Bira Presidente, fundador do bloco Cacique de Ramos, que nos deixou na passagem do sábado para o domingo, felizmente pode desfrutar do merecido reconhecimento de sua importância na história da música brasileira, tanto como agente fundamental na transformação e evolução do samba (onde sempre foi reverenciado) como um dos principais artífices da popularização desta mudança, que mexeu na cara da música brasileira dos últimos cinquenta anos. Bastaria seu papel como fundador de um bloco de samba que saiu de sua vizinhança para ganhar o Rio de Janeiro e que até hoje segue firme e frutífero como o principal bloco carnavalesco da cidade que seu nome já teria motivos para figurar em nossa história. Mas se lembrarmos que, além de ter convivido com os pais-fundadores Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Carlos Cachaça e Aniceto do Império, este filho de um sambista do Estácio (a primeira escola de samba) com uma mãe de santo não apenas deu abrigo para músicos que revolucionariam o samba ao transformá-lo em pagode na virada dos anos 70 para os 80 (fundando, por sua vez, com a benção e um empurrãozinho de Beth Carvalho, o grupo Fundo de Quintal, maior fenômeno coletivo da história do samba) como reinventou seu instrumento, o pandeiro, neste novo ambiente musical, misturando qualidades como protagonista, músico, agitador cultural e testemunha viva da história. É um nome que confunde-se com a própria tradição do samba, o samba personificado que seu codinome, cargo vitalício no bloco que fundou, poderia fazer reverência ao seu papel de líder nato. Fico feliz de poder ter dado palco para um encontro histórico do Fundo de Quintal no Centro Cultural São Paulo, quando era curador de música daquele espaço e convidei Leandro Lehart para celebrar o Fundo de Quintal na mítica sala Adoniran Barbosa, palco caríssimo para a história de Leandro (que anos depois seria diretor daquele mesmo CCSP), que nunca havia se apresentado lá. Lehart saudou o grupo com a presença de quase todos seus mestres e o mais feliz deles era o próprio Bira, que havia completado 81 anos no dia anterior àquela apresentação, em março de 2018, e foi ovacionado pelo público que lotou o palco mágico do CCSP, feliz de estar sendo reverenciado por sua importância. Obrigado, Bira!
Segundo ano que assino a curadoria de música do Centro Cultural São Paulo e aos poucos as coisas vão entrando nos trilhos. Depois de um ano entendendo a natureza do trabalho – do convite e contato com os artistas à burocracia das contratações, passando pelas partes técnicas, de comunicação e divulgação dos eventos e por questões internas do próprio CCSP -, encerro 2018 com a certeza de estar recuperando a importância deste espaço que é um dos principais pontos da vida cultural de São Paulo, fazendo a Sala Adoniran Barbosa assumir seu papel de palco nobre da cidade. Se em 2017 já percebia a formação de públicos em shows de diferentes gêneros musicais (a galera que vai sempre nos shows de rap, nos shows de rock, nos de música brasileira mais tradicional ou nos mais experimentais), em 2018 vi diferentes públicos arriscando shows em que normalmente não iriam. Algumas apresentações foram catárticas e exploraram a concentração de boas energias naquele cubo mágico, que é um lugar sobrenatural quando apinhado de gente e as pequenas multidões reunidas ao redor de nomes como Otto, Jaloo, Metá Metá, Rincon Sapiência, Don L, Anelis Assumpção, Maglore, Carne Doce, Baco Exu do Blues, Boogarins ou Black Alien, todos mostrando seus discos mais recentes, tornaram várias noites deste ano memoráveis, me vislumbrando a possibilidade do CCSP ser um palco tão próximo da cidade de São Paulo quanto o Circo Voador é da cidade do Rio de Janeiro.
Outros shows foram únicos, encontros de toda sorte e apresentações experimentais: Iara Rennó reunindo Maria Beraldo, Mariá Portugal, Ava Rocha e Alzira Espíndola para celebrar Macunaíma, Leandro Lehart recebendo todo o grupo Fundo de Quintal para uma catarse que começou apenas com sua voz e seu violão, Otto reduzindo sua formação a um trio e passeando solto pelo segundo andar da sala, Mariana Aydar colidindo seu forró com música eletrônica, Música de Selvagem conseguindo reunir Tim Bernardes, Sessa, Luiza Lian e Pedro Pastoriz pela primeira vez para fazer seu Volume Único ao vivo com todos os convidados, Deaf Kids e Test dividindo o palco no início de sua turnê, Letrux com Mãeana conduzindo um ritual místico feminino impecável, o Garage Fuzz tocando seus hits no formato acústico, o Gangrena Gasosa levando a sério seu terreiro death metal, o último show de Luiza Lian com seu Oyá: Tempo e Rincon Sapiência indo rumo ao reggae. Isso sem contar o Centro do Rock, que merece uma menção à parte.
Também tivemos celebrações da obra de lendas-vivas de nossa música, como Walter Franco, Cólera, Patife Band, Edgard Scandurra e Di Melo, apresentações internacionais (como as lendas-vivas do punk americano Ian Svenonious e Laura Jane Grace), belíssimos momentos de câmara (com Rômulo Fróes, Cacá Machado, Paulo Carvalho, Douglas Germano, Bolerinho, João Leão, Manu Maltez, Gui Amabis), o rap brasileiro deste século (Don L, Ogi, Elo da Corrente, Diomedes Chinaski, Baco Exu do Blues, Síntese, Kamau, Black Alien), novatos como Ana Frango Elétrico, Betina, Natália Matos, Joe Silhueta, Catavento, Miami Tiger, Terno Rei, Cosmo Grão, Cinnamon Tapes, Pedro Salomão, Edgar e Yma e parte da nata da atual produção musical brasileira (Maria Beraldo, Rodrigo Campos, Alessandra Leão, Glue Trip, Guizado, Rakta, Juliano Gauche, Garotas Suecas, M. Takara, Jair Naves, Nomade Orquestra). Isso sem contar eventos de grande porte, como o Women’s Music Event, a Virada Cultural, a Sim São Paulo, o Dia da Música e a Semana da Música Eletrônica – cada um destes com outras tantas de importantes apresentações ao vivo, trazendo, para aquele palco, nomes tão importantes quanto Flora Mattos, Filipe Catto, Getúlio Abelha, ÀTTØØXXÁ, Teto Preto, Tuyo, E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante e Vitor Araújo. Só dos shows que programei foram mais de uma centena de datas durante todo o ano – entre atrações gratuitas ou com a bilheteria revertida 100% para os artistas.
O ano terminou com o anúncio da saída de Cadão Volpato, diretor do CCSP que me trouxe para a curadoria de música, que passou de ídolo a compadre em pouco tempo. Lembro de ouvir sua banda, o Fellini, ainda em Brasília e, inspirados por vários de seus versos, tomar algumas decisões na vida – a maioria corriqueiras, outras nem tanto. Depois de começar a trabalhar como jornalista o entrevistei algumas vezes sobre sua banda e mais tarde seria a vez de ele me entrevistar em algumas participações no programa Metrópolis, da TV Cultura, onde trabalhou como apresentador. O convívio casual foi selado num show do próprio Fellini em 2016, quando vi sua banda ao vivo pela primeira vez, no último show que a banda fez. Quis o destino que este show acontecesse no próprio CCSP e que, um semestre depois, estaríamos eu e ele estreando na vida pública no próprio Centro Cultural São Paulo. A convivência rotineira tornou-se um aprendizado mútuo além de ter estreitado nossa amizade. Cadão parte para Nova York no início de 2019 mas sua partida felizmente não acarreta mudanças nas perspectivas para o CCSP em 2019. Aproveito este espaço para agradecê-lo em público por sua confiança e convivência.
Mais uma continuação do ano anterior, o Centro do Rock foi a recriação que fiz do antigo Sintonia do Rock em 2017, que reunia, durante o mês de julho, apresentações de rock no CCSP. Com o novo nome passei a focar em bandas de rock modernas e, em 2018, conseguir fazer quatro shows por semana (com duas bandas em cada show) e de forma gratuita para o público. Assim, reunimos Gorduratrans, Carne Doce, Papisa, Sky Down, Lava Divers, Far from Alaska, Black Pantera, Oruã, Deb and the Mentals, Mieta, Giallos, My Magical Glowing Lens, Molho Negro, Cora, In Venus, Odradek, Frieza, Stratus Luna, Marcelo Gross, Bruna Mendez, Bike, Maquinas, Kalouv, Goldenloki, Picanha de Chernobill, Def, Bombay Groovy, Basalt, Macaco Bong e Astronauta Marinho em um considerável leque do que significa esta sonoridade elétrica no Brasil neste ano, trazendo para o mesmo palco artistas de todos os lugares do Brasil e de todas as variantes de um gênero sempre colocado em xeque, mas cada vez mais popular. Ainda tivemos noites em que as duas bandas convidadas aproveitavam para tocar juntas – improvisando em alguns casos, ensaiando para esta apresentação conjunta noutros. A meta para 2019 é melhorar ainda mais o elenco e tornar este mês de apresentações um minifestival para entrar no calendário de shows do rock independente brasileiro.
As musas cariocas Letrux e Mãeana unem suas forças no espetáculo Bruxas nesta sexta e cantam PJ Harvey, Rita Lee, Ângela Rô Rô e outras deusas esotéricas da música popular no último espetáculo da curadoria de música do Centro Cultural São Paulo em 2018, na Sala Adoniran Barbosa, a partir das 21h (mais informações aqui).
O trio Metá Metá – formado por Thiago França, Kiko Dinucci e Juçara Marçal – despede-se de 2018 nesta quinta, a partir das 21h, e conta com Marcelo Cabral no baixo e Mariá Portugal na bateria – corre que os ingressos estão acabando (mais informações aqui).
O grupo de hardcore de Santos Garage Fuzz deixa a eletricidade de lado para focar na melodia e nos arranjos a partir das 18h neste domingo no CCSP – mais informações aqui.
A sexta edição da Semana Internacional da Música – Sim São Paulo, principal evento sobre o mercado de música no Brasil, começa nesta quinta e vai até sábado e reúne dezenas de profissionais de todo o mundo para discutir o estado deste mercado atualmente lá no no CCSP em mesas, showcases, debates, palestras, além de mais de 300 shows espalhados por toda a cidade. Como integrante do conselho consultivo desde a primeira edição, participo de duas atividades durante a semana: da abertura, que acontece nesta quarta-feira, no Cine Joia (mais informações aqui) e da mesa de abertura, na quinta-feira, às 11h, que advoga pela importância do Ministério da Cultura no próximo governo. Confira todas as informações lá no site da Sim.
Duas bandas indies da gravadora Balaclava – a curitibana Marrakesh e a paulistana Terno Rei apresentam-se neste domingo, na Sala Jardel Filho, a partir das 20h (mais informações aqui).
Maurício Pereira e Luiza Lian são convidados da noite Fugitivos, organizada pelo Coral Jovem do Estado na Sala Jardel Filho do Centro Cultural São Paulo, de graça, a partir das 19h. Os dois cantam músicas do próprio repertório arranjadas por nomes como Arthur Decloedt e Thiago França ao lado do Coral e uma banda formada por Henrique Alves no contrabaixo, Tonho Penhasco no violão e guitarra, Charles Tixier na bateria e Gabriel Levy no piano (mais informações aqui).
Autor de um dos melhores discos desta década, o rapper paulistano Rincon Sapiência apresenta-se nesta quinta e sexta, a partir das 21h (mais informações aqui).