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Semana passada, entrevistei o Clay Shirky pela segunda vez (a primeira foi em novembro de 2009, em Nova York), e aproveitei a passagem do pai do conceito de crowdsourcing para perguntar-lhe sobre se o que vem ocorrendo nos países árabes e na Espanha tem a ver com o século digital e quais os desdobramentos desses acontecimentos na política do futuro, a curto prazo. No vídeo abaixo, ele repete pro vídeo o que já tinha falado na entrevista e se aprofunda no assunto a seguir.
“Você não pode ser uma economia moderna se as pessoas não tiverem celulares em seus bolsos”
Clay Shirky explica como as revoluções no Oriente Médio e na Espanha nasceram em nova paisagem de mídia, criada por celulares e redes sociais
Quando entrevistei Clay Shirky pela primeira vez, em novembro de 2009, em Nova York, ele estava começando a ser reconhecido como um dos principais pensadores da cultura digital, graças ao seu Here Comes Everybody (2008, ainda não publicado no Brasil) e terminava a pesquisa que se tornaria seu livro do ano passado, Cognitive Surplus (lançado no Brasil com o título de A Cultura da Participação, leia abaixo). Na época, ele festejava a condição do Brasil como um dos primeiros países a abraçar a cultura digital como regra – e como a natureza coletiva e desregrada do País conversava com o tema principal de seu livro, o crowdsourcing, que permite que multidões produzam algo coletivamente sem que necessariamente se conheçam pessoalmente.
Três anos depois, Shirky visita o País mais uma vez num cenário global bem diferente. Ao mesmo tempo em que o Brasil cresce para se tornar um dos principais agentes políticos do mundo – e sua população cada vez mais submerge no mundo digital graças às redes sociais e celulares –, pipocam pelo planeta levantes e revoltas populares que têm a internet como principal ferramenta. E meu novo papo com ele inevitavelmente girou ao redor destes dois temas.
O que une os acontecimentos recentes nos países árabes e na Espanha em termos do impacto das tecnologias digitais na atual paisagem política?
Bem, se você olhar para Tunísia e Egito já dá para traçar um padrão em que três mudanças só ocorreram graças à nova paisagem de mídia. Um: ela permite que as pessoas sincronizem suas visões de mundo rapidamente. No Egito há o movimento kifaya, que significa “basta”. Nele, emboras várias pessoas divergissem sobre muitos assuntos, todos concordavam que já tinham tido o suficiente de Mubarak. Esse movimento começou em 2004, anos antes do levante de 25 de janeiro deste ano. Foi ele que permitiu que pessoas pudessem perceber que achavam ruim a vida sob aquele governo, que outras pessoas também haviam percebido isso, mas, mais importante, que todo mundo sabia que todos achavam que a vida estava ruim. É quando há essa sincronização. E quando a população está sincronizada, é hora de partir para a ação.
A segunda mudança foi a coordenação, e Egito e Espanha ilustram, que é a habilidade das pessoas se organizarem para fazer um ato contra o governo sem usar qualquer tipo de mídia financiada pelo Estado. É uma mudança formidável e fácil ser percebida.
E a terceira mudança é a documentação, o que para mim é a mais surpreendente. Acontece que, até o Kadafi, até o mais maluco de todos os tiranos no atual cenário político, não gosta de assassinar seus próprios cidadãos à luz do dia. Mesmo quando ele estava sob a maior pressão militar possível, ele ainda fazia seus guarda-costas revistarem todas as pessoas que saíam do país em busca de celulares ou câmeras, pois não queria que nenhuma prova vazasse para fora de suas fronteiras.
Na China, quase ninguém conhece a foto icônica do sujeito parando sozinho os três tanques na Praça da Paz Celestial. O governo conseguiu manter, de forma bem sucedida, aquela imagem fora da consciência pública. Hoje, é quase impossível que haja um massacre daquelas proporções em qualquer lugar do mundo e que ele não seja documentado por câmeras de celular e enviado para o mundo imediatamente ou em poucos dias.
São essas três mudanças – sincronização, coordenação e documentação – que estão em ação em qualquer um desses novos movimentos políticos que vemos ao redor do mundo.
E como essas três mudanças vão mudar a forma de fazer política em um futuro próximo?
O que vemos no Oriente Médio é algo que chamo de “o dilema dos ditadores”: você não pode ser uma economia moderna se as pessoas não tiverem celulares em seus bolsos! E se você dá para todos uma câmera que permite transmitir fotos e vídeos, você também não pode impor um blecaute de comunicações em seu país. Ao desconectar todos os telefones, você também está desconectando toda a atividade econômica. No curto prazo, o que vamos ver é que os governos ditatoriais tendem a se tornar ainda mais ditatoriais.
Mas esse movimento de sincronização também ocorre entre países, não?
Sim, o fato de estes movimentos terem se espalhado pelo mundo faz parecer que há algo no ar. Há manifestantes em Wisconsin, no meio-oeste americano, levantando cartazes com referência a Cairo. Os EUA são conhecidos por não prestarem atenção no resto do mundo, por isso quando um evento que acontece fora de suas fronteiras penetra na consciência dos americanos, isso é uma grande coisa. E aí gente em Wisconsin começa a pensar no Cairo, as pessoas na Espanha começam a se ver como parte de um movimento político transmediterrâneo, que os conecta com os árabes… Surge a possibilidade de esse movimento espalhar-se globalmente, da mesma forma sincronizada que aconteceu em 1968. E, mais uma vez, isso aterroriza os governos da China, de Mianmar e da Coreia do Norte. Eu poderia tentar adivinhar que há dois cenários possíveis: em um há um resultado modestamente positivo para uma dúzia de países no Oriente Médio, e em outro temos a sincronização mundial de fervor antiautoritário, mas eu não faço ideia do que iremos ver.
Outro movimento global que vem acontecendo é o que coloca a natureza livre da internet em jogo, no debate sobre a neutralidade de rede.
O mais curioso é que a maior parte dos negócios se beneficiaria disso, pelo mesmo motivo que se beneficia quando as companhias telefônicas não cobram comissão pelas vendas que são feitas pelo telefone. O mundo dos negócios precisa que os meios de comunicação sejam abertos para que ele funcione – foi assim com os correios e com o sistema telefônico. Só dois tipos de negócio querem destruir a neutralidade de rede: empresas de telecomunicação e de conteúdo.
É bem provável que nós, nos Estados Unidos, percamos a neutralidade de rede pois as empresas de conteúdo conseguem pressionar o Congresso. Mas eu não acho que iremos ver a neutralidade de rede cair no resto do mundo.
Não acho que isso irá acontecer, por exemplo, na Coreia do Sul. Acho que eles reconhecem que sua economia precisa manter-se aberta e se eles forem taxar cada menor negócio e transação de consumo isso não será bom para sua economia. Eu espero que os países que já estão discutindo a questão da neutralidade de rede de forma mais incisiva optem pelo modelo aberto, mas não posso subestimar o fato de que ela pode ser sequestrada por interesses de negócios que se sentem ameaçados por uma nova competição.
Você não acha que a indústria de conteúdo norte-americana já está sendo ameaçada pela produção de conteúdo de outros países? Filmes da Índia, desenhos animados do Japão…
Com certeza. Isso já está acontecendo. E esse momento acontece através do vídeo. Minha filha, por exemplo, foi para uma festa de aniversário em que a diversão eram danças de Bollywood! A ideia de Bollywood já é comum o suficiente na cultura norte-americana para fazer parte de festas de aniversário infantis. Os EUA estão muito acostumados a ser um exportador de indústria cultural e não perceber o que acontece no resto do mundo e acho que isso está mudando. E um dos fatores dessa mudança é o YouTube, que não respeita barreira geográficas. Vamos começar a ver a mesma coisa que aconteceu com a música nos anos 90 – que começou a importar a pureza de artistas tão diferentes quanto Sun Ra ou Buena Vista Social Club ao mesmo tempo em que havia o polo oposto, com a cultura do remix. Acho que vamos ver isso acontecer isso em vídeo. Uma mudança que já dá para notar é que geração de hoje é culturalmente menos insular que a geração de seus pais. Isso mudará a cultura americana, nos tornará mais permeáveis como consumidores e produtores.
Nesse sentido, qual é o papel do Brasil enquanto grande exportador de conteúdo?
Eu acho que vai ser cada vez mais difícil acontecer um novo tipo de imperialismo cultural, como o dos EUA no século 20, que tinha a ver com nossa postura de “líderes do mundo livre” em um ambiente bipolar. Isso tornou muito fácil para a cultura norte-americana se espalhar a ponto de podermos falar em imperialismo cultural.
Mas agora estamos num mundo multipolar, em que instituições não-estatais têm um impacto maior na geografia do que governos. Um mundo em que os indivíduos podem participar mais.
Um dos meus ex-alunos fez um trabalho sobre a cena de funk carioca no Rio de Janeiro e sempre me falava da enorme encruzilhada de remixes e tradições que se misturava nessas músicas. Assim, acho que a posição do Brasil como exportador de cultura é mais a de se tornar um ecossistema mais do a que um simples transmissor, como os EUA do século passado.
E qual é a maior contribuição do Brasil para o mundo nessa paisagem digital?
Vocês podem abraçar a cultura aberta e ser uma economia em crescimento ao mesmo tempo. O que os estúdios de Hollywood, os canais de TV e as gravadoras querem fazer as pessoas acreditarem de forma muito desesperada é que se não houver uma indústria cultural que controle rigidamente esse mercado duas coisas acontecerão: não haverá cultura e isso será ruim para o crescimento econômico. E o que eu acho que o Brasil está mostrando para o resto do mundo é que não só dá para ser uma cultura aberta e uma economia em ascensão como as duas coisas podem ajudar-se entre si.
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Entrevistei o Clay Shirky para a edição desta semana do Link. Se liga:
Foto: Joi
Um dos principais pensadores da era digital acredita que a internet vai mudar ainda mais as pessoas
“O poder de organizar sem organizações”. O subtítulo da principal obra do jornalista e acadêmico Clay Shirky – Here Comes Everybody (ainda não publicado no Brasil) – anuncia não apenas seu tema como explica, em poucas palavras, o conceito de crowdsourcing. O termo junta as expressões “multidão” e “fonte” em inglês para designar a produção coletiva de conhecimento na era digital e é o mote para decifrar o que o autor considera como sendo a principal transformação que estamos vendo hoje: como a cultura humana está às vésperas de uma mudança tão – ou talvez mais – radical do que a da invenção da cultura impressa. Falando sem parar com a clareza de um bom professor, ele conversou com o Link sobre estas mudanças e o papel do Brasil neste cenário.
Como diferenciar a cultura tradicional da cultura da era digital?
Quando terminei de escrever meu livro Here Comes Everybody (Aí vem todo mundo, em inglês), tinha a impressão de que o comportamento determinava aquilo a que chamamos de cultura. Mas “comportamento” pode ser traduzido como motivação filtrada pela oportunidade. O que a cultura digital faz é pegar motivações ancestrais – “quero estar conectado a pessoas de que gosto”, “quero ter mais autoconfiança”, “quero ser autônomo”– e apresentar a elas um monte de novas oportunidades.
Tanto a ascensão da Wikipedia ou da comunidade de software livre oferecem uma oportunidade da criação coletiva. Ninguém está no comando e ninguém tem a garantia de que sua contribuição será aceita, mas em algum lugar entre esses dois polos há uma cultura de compartilhamento, de combinação e de progresso. A pergunta a ser feita é: “Qual valor conseguimos extrair destas oportunidades?” ou “como temos que mudar a cultura para ter vantagem com isso?”.
Dá para comparar as mudanças que vemos hoje com alguma outra mudança histórica?
Sim, com a invenção da cultura impressa, outro período em que o enorme acesso à informação mudou tudo. E quando ela apareceu, havia o temor de que ela centralizaria a cultura. A nova tecnologia permitiria que todos pudessem ter acesso a livros, mas sempre aos mesmos títulos, e a noção de cultura se tornaria mais massiva, ainda mais porque era controlada a pela Igreja Católica. O que aconteceu foi o contrário – e até hoje eu fico impressionado como a Elizabeth Einseinstein fala bem sobre essas mudanças sociais em seu livro A Revolução da Cultura Impressa (Ática, 1998).
Em vez de um mesmo livro ser lido por milhares de pessoas, uma pessoa podia ler milhares de livros. E o choque da diversidade – de formas de pensar e viver – virou o mundo de cabeça para baixo. A internet é uma ferramenta para acessar informação, isso é óbvio, mas é uma ferramenta muito mais importante para conectar uns aos outros. E a variedade de formas de pensar e viver está apenas começando a crescer porque, de repente, a idéia de nicho – você achava que era a única pessoa do mundo que gostava de determinada coisa ou que fazia uma atividade de um jeito diferente – pode ser expressa socialmente. Antes da consolidação da internet assistimos a diferentes movimentos – como a questão ambiental, a luta pelos direitos civis ou os direitos do consumidor – que começaram localizados e se tornaram globais.
Essa mudança poderia acontecer sem a invenção da internet?
Perceba o seguinte: embora a revolução científica não fosse possível sem a invenção da cultura impressa, ela não foi a causa da revolução científica. O que vemos com a internet é a ascensão de uma plataforma que permite o pensamento global numa época de problemas de escala global.
Esse foi o ponto da revolução científica: não foi que os cientistas descobriram que havia a mídia impressa em que eles poderiam publicar suas descobertas, mas o fato de eles perceberem que precisavam de uma cultura em que uns lessem o que os outros estavam fazendo e em que pudessem se desafiar uns aos outros. O foco agora deve ir para essas normas culturais que podem mudar a forma como usamos a internet.
Há algo semelhante à revolução científica em andamento hoje?
A mudança política vai ser a revolução científica desta geração. Precisamos pensar em um conjunto de normas culturais que nos permita lidar com questões que afetam todo o planeta. Não temos isso ainda.
Transformar o mundo inteiro em um só país com um único governo não é a forma correta de lidar com isso, pois é um retrocesso colocar o controle do mundo na mão de um grupo de líderes, mas os modelos que temos hoje também não são apropriados. Temos que pensar em formas de lidar com o engajamento político global.
Algumas das principais transformações hoje são em países em desenvolvimento. Marshall McLuhan dizia que a cultura digital é mais próxima da oral do que da escrita. Você não acha que essa mudança está redefinindo o que é sucesso?
Eu não iria tão longe. Para a maioria das pessoas, o sucesso diz respeito ao impacto que você tem em relação aos outros. Eu posso ser um integrante bem sucedido da minha comunidade a partir do momento em que fiz algo que interesse aos integrantes desta comunidade. Dentro disso, concordo que estamos vendo uma ampla mudança no que chamamos de sucesso, que permite que eu seja recompensado por ser generoso com a minha comunidade e vice-versa. E essa mudança – a habilidade de encontrar grupos ue se importam com as mesmas coisas que você, de forma que você possa ser bem sucedido – vai fazer que a amplitude de formas pelas quais podemos nos conectar uns aos outros aumente ainda mais.
Países menos alfabetizados têm mais facilidade de compreender a cultura digital?
Precisamos que as possibilidades de participação coletiva que vivenciamos principalmente online tornem-se disponíveis não de forma escrita, mas através da voz; não através de computadores, mas de telefones. O telefone é o principal dispositivo de contato para a maior parte do planeta; 4,5 bilhões de pessoas usam o telefone, enquanto outros 3 bilhões usam celulares. Vivemos num mundo em que é muito comum acessar a rede global. O que essas pessoas fazem na internet – se escrevem, leem, tiram fotos ou fazem filmes – é o de menos. A oportunidade e o desafio é como iremos fazer que a motivação social da internet esteja disponível para qualquer um que tenha um telefone – e não só para quem tem computador. E tem coisas que você pode fazer no telefone que não dá para fazer na web – e não estou falando de um iPhone, mas de aparelhos que façam apenas telefonemas e enviem SMS. Acho que é um grande desafio pensar nesses sistemas de organização social.
Você acha que o Brasil é um agente desta mudança?
Claramente. O Brasil é o primeiro país a se alinhar inteiramente a um modelo de compartilhamento como forma de progresso econômico, cultural e social. E isso aparece em diferentes níveis, desde o mais baixo – como a cultura do funk de favela, que pressupõe o compartilhamento em sua essência – até o mais alto, com o presidente Lula dizendo que prefere soluções open source para os problemas do País. Há outros países que estão se desenvolvendo desta forma, mas nenhum outro está tão à frente quanto o Brasil. E é por isso que eu acho que o Brasil é um dos países mais importantes do mundo hoje.
E o resto do mundo percebe isso?
O mundo não percebe isso como um todo, apenas como exemplos que se desenvolvem isolados uns dos outros. Não há a consciência de que essas iniciativas façam parte de um todo, mas que há, de fato, uma cultura brasileira que está sendo desenvolvida ao redor desses modelos. E isso é a coisa mais importante – não só em relação ao País, mas à forma como encaramos cultura digital no planeta.