Cê vê…

, por Alexandre Matias

E então o nada virou-se do avesso

MÓRRATA!

Ouviram o Caetano novo? Chatopracaralho, com todas as letras juntas, pra enfatizar a chatice (tem umas três músicas boas [mais pra mazomenos, é verdade] – “Musa Híbrida”, “Deusa Urbana” e “Homem”), mas consegue barrar o do Chico – e não só em monotonia. Uma pena, porque depois de uma década e meia como artista cover (inclusive de si mesmo), era pra lançar um disco ao menos OK. Mas Cê não sai do meio do caminho, parece sempre uma tentativa de ser experimental e pop ao mesmo tempo, mas sempre com cara de tentativa, de disco de rascunhos – e a fissura por sexo e rock (que talvez seja o tema do disco) enche mais o saco do que a superposição de vocais, os riffs secos ou os crescendos à Lou Reed.

“Odeio” são umas duas músicas do Wire juntas com um vocal que parece ter saído de outra música (mashup?); “Rocks” é tipo “Não Enche” pra ver se ele descola moral com alguma fã de Strokes (“Você foi mó rata comigo” pode se tornar uma frase de verão, mas é meio vergonha alheia – um sentimento que eu nem curto que exista); “Outro” até poderia ser uma música boa, se não tentasse ser um krautrock (parece Tony da Gatorra! – o que diz muito sobre o disco); “Porquê?” parece uma piada, sério, tipo o Costinha imitando um João Gilberto de Portugal; “Não Me Arrependo” soa como se o Barão Vermelho tentasse soar como o Yo La Tengo ou como se o Rádio Táxi gravasse uma música do Loaded, do Velvet. E por aí vai…

É o “disco indie” de Caê? Em sonoridade, sim. Em espírito, nunca. O disco pouco evoca o sentimento de vitória do derrotado que alinha Velvet, Johnattan Richman, Jesus & Mary Chain, Nirvana, o britpop e Strokes neste mesmo cânone, batizado com a corruptela em inglês para “independente” (a falada “O Herói” chega perto, mas não engata – quer dizer, engata uma gemedeira que convida o ouvinte a desistir do disco). Caetano desfoca o sentimento de seu instrumental para transformá-lo em objeto de estudo, e assim Cê se tornar um monumento parado a uma vanguarda de jardim de infância, mais interessada em chocar pela complexidade do que fazer algum sentido. Sim, é um disco parente de Velô, talvez o fundo do poço da mediocridade intelectual (pra usar um termo da moda) caetânica – um disco com as hediondas “Shy Moon”, “Pulsar” e “Podres Poderes” (procurem pra ver como é deprê) e de onde só se salva “Nine Out of Ten” (como me lembrou o Werneck).

Nada contra o Caetano, nada mesmo. Acho um saco essa ladainha de que ele é o vilão da MPB, que ele é o responsável por boa parte da merda que toca no rádio, que ele puxa as cordinhas do sistema. Isso é chororô de ex-metaleiro, fã de Ramones que não ouve música brasileira por complexo psicológico (os pais ouviam) disfarçado de preconceito. Acho o sujeito fodão quando exercita seu verdadeiro métier – fazer música – e um Jabor quando é chamado para palpitar sobre tudo. Mas é bom crítico de música – suas one-liners sobre as atrações do Tim Festival – que correm nos corredores quase como uma lenda característica do evento – talvez sejam a melhor cobertura dos shows. Mas ele era bem melhor quando era hippie despolitizado e menos fernandohenriquecardoso – não é qualquer um que tem pelo menos umas 20 músicas no imaginário brasileiro, e músicas muito boas.

Vai ver é essa estridência polemicista, que parece ter se arrefecido à saída de Paula Lavigne de cena (dava pra imaginar ela lendo o jornal e comentando em voz alta com ele “Cê não vai deixar esse cara falar isso de você, né?”). Cê não é um disco ruim e ponto. Ele tenta ser bom, tateia num universo que não lhe pertence e se esforça para ser novo. Mas é confuso e está perdido num emaranhado de referências dispostas quase ao acaso. Possível sintoma de seu exílio autoral, em que preferiu passar a última década e meia entre autores americanos, latinos, italianos e Jorge Mautner. Resta saber se ele quer voltar atrás ou seguir em frente. Se escolher a segunda opção, pode ser melhor. Mas se ficar na primeira… Güenta caixa, ao vivo, acústico e outras tranqueiras de artista em fim de carreira.

Espero que não.