram instigados por um dos dois a soltar a voz ou bater palmas (ou quando Amaro sacava o celular no meio do show para filmar o público cantando junto). Uma noite de chorar.

Assista aqui.  

E se a inteligência artificial ampliasse capas de discos brasileiras?

No Twitter, o Jéferfon Menezes publicou o resultado das provocações que fez a um programa de inteligência artificial para que este completasse capas de discos clássicos brasileiros para além de suas fronteiras visuais – e como essa tal de IA viaja…

Veja os outros abaixo:  

A conexão psicodélica Goiás-Minas Gerais

Que maravilha a imersão que os Boogarins fizeram no Clube da Esquina nesta sexa-feira no Sesc Pompeia. Logo que puderam conversar com o público que lotou o teatro, os goianos fizeram questão de frisar que não estavam tocando o disco na íntegra e nem só músicas do clássico mineiro de 1972, mas que visitavam todo o universo musical ao redor daquele álbum, afirmando isso logo após o início do show, quando emendaram “Fé Cega, Faca Amolada” com “Paula e Bebeto”, ambas do disco Minas, que Milton Nascimento lançou em 1975. E assim o disco percorreu as inevitáveis “O Trem Azul”, “Trem de Doido” e “Nada Será Como Antes” (que terminou com um aceno ao Tame Impala) e faixas de discos clássicos de Beto Guedes (a imortal “Amor de Índio”, faixa-título do disco do guitarrista de 1978, cantada pelo baixista Fefel), de Lô Borges (“Vento de Maio”, do soberbo A Via Láctea, de 1979) e até da espetacular joia secreta que é o disco Beto Guedes, Toninho Horta, Danilo Caymmi, Novelli, gravado pelos quatro músicos que o batizam, em 1973. Este último foi contemplado em dois momentos (“Serra do Mar” e “Ponta Negra”, mas faltou “Manoel, O Audaz”) e os dois vocalistas e guitarristas da banda, Dinho Almeida e Benke Ferraz, o reverenciaram como um disco central na formação da banda, citando-o praticamente como um disco dos Boogarins antes da banda existir, traçando a conexão psicodélica entre o Goiás do grupo e a Minas Gerais do Clube. O show ainda contemplou a mesma “Saídas e Bandeiras” que sentenciou esta conexão quando o grupo a tocou ao vivo no encontro com O Terno em junho de 2015 e terminou de forma épica, com a clássica “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, mexendo com corações e mentes de todos os presentes. Foi bonito demais e tem que voltar a acontecer com mais frequência – porque mais do que um show de tributo a um momento histórico da música brasileira, ele expõe as raízes do grupo de uma forma tão natural que torna claro o DNA musical dos goianos.

Assista aqui.  

“O que vocês fariam pra sair desta maré?”

No ano passado fui convidado para participar do livro De Tudo Se Faz Canção – 50 anos do Clube da Esquina que comemorava meio século desta obra ímpar de Milton Nascimento e Lô Borges que colocou no mapa da música brasileira toda uma nova cena e novos temperos musicais que mudaram a cara de nossa música. Concebido e organizado pela Chris Fuscaldo, através de sua editora Garota FM, ao lado de um dos patronos desta cena, o próprio Marcio Borges, letrista do grupo e irmão de Lô. O livro conta esta saga do ponto de vista de seus protagonistas, com depoimentops de Ronaldo Bastos, Beto Guedes, Fernando Brant, Wagner Tiso, Toninho Horta, Alaíde Costa e muitos outros que participaram do disco, além de seus próprios autores, Milton e Lô e um extenso faixa a faixa em que vários pesquisadores, críticos e jornalistas, como Leonardo Lichote, Kamille Viola, Marcelo Costa, Ana Maria Bahiana, Charles Gavin, Carlos Eduardo Lima, Patrícia Palumbo e Ricardo Schott, entre outros, atravessam as clássicas canções deste disco histórico. É nessa seção que faço minha participação, dissecando as duas versões de “Saídas e Bandeiras” e mostrando como a força destas duas pequenas canções atravessou décadas para ressurgir numa apresentação que vi duas bandas contemporâneas em 2015, quando O Terno e os Boogarins celebravam a importância do disco a partir de uma transformação conjunta desta microcanção no bis de seu show conjunto no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, tornando-se um épico de mais de doze minutos com duas baterias, dois baixos e três guitarras. De Tudo Se Faz Canção ainda fala de outros grandes nomes ligados ao disco (como Eumir Deodato, Paulo Moura e o fotógrafo Cafi), cita as comemorações do cinquentenário do disco no ano passado, incluindo a turnê de despedida de Milton Nascimento, e reúne fotos raras com um acabamento gráfico de primeira. O livro pode ser comprado no site da Garota.fm e aproveitei para falar do livro nesta sexta-feira em que os Boogarins tocam na íntegra o Clube da Esquina no teatro do Sesc Pompeia, a partir das 21h. Os ingressos para o show já estão esgotados, mas vai que aparece alguém vendendo algum que sobrou na hora…

1972 na música brasileira – Parte 2

Sigo a série de discos brasileiros lançados há 50 anos que estou fazendo no site da CNN Brasil. Neste sábado meu convite conduz para clássicos de Milton Nascimento e Lô Borges, Módulo 1000, Nara Leão, Chico Buarque e Maria Bethânia, Novos Baianos, Odair José, Joyce e Nelson Angelo. Só pérola!  

Boogarins + O Terno: “Juntar todas as forças”

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O encontro dos Boogarins com O Terno não foi só um dos melhores shows do ano passado como gerou uma versão absurda para um clássico do Clube da Esquina (você já tinha visto quando eu os filmei no ano passado). Agora as duas bandas oficializam a gravação que fizeram em estúdio para a clássica “Saídas e Bandeiras N°1”, um delírio mineiro que aponta um futuro inusitado para as bandas goiana e paulistana.

E não custa lembrar que os Boogarins tocam em São Paulo neste domingo, no Clash, dividindo o palco com outra grande banda psicodélica brasileira, os Supercordas – mais informações aqui.

Vida Fodona #504: Espiral de trabalho

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Tarda mas não falha.

Neil Young + Promise of the Real – “If I Don’t Know”
Tame Impala – “The Less I Know”
Letuce – “Lugar para Dois”
Silva + Lulu Santos + Don L – “Noite”
Unknown Mortal Orchestra – “Ur Life One Night”
Jamie Xx + Romy Madley-Croft – “Loud Places”
Mark Ronson – “I Can’t Lose (Lindstrøm Remix)”
Jungle – “Julia (Soulwax Remix)”
Todd Terje – “Inspector Norse (Pepe Bradock Remix)”
Cidadão Instigado – “Escolher Pra Quê?”
Emicida – “Boa Esperança”
Toro y Moi – “Lilly”
O Terno + Boogarins – “Saídas e Bandeiras No. 2”

Vem aqui.

O Terno e Boogarins tocando Clube da Esquina

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O encontro entre duas das principais bandas da nova psicodelia brasileira encerrou com uma versão arrebatadora para “Saídas e Bandeiras No. 2”, de Milton Nascimento e Lô Borges no mítico Clube da Esquina. Mais um aceno para a influência do Clube, que paira cada vez mais forte sobre a produção musical desta década.

Dá pra ver o show inteiro aí embaixo (depois eu escrevo melhor sobre ele, que ainda teve três inéditas do Boogarins: “Falsa Folha de Rosto”, “6000 Dias” e uma ainda sem título, que eu chamei de “De uma Vez”), mas é que essa versão dessa música do Lô…