Céu – Vagarosa

Céu sorri. Preguiçosa, estica-se pequena num cenário de graves quentes, timbres analógicos e percussão minimalista. Efeitos sonoros (o crepitar do vinil, um lento scratch) e teclados elétricos da idade da pedra ajudam a desenhar uma paisagem descrita em câmera lenta. Envolta na névoa branca da psicodelia jamaicana, ela, no entanto, não é uma Alice recém-chegada no país das maravilhas do dub. Pelo contrário – pela cor amarela das pontas dos dedos das faixas de Vagarosa dá pra perceber que ela mesma é a patroa, a própria Lagarta fumando em seu narguilé, enquanto recosta-se sobre seu sofá-pufe em forma de cogumelo. Ela é nativa.

Embora não pareça. O sorriso estampado na capa do primeiro disco foi bookmarcado pela Apple e ajudou a vender a loja de MP3 de Steve Jobs como uma de suas artistas favoritas, quase sempre apresentada junto de seus produtos como exemplo da pluralidade da empresa. Seu sempre referido berço musical (“filha do maestro Edgar Poças, o criador da Turma do Balão Mágico, começou cedo no meio artístico”, todas as matérias irão dizer) também a coloca como refém de uma inevitável carreira musical, quando, na verdade, muitos dos méritos são seus.

Vagarosa, seu segundo álbum, começa com um pequeno prelúdio em samba (“Sobre o Amor e Seu Trabalho Silencioso”) tocado apenas ao cavaco e disfarça na largada, mas reforça seu mote logo na primeira frase: “Vai pegar como bocejo”. É a primeira de uma série de metáforas que reforçam, no decorrer do disco, seu clima lento e sossegado – e também é mesma conclusão do refrão da primeira música de fato: a irresistível “Cangote”, que instaura a vibe de sauna canabista que impregna as paredes do álbum, que esparrama-se e rola por sobre timbres cirurgicamente aquecidos pelos produtores Beto Villares e Gustavo Lenza que, ao lado da cantora, recepcionam nada menos que a fina flor da música brasileira atual.

Por Vagarosa passam luminares da primeira década do século no país: Fernando Catatau, BNegão, os Sebozos Postiços (Lucio, Pupilo e Dengue), os teclados de Bactéria (Mundo Livre S/A) e Chiquinho (Mombojó), os sussurros de Thalma de Freitas e Anelis Assumpção, Curumin e Guizado, além do veterano baterista Gigante Brazil e do highlander Luiz Melodia, único responsável por tirar o disco do clima esfumaçado do Sumaré e trazê-lo para o samba de alguma das duas Lapas – a paulista ou a carioca -, na deliciosa “Vira Lata”.

Mas entre tantos convidados ilustres, Céu ainda é a patroa. Como no primeiro disco, o novo também funciona na medida de sua voz – por vezes inflexível e hipnótica (“Papa”, “Sonâmbulo”, “Nascente”, “Ponteiro”), por outras sedutora e caliente (“Cordão da Insônia”, “Grains de Beaute”, “Bubuia”). Ela equilibra timbres e músicos com sua batuta vocal e a pós-produção só salienta ainda mais sua presença musical, tratando arranjos de cordas e de metais, convidados e instrumentos como samples vivos. Vagarosa é um disco quase gêmeo de 3 Sessions in a Greenhouse, de Lucas Santtana, mas enquanto Lucas convidava o ouvinte para entrar no universo dub em pleno estúdio, Céu deixa seu espectador do outro lado do vidro, transformando-se – e a todos em seu disco – num animal de zoológico, encarcerada como atração turística. Questão de ponto de vista: do lado de lá, ela está livre em sua nação de sons e sonhos, cantando para ouvintes encarcerados do outro lado do vidro. Ao pegar carona com o dub, Céu deixa os clichês de MPB anos-luzes no passado e livra-se de toda uma herança secular brasileira (o compromisso com o samba é assumido de forma quase didática, através da participação de Melodia e pelo cover de Jorge Ben com os Sebosos Postiços, em “Rosa Menina Rosa”) para abraçar uma sonoridade mais próxima de nossos dias do que os dos ídolos de nossos pais, que ainda teimam em dar a benção para quem quer se aventurar nesse métier. Céu nem olha pros lados, chama os amigos, mira pra frente – e vai embora. Sorte nossa.


Céu – “Comadi

Vida Fodona #174: Hoje eu tou devagar

Começando a semana em ritmo de dub, preguiçoso e sonolento, mas, aos poucos, pegando o ritmo. Mais um Vida Fodona Soundsystem aê!

Phil Pratt – “Star Wars”
Chalawa – “So Much Things to Say”
Céu – “Cordão da Insônia”
Primal Scream – “Higher than the Sun (Higher than The Orb Extended Mix)”
Franz Ferdinand – “The Vaguest of Feeling”
Massive Attack – “Inertia Creeps”
Public Image Ltd. – “Religion I”
Gang of Four – “To Hell with Poverty”
Cidadão Instigado – “Homem Velho”
Mundo Livre S/A – “Negócio do Brasil”
Hurtmold – “Sapers”
Yoko Ono – “Walking on Thin Ice”
La Roux – “In it for the Kill (Lifelike Remix)”
Delorean – “Deli”
Gossip – “Love Long Distance (Fake Blood Remix)”
Amanda Blank – “A Love Song”
Xx – “Crystalised”

Vamo lá?

Cinco vídeos para o meio da semana – 95


Céu – “Bubuia”


Antony and the Johnsons – “Crazy in Love”


Cidadão Instigado – “O Nada”


The Horrors – “Mirror’s Image”


Juan Maclean – “Happy House”

Vida Fodona #173: O ano tá começando a ficar bom

E aos poucos dá pra ter uma idéia de quem vai entrar no panteão de 2009:

Cidadão Instigado – “O Cabeção”
Teenagers – “Love No”
Phoenix – “1901”
Arctic Monkeys – “Dangerous Animals”
Franz Ferdinand – “Can’t Stop Feeling”
Death by Chocolate – “Ice Cold Lemonade”
Dangermouse & Sparklehorse – “Little Girl (com Julian Casablancas)”
Of Montreal – “An Eluardian Instance”
Cornershop – “Who Fingered Rock’n’Roll?”
Cut Copy – “Midnight Runner”
Fellini – “Por Toda Parte”
Big Star – “The Ballad of El Goodo”
Céu – “Bubuia (com Anelis Assumpção e Thalma de Freitas)”
Lucas Santtana & João Brasil – “O Violão de Mario Bros”
Milocovik – “Out of Her House”
Foals – “Olympic Airways”
Miami Horror – “Make You Mine (Fred Falke Remix)”
Daft Punk – “Tron Legacy Theme”
Radiohead – “These Are My Twisted Words”

Colaê.

Heaven’n’Hell

Clica na imagem ou neste link pra ver o “Sobe e Desce” completo imaginado pelo Fabio Cavalcanti – o Coala-Io (o personagem que, na versão maior, negocia sua entrada com São Pedro). Dica da Tati.

Um céu dos infernos

Tira nova do Dahmer.

Vida Fodona #171: Picaretagem alto astral

Vai na fé que até texto eu escrevi em homenagem ao tema, hahahaha.

Videogame Orchestra – “Thriller”
Queen – “The Real Life (Deebs Remix)”
Peter Bjorn & John – “It Don’t Move Me (The Knocks Remix)”
Virgins – “Rich Girls (The Twelves Remix)”
Girls Aloud – “Call the Shots”
A.Skillz & Kraft Kutz – “Happiness”
Slaughterhouse – “The One”
Thee Oh Sees – “Tidal Wave”
Chromeo – “I Can’t Tell You Why”
Zee Avi – “Bitter Heart”
Céu – “Grains de Beaute”
Generationals – “When They Fight, They Fight”
Passion Pit – “Little Secrets”
N.A.S.A. feat. Lykke Li, Kanye West e Santogold – “Gifted (The Aston Shuffle Remix)”
Kid Sister – “Right Hand Hi”
Bee Gees – “Stayin’ Alive (Teddybears Remix)”
Paradiso Girls feat. Lil Jon & Eve – “Patron Tequila (This Is Remix)”
Martin Solveig (feat. Dragonette) – “Boys & Girls (Radio Edit)”
Linus Loves – “Prom Night (Don Diablo Remix)”
Make the Girl Dance – “Baby Baby (Radio Edit)”
Simian Mobile Disco (feat. Jamie Lidell) – “Off the Map”
Muse – “Supermassive Rainbow (Emre Remix)”
Wale feat. Lady Gaga – “Chillin (The Knocks Remix)”

O caminho é por aqui.

Céu rosa

Rapaz e esse disco novo da Céu, hein… A cada audição Vagarosa sobe um pouquinho mais rumo ao topo da lista de melhores discos do ano. Depois eu me aprofundo no tema, mas, por enquanto, sente essa bordoada em câmera lenta que ela gravou com a Nação Zumbi.


Céu – “Rosa Menina Rosa

Duas realidades

Boa idéia, essa da Trip. Em vez de repetir de novo a capa do Tropicália (talvez o maior clichê do jornalismo musical brasileiro), eles foram atrás de uma clássica capa de uma antiga Realidade com Milton Banana, Jairzão, Magro do MPB-4, Caetano, Nara, Paulinho da Viola, Toquinho, Chico Buarque e Gil…

…e a recriaram com Junio Barreto, Rômulo Fróes, Ganjaman, Tatá, Catatau, Hélio do Vanguart, Thalma, Kassin e Céu.

Mas em vez da matéria ser mais uma cantinela de viúva da MPB tentando enquadrar novos Caetanos ou as “novas divas” que alimentam cadernos de cultura pelos jornais do Brasil, o texto do Bressane concentra-se em um ponto específico desta geração anos 00 – o perfil colaboracionista, em que todo mundo já tocou com todo mundo. A pauta só peca por insistir nessas de MPB – o atual pop brasileiro (inclusive o que inclui os nove acima) vai muito além da canção e do violão, e inclui hip hop, indie rock, psicodelia, bocas desdentadas, groove latino, bateria eletrônica, guitarra elétrica e versos em inglês.

Mas eu sei como funcionam as revistas…

O Cangote da Céu

Apesar de sempre jogada na vala comum das “novas promessas” (ou “novas divas”, dependendo da sua opção de caderno de cultura), Céu é muito mais do que essas Marisas aos Montes que vivem de emular e idolatrar o passado pós-tropicalista da música brasileira. Pra começar, sua matriz não é a bossa nova, nem o samba – ela tem mais a ver com a gatinha que curte reggae, a menina que gosta de acompanhar o namorado em visitas a sebos de discos e a irmã mais nova que presta atenção nos papos do irmão mais velho. Ela também compõe e não vive basicamente de recauchutar músicas do passado e prefere se alinhar à Nação Zumbi e ao Instituto do que a qualquer medalhão da MPB que lhe ofereça uma canção para faturar um troco de direitos autorais via iTunes. E há três anos sem lançar nada próprio (seus trabalhos mais recentes foram uma participação do trio 3 na Massa, que levou à criação do grupo Sonantes), ela começa a dar sinais de vida em 2009, com o belo EP Cangote, lançado pela gringa Six Degrees. A faixa-título taí embaixo (e o Dafne botou outra música do EP pra ouvir no blog dele, o Esforçado – aliás, recomendo muito o blog do cara, que tem o selo de qualidade Gafieiras).


Céu – “Cangote