Alternativizando

Essa é a resenha do Claro q é Rock de São Paulo, que saiu na Bizz da Maria Rita. O pé, no final, não entrou – era pra ser uma ponte entre o meu texto e o do Matias Maxx, que resenhou a edição do Rio.


Foto: maria clara diniz

“É preciso um tumulto adolescente para me tirar da cama”, disse o senhor de 47 anos e quase dois metros de altura ao microfone. À sua frente, milhares de pós-adolescentes extasiados moviam-se em convulsão, numa inconsciente tentativa de ter feito valer a viagem do sujeito ao Brasil, entre a diversão assumida e a eterna gratidão gráfica de nossas platéias. Em menos de cinco minutos, o quase cinqüentão devolveria a gratidão, ao lado de seus quatro colegas, ao conduzir o mesmo público turbulento a um transe coletivo histórico, em que a microfonia, ondas sonoras aleatórias, o ruído branco e o zunido dos amplificadores ofegantes deixam conceitos arcaicos como melodia, harmonia e ritmo para trás, transformando um festival de rock, mais uma vez, em uma celebração ritual em escala de estádio. Olhos grudados no palco, o público parecia cego pela música – como se o movimento dos integrantes do Sonic Youth não fossem visuais, e sim uma constatação táctil das vibrações sonoras emitidas pela banda.

Thurston Moore repetia o mesmo acorde, subindo, lentamente, seu instrumento à altura do peito. Kim Gordon, tomada pela vibração magnética, enfiava o braço de seu baixo perpendicularmente em relação ao amplificador. O novato Jim O’Rourke erguia sua guitarra feito um theremin portátil, tentando capturar espectros sonoros no ar. Steve Shelley rendia seu kit de tambores à abstração elétrica. Lee Ranaldo girava seu instrumento no chão, como a colher de um enorme caldeirão sonoro. Depois de transformar “Teenage Riot” em uma elegia elétrica impressionista, o Sonic Youth atingiu o ápice do festival Claro Que É Rock (e, talvez, da temporada de shows gringos no Brasil em 2005) com uma clássica entrega de vanguarda instintiva para as massas – um rótulo que poderia perpassar não só as bandas daquele sábado, como as responsáveis pelas melhores apresentações ao vivo no país neste ano. Sem canções, sem refrões, sem solos ou citações, resumiram a noite e a geração reunida na Chácara do Jóquei, no dia 26 de novembro, em São Paulo. Todos os epítetos agregados ao agora quinteto nova-iorquino (de “art rock” a “punk”, passando por “college rock”, “guitar”, “rock alternativo” e até o próprio nome do grupo) poderiam ser associados, de alguma forma, ao elenco do festival e à grande maioria do público presente na noite. Modernos, skatistas, dândis, universitários, góticos, nerds, eletrônicos, indies, hippies, pseudo-intelectuais, manos, estudantes de comunicação, clubbers, pessoais normais, pós-punks e pós-Strokes – gente normalmente execrada pelo roqueiro clássico como parte do “sistema” se reunia no mesmo lugar para celebrar apenas aquilo que o Sonic Youth sublinhou por pouco mais de dez minutos que ressoam até agora como umas quatro horas mentais. O barulho.

Era o barulho que unia o rock de vanguarda daquela noite. O soco cabeça de Mike Patton, os tambores em câmera lenta da Nação Zumbi, o technopop bad boy de Trent Reznor, o preparo físico de Iggy Pop, os uníssonos no Flaming Lips – as atrações primavam pelo ruído como vínculo primitivo com a platéia, que devolvia a saudação barulhenta com o mesmo entusiasmo, só que sem amplificação elétrica. O barulho equilibrava-se entre distorções esgoeladas projetadas por caixas de som gigantescas e urros de multidão saídos de pulmões de tamanho médio.

Porque, de resto, os pontos de conexão eram mínimos. De um lado, tínhamos o Fantômas de Patton com o Buzz Osbourne (do Melvins) na guitarra e o Terry Bozzio (que tocou com o Zappa) na bateria, quebrando a cara de quem esperava algum vínculo com o universo pop, enquanto do outro, os Flaming Lips abusavam da gentebonice num show cheio de bichinhos de pelúcia, serpentinas, cover de “Bohemian Rapsody” em versão videokê (letras no telão), mascotes infláveis da Rihappy nos cantos do palco e excesso de fofura. Trent Reznor lembrava uma versão dark do Moby (ou um Depeche Mode pra meninos? Tá, tá, eu admito que acho a banda chata pacas, mas eles fizeram um bom show, pra quem gosta), enquanto Iggy Pop fazia adrenalina e nitroglicerina parecerem uma mesma substância química, incitando o caos, a desordem e a invasão de palco – desafiando o público ao não tocar nenhuma música do disco Raw Power.

E pensar que isso está sendo consumido em larga escala não deixa de causar estranheza. Incontáveis as vezes um Funhouse dos Stooges numa pasta de arquivos de MP3 compartilhados não é o suficiente para você ter certeza sobre o caráter musical de uma pessoa desconhecida do outro lado da internet. Uma estampa de camiseta com a capa do Goo era o suficiente para ter certeza que ela não era uma idiota. Projetos pós-Faith No More do Mike Patton sendo citados em papos no meio de uma festa qualquer só para se ter certeza de que não estava pisando em território arenoso. Isso sem contar quando o Flaming Lips apareceu tocando “She Don’t Use Jelly” num episódio do Barrados no Baile.

Tudo isso era muito interno, específico, num nível quase maçônico. Jogávamos pôquer com óculos de raio X, trocando piscadelas quando tocava R.E.M. ou Smashing Pumpkins na rádio. Neguinho tirava onda por ter vinil do Daydream Nation. Em Brasília, só chegavam TRÊS Melody Maker, na banca do aeroporto (na época, sem carro, era lonjaço), que sumiam em questão de horas. Programas de rádio eram contrabandeados em fitas cassete por terem mostrado, pela primeira vez, Melvins ou Minutemen no Brasil. Só que em algum momento entre a ascensão das siglas WWW e MP3 (que foi paralelo a outro período específico – o da falsa ilusão que um real valia o mesmo que um dólar), o que era um segredo tornou-se público. E milhões de pessoas passaram a baixar, ouvir e ter discos que só tinham ouvido falar, lido ou ouvido trechos em situações adversas.

O que era culto, tornou-se febre. O Nirvana era só o estopim de um fenômeno simples – era hora de consumir todo o mercado que vinha se criando nos bastidores do pop oficial (algo semelhante aconteceu na mesma época com o country e com o hip hop nos EUA – por aqui, foi a vez do sertanejo e do pagode, seguindo o mesmo flow). E quando alguns dos principais bastiões desta geração se encontram num megaevento destas proporções no Brasil, há um lado advogado do diabo em que a consciência fica se beliscando pra ter certeza que aquilo está mesmo acontecendo. Mais do que as noites indie do Tim Festival ou os shows gringos na choperia do Sesc Pompéia, o festival reunia um elenco que era, cinco anos atrás, composto pelas oito bandas que a gente reconhecia na programação de quinhentos shows dos Reading da vida.

Até o Good Charlotte está inserido neste contexto. Mesmo que a faixa etária, a histeria adolescente das meninas e o compromisso de seu público com a banda (que, uniformizada com camisetas do grupo, simplesmente foi embora depois que o show acabou) dêem a impressão que eles não fazem parte do caldo, a camiseta do Misfits e o som sub-Green Day prova que estamos ainda no mesmo universo. “Hold On” é Alanis pra meninos, então tá tudo em casa (não adianta fazer essa cara, eu sei que você gosta de Alanis!).

Afinal de contas, fora roupas e trejeitos, são todos iguais. Todo mundo encontrou outros parecidos, especialmente aqueles de outros estados – broders de listas de discussão, blogueiros, friends do Orkut. Vista-se de preto ou de camisa social, de meia arrastão ou bermudão, maquiagem pesada ou cabelo colorido, o fato é que esse é um dos principais públicos de rock atualmente. Rotule-os como adultescentes, screenagers, indies, jovens adultos ou como outra tribo instantânea, mas é inevitável levar a geração 90 em conta – aquela que se lembra quando ouviu o Nevermind pela primeira vez e quando o Forastieri disse que a salvação do Brasil era uma bala no meio da cabeça da Regina Casé, depois de assisti-la de cocar no primeiro VMA. Claro que é rock – mas rock alternativo, não custa sublinhar. E já se vão mais de dez anos.

***

Até que, no dia seguinte, largado na cama, o telefone toca. É o Matias:
– Fala!, berra meu interlocutor xará.
– Falaê, tranq? Indo pra Cidade do Rock?
– Tou indo pra lá agora, esperando o carro passar aqui. E aí, como foi?
– Foi do caralho, Sonic Youth na veia, mas até aí, eu sou fã. Acho que tu não vai curtir.
– Hehehehe. Mas aí, como tu vai fazer com a matéria?
– Pensei em dar uma teorizada básica sobre rock alternativo e dar uma geral nos shows. Não vai dar pra falar de cada um dos shows, música por música. Um monte de site e de jornal já vai ter esmiuçado tudo até a Bizz chegar na banca. Daí a teoria.
– Podecrer, tava pensando no que eu ia fazer memo…
– Deixa pra pensar na hora. Eu só soube que ia escrever sobre isso quando tava chegando na garagem do meu prédio.
– Boa, vou ver qualé.
– Vai lá, então, moleque. Abraço e bons shows.
– Valeu!

Pequenas epifanias à medida em que o ano embica pro fim

Reciclando um post do meio do ano:

– Um poste no final da ladeira do Paraíso
– Catra + Digital Dubs na Casa da Matriz
– Grenade no Milo e abrindo pra Nação em Curitiba
– Sorvete noturno
– Camilo x Nepal duas vezes, no Fosfobox e na Casa da Matriz
– 15 dias em Floripa
– Quatro parafusos a mais
– Jamie Lidell no Tim Festival
– Catra + Dolores, Nego Moçambique + Gerson King Combo no trio elétrico do Skol Beats
– Batman Begins
– Imersão em Rolling Stones (quatro bios, todos os discos oficiais, filmes, outtakes, raridades)
– Paulo Nápoli na Popcorn
– Disco do primeiro semestre: O Método Tufo de Experiências, do Cidadão Instigado
– DJ Rupture no Vegas
– Tarja Preta 4
– Kings of Convenience no Tim Festival
– Disco de Ouro – Acabou Chorare com Lampirônicos, Baby Consuelo, Luiz Melodia, Rômulo Fróes, Elza Soares e Davi Moraes no Sesc Pompéia – catártico
– Wax Poetic e Vitallic numa mansão em Floripa
– Publicar o Cultura Livre no Brasil
– Damo Suzuki e convidados no Hype
– Baladas gastronômicas
– A mixtape do Nuts
– Quinto Andar e Black Alien no falecido Jive
– Disco do segundo semestre: Futura, Nação Zumbi
– Pipodélica na Creperia
– “Capitão Presença” – Instituto
– Curumin, Jumbo Elektro e KL Jay na Casa das Caldeiras
– Úmero de titânio
– Television no Sesc Pompéia
– Violokê no Chose Inn
– Turbo Trio
– Stuart e Wander Wildner no Drakkar
– Rockstar: depois dos GTA, Beaterator
– Lafayette & Os Tremendões no Teatro Odisséia
– Donnie Darko
– Sandman pela Conrad
– Mylo no Skol Beats
– “The Other Hollywood”
– Weezer em Curitiba
– Buenos Aires
– Comprar livros em Buenos Aires
– Disco de Ouro – Da Lama ao Caos com Orquestra Manguefônica no Sesc Pompéia
– Anthony Bourdain
– Instituto + Z’África Brasil no Vivo Open Air
– Animal Man, de Grant Morrison
– Bátima, com direito à entrevista em vídeo
– Segundas-feiras no Grazie a Dio (Cidadão Instigado, Moreno + 2, Junio Barreto, Hurtmold, Wado, Curumin)
– Transformar uma discotecagem num toque de atabaque pós-moderno (as minhas melhores: duas vezes na Maldita, abrindo pros Abimonistas na Revolution da Funhouse, aniversários da Laura e da Fernanda na Vila Inglesa, esquema lo-profile no Adega, duas vezes duelando com o Guab na Rockmixtape e abrindo pro Satanique Samba Trio e pro Diplo no Milo, aniversário da Tereza no Berlin, com o Cris numa festa fechada no Vegas)
– “Promethea” – ufa!
– Paul Auster
– A Fantástica Fábrica de Chocolate, de Tim Burton
– Papo sobre o futuro do jornalismo com o Alex Antunes e o Claudio Julio Tognolli na Abraji
– Oséias e Los Hermanos no Trama Universitário
– O melhor duelo de sabres de luz de todos os tempos
– E.S.S. duas vezes, no Atari e na Funhouse
– Dar a dica pro Diplo tocar Cyndi Lauper no bis do set na choperia do Sesc Pompéia (que, aliás, tá com uma caixa nova que, ela mesma, é uma epifania)
– MP3s dos Sebozos Postiços
– O sábado do II Encontro de Mídia Universitária
– A volta do Pink Floyd clássico e Saucerful of Secrets do Nicholas Schaffner
– Sopa e chá na hora certa
– O novo do Cronenberg
– Sebozos Postiços no Vivo Open Air
– Temporada no Takara no Coisa Fina
– Ju, Ana, Dan, Fab, Tati – uma senhora equipe de trabalho
– DJs residentes: MZK, Bispo, Guab e Miranda
– China e Mombojó no Sesc Pompéia
– “Quanto Vale ou É Por Quilo” – só falta ser mais pop pra sair do cineclube (alguém explica o Michael Moore pro Sérgio Bianchi e ele pára com o pessimismo “já era”)
– Labo e SOL num Blém Blém quase vazio
– Wilco no Tim Festival
– Ter certeza que nunca tanta música ruim e desinteressante foi produzida na história como hoje – fora do Brasil (inclua o nome que você imaginar nessa lista – do Nine Inch Nails ao Coldplay passando pelo Wolf Eyes e Teenage Fanclub, ou Weezer e Sleater-Kinney). Só o Jack Johnson e o Franz Ferdinand salvam
– Aqui dentro, por outro lado, é outra história
– Jazzanova no Ampgalaxy
Piratão, do Quinto Andar
– Walverdes no Rose Bon Bon
Milo Garage
– Pipodélica e Zémaria no Avenida
– “Feel Good Inc.”, colosso
– It Coul Have Been So Much Better – Franz Ferdinand
– Jurassic 5 em duas noites em Santo André
– Bad Folks abrindo pro Mundo Livre em Curitiba
Sites de MP3 e mixtapes de funk carioca
– De La Soul no Tim Festival
– Mike Relm no Vegas
– “I Feel Just Like a Child”, Devendra Banhart
– Entrevistar o J.G. Ballard por fax
– Mercury Rev, perfeito, em Curitiba
– Sessão privada do Sou Feia Mas Tou na Moda com a Laura, a Denise, o Bruno, o Boffa, o Diplo e a Mia
– O livro do Sílvio Essinger
– Sonic Youth no Claro Q É Rock de São Paulo
– Chopinho vespertino numa Curitiba belga
– Acompanhar as turnês do Mundo Livre S/A e da Nação Zumbi pelo sul do Brasil
– Superguidis ao vivo
“Galang”
– Abajur pra sala no quarto
– “Music is My Hot Hot Sex” – Cansei de Ser Sexy
– As voltas do Akira S e do DeFalla
– Gravação do DVD do Otto
– Chaka Hot Nightz
– A volta da Bizz (muito istaile)
– R2D2 do Burguer King
– “Nada melhor do que não fazer nada…”, Rita Lee, mesmo que só em canção, realmente sabe das coisas
– Cuba! – e com a Laura…