Um documentário sobre o festival Cecília Viva

Já está no ar o registro em vídeo do festival Cecília Viva, que aconteceu no Cine Joia em fevereiro deste ano, reunindo shows de artistas como Boogarins, Crizin da Z.O., Kiko Dinucci, Test, DJ Nuts e a primeira apresentação ao vivo das Rakta desde a pandemia para arrecadar grana para ressuscitar a Associação Cecília, clássico ninho de projetos experimentais musicais em São Paulo que sucumbiu à violência paulistana no começo do ano passado. O filme, feito pela dupla Azideia Filmes (formada por Carlos Motta e Priscilla Fernandes), reúne os melhores momentos dessa histórica noite e capta bem o espírito de agradecimento espalhado entre público e artistas (além de várias aparições minhas no canto, sempre filmando tudo). E não é o último evento: a Associação promete novos eventos de diferentes portes ainda esse ano, o próximo deles acontecendo no dia 15 de maio no Porta, com atrações que serão reveladas em breve.

Assista abaixo:  

Uma noite histórica para o underground paulistano

Domingaço no Cine Joia, quando a Associação Cecília reuniu a nata do underground brasileiro atual para um evento histórico. O festival Cecilia Viva foi criado para arrecadar fundos para o renascimento da casa que fechou suas portas no ano passado por motivos de força maior e era um dos principais focos de resistência e criação da cena alternativa de São Paulo. E foi bonito ver o Cine Joia ir enchendo lentamente até praticamente lotar sua parte inferior para ouvir artistas que abraçam o risco e o experimento como matéria-prima de suas apresentações. O festival começou ainda de dia, com o show dos cariocas do Crizin da Z.O., que infelizmente não consegui chegar a tempo, mas consegui pegar o Test – que nunca tem erro. A dinâmica entre a guitarra e o vocal de João Kombi e a bateria de Barata é um casamento único que deixa o público com os nervos à flor da pele, de tanta tensão. Como a maioria das apresentações da noite, o Test fez um show curto e direto, sem espaço para descanso, deixando claro que esse clima – essencialmente paulistano – era a tônica do evento.

Depois do Test foi a vez de Kiko Dinucci subir ao palco do Cine Joia para defender seu primeiro disco solo, Cortes Curtos, sozinho na guitarra. Houve quem se frustrasse ao perceber que o compositor de Guarulhos tocaria seu disco de 2017 sem banda, mas… Sinceramente? Nem precisava. Só o reencontro de Kiko com seu instrumento-base já seria motivo para comemoração (quanto tempo que ele não toca guitarra num show? Nem lembro mais…), mas o sambista-punk foi além e segurou boa parte das músicas de seu disco no clima tenso que instaurou-se no palco durante o festival: emendando uma música atrás da outra, sem conversa nem tempo pra respirar. E como é bom ver o Kiko na guitarra, principalmente quando ele liga o modo noise, invocando o espírito Glenn Branca para o contexto da vanguarda de São Paulo, misturando suas referências-chave (Lira Paulistana, punk rock e samba paulistano). Volta pro noise, Kiko!

No meio da noite, a referência rock ficou em segundo plano quando o DJ Nuts apresentou um set autoral, misturando bases de diferentes pontos da sua vasta coleção de música brasileira com vocais sampleados de rappers brasileiros, criando um clima pesado e tenso com o daquela noite de domingo. E ao trajar uma camiseta do clássico disco primeiro disco solo do ultramagnetic MC Kool Keith como Dr. Octagon (projeto criado ao lado do produtor Dan the Automator), Nuts deixou clara as intenções daquele set, que era menos para dançar e mais para entrar em nossas mentes enquanto mexia no inconsciente com samples levemente reconhecíveis e timbres vocais que todos conhecemos, numa apresentação que mostrou que, mesmo a Associação Cecília tenha nascido num contexto punk, sempre estava aberta a outras formas de experimentação musical.

Os Boogarins vieram quase no final do festival, puxando mais uma de suas sessões de cura e libertação, improviso extremo em que Fefel, Dinho, Benke e Ynaiã passeiam por diferentes recônditos de sua psicodelia brasileira como se estivessem compondo músicas na hora – e enfatizando, como Dinho sempre diz, o poder de cura da música. Os goianos abriram uma exceção para aquela sessão específica e até tocaram músicas num formato mais tradicional, mas sempre abrindo pontes instrumentais em que poderiam voar para onde quisessem. Sempre lavam a alma.

Mas a noite era delas. O reencontro de Paula Rebelatto e Carla Boregas no palco do Cine Joia não foi a primeira atração a ser anunciada do festival à toa – era o primeiro show das Rakta em cinco anos (!!!) e, acompanhadas pela bateria absurda de Maurício Takara, integrante da formação mais recente do grupo, as duas mostraram que não tinha pra ninguém. O surto elétrico de noise e pós-punk das duas acabou por sintetizar a expectativa da noite, reunir o maior público e eletrizar corações e mentes com seu ritual mágico único, que faz uma falta danada pra noite de São Paulo e pra cena underground brasileira. O final perfeito para uma noite histórica para o underground paulistano. Quem foi sabe.

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A reconstrução da Associação Cecília e a volta do Rakta aos palcos!

Um dos principais palcos alternativos da cidade, a Associação Cultural Cecília, fechou suas portas no início do semestre passado depois que roubaram tudo do espaço, tornando-o inviável. A casa na rua Vitorino Carmilo, na Santa Cecília, teve que ser entregue e o prejuízo com a saída do espaço, o roubo e dívida com os fornecedores fizeram suas atividades serem suspensas, em mais um golpe na vida cultural de São Paulo – eles explicam melhor em sua conta no Instagram. Mas não é motivo para desistir e acabou de ser anunciado o festival Cecília Viva, que acontecerá no dia 23 de fevereiro do ano que vem no Cine Joia como uma forma de arrecadar fundos para a retomada das atividades e a primeira atração confirmada é a volta do Rakta aos palcos, quando Carla Boregas, Paula Rebellato e Mauricio Takara se reúnem pela primeira vez em anos para realizar uma apresentação única, o que não significa propriamente que o Rakta voltou, como explicaram para a Billboard Brasil: “Voltar ao palco no Cecília Viva é mais do que uma apresentação, é um chamado para celebrar a potência da música e do encontro”. Os ingressos já estão à venda neste link e abaixo a apresentação mais recente do grupo, quando, em 2021, gravaram meia hora de música no estúdio El Rocha para a sessão Patch Notes da revista inglesa Fact: