Ave Mancha!

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Nós da trupe Sussa – eu, Danilo, Pattoli, Babee e Klaus – fomos chamados pra dar início aos trabalhos do Fora da Casinha, o festival de oito anos da Casa do Mancha, que consagra a atual cena independente brasileira com o primeiro festival de indie rock realizado em São Paulo neste século. Na real é uma desculpa pra aplaudirmos pessoalmente este sujeito incrível que, na raça, vem adubando cada vez mais uma cena local e autoral, além de criar uma das melhores bolhas de otimismo da cidade (a incrível foto acima, com Samurai e a Ana de papagaios de pirata, foi tirada pela Kátia e eu tunguei de uma ótima história oral do Mancha contada na Vice). São dez atrações – Twinpine(s), Gui Amabis, Carne Doce, Supercordas, Maurício Pereira, Holger, Soundscapes, Stela Campos, O Terno e Boogarins – que mostram a amplitude e especificidade deste gênero, que também reunirá um verdadeiro quem é quem do indie rock brasileiro nesta década – não apenas de São Paulo, pois tem gente vindo de tudo quanto é lugar. Pra comemorar, vamos tocar só música brasileira. O festival começa às 16h deste domingo no Centro Cultural Rio Verde e os ingressos estão quase no fim!

Tudo tanto #012: Menos é mais

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Falei sobre a importância das pequenas casas de show na nova cena de São Paulo, na minha coluna na revista Caros Amigos, que completou um ano na edição passada.

Menos é mais: pequenas casas de autor

Uma casinha minúscula com quintal esconde-se sem número entre os grafittis de uma ruíca de apenas um quarteirão na Vila Madalena. Um reduzido bistrô à meia luz com mesas dispostas como um auditório numa rua fica à espreita noutra igualmente pequena nos Jardins. Uma casa pequena com um corredor lateral e um quintal coberto numa rua movimentada que liga a Pompeia à Lapa. Imóveis paulistanos que passam despercebidos das pessoas durante o dia por quase se esconderem na paisagem urbana.

Mas as coisas mudam bastante quando a noite cai. O ar plácido e discreto destes lugares de dia dá lugar a pequenos grupos de jovens adultos que se reúnem às dezenas para assistir a shows diminutos em palcos quase à altura do chão. Na casa da Vila Madalena, uma guitarrista capixaba conduz sua banda a um transe psicodélico carregado de microfonia. No sobrado dos Jardins, um decano paulistano une-se ao filho em uma delicada sessão nostálgica intimista sobre suas canções cubistas. Na construção da Lapa, um grupo carioca eleva a filha de um baiano a uma arrebatação sonora. Tudo isso em São Paulo. A cidade que já foi tachada de “túmulo do samba” e “berço do rock” vive uma renascença cultural e artística que atrai gente de todo o Brasil.

Muito se reclama sobre a falta de espaço para apresentações ao vivo ou sobre o preço insuportável de ingressos para atrações gigantescas, recauchutadas ou estrangeiras no Brasil. Mas a cidade São Paulo, especificamente, começa a ditar uma tendência que pode espalhar-se para o resto do País. Avessas ao sucesso massificado de shows em estádio, festivais com inúmeros palcos, rodeios e feiras alimentícias pelo interior do Brasil, essas iniciativas apostam no extremo oposto de multidões e do desfile de atrações velhas ou desconhecidas que se acumulam nos eventos de grande porte.

A realidade dos festivais e shows para dezenas de milhares de pessoas cada vez mais afasta a possibilidade de curtir a música em si e tais celebrações servem mais para reunir amigos e conhecidos ao redor de apresentações ao vivo do que propriamente para vê-las. A festa nestes eventos gira em torno do encontro social – e sua exibição via internet – e os shows tornam-se mais trilha sonora do que são a motivação para tirar as pessoas de casa. Quando cobri o Rock in Rio Las Vegas, a primeira incursão do festival brasileiro em terras norte-americanas, a principal executiva do festival, Roberta Medina, foi categórica ao dizer que música é um elemento secundário naquele encontro e que via seu festival mais próximo da Disneylândia do que de um show de música em si.

As três situações que descrevi no início do texto são pequenas amostras de uma resposta a essa massificação que tirou o protagonismo da música. São celebrações de porte ínfimo, que atraem mínimas quantidades de pessoas, mas todas elas centradas na música. Seja no show do My Magical Glowing Lens na Casa do Mancha, no de Walter Franco na Casa de Francisca ou de Ava Rocha na Serralheria, o público mal passava da centena de pessoas – no caso do show de Walter Franco, nem metade disso. Mas se esse número pode ser considerado um fracasso para alguns artistas, não é para nenhum destes, porque é a lotação máxima do lugar. Quem foi parar ali não caiu de paraquedas num evento em que alguém toca música ao vivo, mas saiu de casa especificamente para assistir à apresentação daquele determinado artista.

As duas Casas e a Serralheria não são focos isolados no mapa cultural de São Paulo e aos poucos estes pequenos lugares intimistas – que não significa que sejam necessariamente quietos ou silenciosos – conquistam a paisagem paulistana. São casas que se espalham por diferentes bairros e, seguindo esta mesma lógica, nem mudam a cara de uma região específica nem concorrem entre si.

Os nomes destes estabelecimentos são bem específicos em relação à sua abordagem e dão uma boa ideia do rumo escolhido em relação à música: Central das Artes, Sensorial Discos, Casa do Núcleo, Centro Cultural Rio Verde, Espaço Cultural Puxadinho da Praça, Serralheria Espaço Cultural, Neu, Banca Tatuí, Jongo Reverendo, Casa do Mancha, Mundo Pensante, Casa de Francisca, Epicentro Cultural, Zé Presidente. Os nomes acentuam a importância da cultura, de sua feitura, da sensibilidade, do novo, da informalidade, da brasilidade. E não são necessariamente casas de show: a Sensorial é uma loja de discos e cervejas, a Banca Tatuí é uma banca de jornais ocupada por uma pequena editora de livros (a Lote 42) que permite a realização de shows em sua laje, transformando-se num palco, a Casa de Francisca sempre oferece um jantar antes do início do show.

Há também uma regra informal que aos poucos dá um novo rumo para a produção cultural da cidade e do Brasil: a predileção por shows autorais. Parece bobagem dizer isso e se essa tendência se confirmar em alguns anos, vai parecer que vivíamos tempos estranhos – e realmente vivíamos. Mas da virada do século para cá, São Paulo viu antigas casas noturnas que abrigavam bandas novas abrir espaço primeiro para bandas covers e depois para discotecários. Estabelecimentos que preferiam apostar no conhecido e atrair um público certo e cada vez mais jovem que, com o tempo, tiveram que apelar para outros truques da noite, como a infame festa open bar, em que o cliente paga um determinado valor fixo para beber à vontade – quase sempre bebidas de segunda ou terceira categoria – a noite inteira. Essa fórmula imediatista pagou contas e aluguéis dos envolvidos, mas cobrou o preço da existência da maioria dos lugares daquela época. Em 2015, quase não há pequenas ou médias casas de shows em São Paulo que existiam no início do século.