E não que começou o carnaval 2025 mesmo?

A primeira edição no Inferninho Trabalho Sujo na Casa Natura reuniu pontos distintos da nova cena da música brasileira para reforçar a importância do carnaval em nossa cultura. Era um baile de pré-carnaval mas mesmo que você tivesse ido assistir apenas a um show inevitavelmente entrava no espírito da noite – e isso aconteceu logo de cara quando o bloco Cordão Cheiroso inaugurou a sexta-feira e as comemorações de sua primeira década. Entre marchinhas de carnaval e suas próprias composições autorais – que estarão nas plataformas em breve -, o bloco, composto por figurinhas conhecidas da cena musical paulistana (Luca Frazão dos Amanticidas, Helena Cruz dos Pelados, a cantora Loreta Colucci, o saxofonista João Barisbe – que ainda tocaria naquela noite com o Grand Bazaar -, a iluminadora Olívia Munhoz, entre outros) e foliões dispostos a não deixar ninguém parado, o grupo dividiu-se entre o palco (com seus cantores e sopros olhando o público de cima) e o chão, com os instrumentos de percussão misturados à plateia. Mas na última música, os metais desceram para o público e puxaram o bloco no meio do público com a intensidade do carnaval de rua que eles bem conhecem. Começamos bem.

Depois foi a vez dos mineiros do Varanda, veteranos de Inferninho Trabalho Sujo, também estreando naquela casa e fantasiados de time de futebol, como nas fotos de divulgação de seu primeiro disco, Beirada, um dos grandes discos indie do ano passado, que foi a base da apresentação da banda. Mas o ar da noite falou mais alto e eles encararam “Eva” do grupo Rádio Táxi, que depois da banda baiana que leva o nome da canção, transformou-se em hino carnavalesco, mesmo falando de destruição pós-apocalíptica – e que funcionou bem com a vibe das músicas do Varanda, uma carta na manga que pode surpreender fãs se tirada em momentos inusitados.

E quem fechou a noite foi a incansável Grand Bazaar, grupo que mistura música do leste europeu com música cigana, brasileira e mediterrânea que coroou a noite com uma hora de show que parecia uma festa interminável, escancarando um sorriso em todos os presentes que não paravam de se mexer na plateia, seguindo as coreografias do grupo ou puxando trenzinhos e fazendo uma única roda no meio da Casa Natura. E como antes e durante os shows, terminei a noite fazendo minha discotecagem carnavalesca de sempre, misturando hits da música brasileira pra dançar com artistas da nova cena e clássicos do funk, do samba e do forró. Foi demais!

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Baile à Fantasia Inferninho Trabalho Sujo na Casa Natura Musical, com Grand Bazaar, Varanda e 10 anos do Bloco Cordão Cheiroso

O ano mal começou e já estou falando em Carnaval – é que no dia 14 de fevereiro faço um Inferninho Trabalho Sujo de pré-carnaval na Casa Natura Musical, reunindo três atrações além da minha discotecagem (que, como pede a ocasião, é só música brasileira). Primeiro comemoramos os dez anos do Bloco Cordão Cheiroso, que abre a noite desfilando clássicos e hits autorais pela casa, antes da entrada de dois shows da pesada: primeiro os mineiros do Varanda, que lançaram o ótimo disco de estreia Beirada no ano passado, e toda a euforia da big band Grand Bazaar. Vai ser uma noite e tanto! Os ingressos já estão à venda neste link.

Com grandes poderes…

O cearense Mateus Fazeno Rock sentiu o peso da responsabilidade na apresentação que fez nesta quinta-feira na Casa Natura Musical. Reunindo um time de peso para mostrar seu Jesus Ñ Voltará, um dos grandes discos do ano passado, em grande estilo, ele quase escorregou na saída e bambeou quando um problema técnico o fez parar a apresentação para recomeçar do zero. Podia ter atropelado o erro e seguido em frente, mas sabendo da importância da apresentação, preferiu fechar as cortinas e voltar com tudo – invertendo inclusive o repertório para não simplesmente repetir a abertura original. E nestes momentos que você percebe a grandeza de um artista. Visivelmente nervoso na abertura que deu errado, ele voltou com sangue nos olhos e crescia a cada nova música – e a cada novo convidado. E que time: Fernando Catatau, Don L, Jup do Bairro, Brisa Flow e Mumutante, todos eles entrando no universo dramático do autor da noite, mesmo quando cantavam músicas próprias. A vocalista Mumutante era mais que participação especial e esteve durante todo o show com o grupo de Mateus (que ainda conta com os excelentes dançarinos Larissa Ribeiro e Raffa Tomaz e o DJ Viúva Negra), funcionando como segunda voz e calçando perfeitamente com o domínio que Mateus ia tendo do palco, seja só rimando ou tocando guitarra ou violão. E ele segue vindo…

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Camadas de referência

Bastou o momento em que Juçara Marçal e Alzira E dividirem o palco na noite deste domingo pra valer o 2024 todo até aqui. Mas o encontro destas duas não aconteceu só no momento em que as duas diviram a emblemática “Tristeza Não”, pois reunir o show das duas numa mesma ocasião foi uma bela sacada da Casa Natura Musical. Alzira começou os trabalhos com seu Corte, banda formada por Marcelo Dworecki (baixo e guitarra), Cuca Ferreira (sax), Daniel Gralha (trumpete) e Fernando Thomaz (bateria), mostrando músicas do ótimo Mata Grossa, lançado no ano passado, além de passar por canções do disco de estreia do grupo, de 2017. O entrosamento entre todos está tinindo e elevam a vocalista e baixista do pantanal à sua natural posição majestática, onde, seja bradando o microfone ou empunhando seu baixo, que por vezes encontrou-se com o de Dworecki, deixando o peso da banda ainda mais evidente – algo bem realçado pelo Berna, que estava tomando conta do som.

Quando Juçara subiu depois, todo o peso de seu Delta Estácio Blues – cada vez mais implacável a cada nova apresentação – foi elevado. Primeiro pela liga quase metálica entre ela, Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Alana Ananias. Depois ao temperar o show com citações do disco de seu remixes que acabou de ser lançado – e que Juçara anunciou que irá se transformar em festa no porão da Casa de Francisca, com discotecagem do Mbé, nos dias 16 e 17 de maio – imperdível! Depois com a participação da mestra que abriu o show, Alzira E. A citada “Tristeza Não”, de Itamar Assumpção e Alice Ruiz, já eternizada pelo Metá Metá, ganhou um força e uma energia ainda mais intensa com a presença de Alzira e, como conversei com o Cuca logo na saída do show, aquele encontro das duas abriu camadas e camadas de referência, mostrando como a cena nascida no Lira Paulistana segue firme e forte na atual cena independente paulistana. Que momento!

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Uma missa humanista

Cada apresentação de seu Mateus Aleluia é um convite à reflexão – e não foi diferente neste domingo, quando apresentou-se pela segunda vez no fim de semana na Casa Natura Musical. Com sua fala mansa e pausada e seu timbre de voz grave e profundo, ele conduziu a apresentação com seu violão ao lado do percussionista Day Brown, o contrabaixista Alexandre Vieira e o flautista Rodrigo Sestrem, cada um deles temperando com seu instrumento a elegia do mestre baiano. Aleluia costurava uma filosofia ecumènica (de saudações a entidades afrobrasileiras até à celebração judaica “Hava Nagilla”) com suas canções atemporais, da ancestral “Deixa a Gira Girar”, imortalizada por seus Tincoãs, com a qual abriu o show, à “Fogueira Doce”, faixa-título de um de seus discos mais recentes. Por toda a apresentação, ele temperava esse percurso com uma pregação existencial que por vezes incitava o público à dança ou à celebração e por outras emudecia todos os presentes ao fazer verter lágrimas em uma missa humanista. “Toda a cultura vem de um culto”, comentou ao frisar o quanto estávamos em pleno trabalho espiritual travestido como show de música. Ver seu Mateus ao vivo é sempre uma experiência transcendental e uma bênção plena. Aleluia!

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Para além do palco

A experiência Ava Rocha ao vivo sempre transcende o palco e não foi diferente nesta quinta-feira, quando ela mostrou mais uma vez seu suntuoso Nektar, desta vez no palco da Casa Natura Musical. A interação entre a cantora e compositora carioca com seu público é cada vez mais intensa – e ela desceu duas vezes para cantar no meio do povo, depois de entregar maçãs e bebida para os fãs embevecidos que estavam grudados na beira do palco. E amparada por uma banda (quase) sem guitarras, formada por Chicão Montorfano, Vini Furquim, Gabriel “Bubu” Mayall, Charles Tixier e Yandara Pimentel, ela não apenas passou pelo repertório do novo álbum, como visitou hits dos discos anteriores (incendiando os fãs com “Lilith” e “Joana Dark” ou a seduzindo em “Você Não Vai Passar” e “Transeunte Coração”) e outros sucessos populares que já incorporou ao novo show, como “Conselho” do grupo Revelação e “Todo Mundo Vai Sofrer” de Marília Mendonça. Ava no meio do povo é bom demais.

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Celebrassom!

Qualquer apresentação de Hermeto Pascoal é um choque fulminante de energia musical capaz de ligar qualquer ser vivo e conectá-lo ao mergulho sônico que convulsiona no palco. O bruxo rege tudo com seu magnetismo e todos os integrantes de sua banda não tiram o olho dele quando ele assume os teclados. Por vezes, senta-se apenas para apreciar seus músicos tocarem – e o entrosamento de Jota P., André Marques, Itiberê Zwarg, Ajurinã Zwarg e do filho Fabio Pascoal é de uma conexão única, que, à medida em que o show vai passando, vai sugando o público. Hermeto, lógico, é o principal foco de atração em toda Casa Natura Musical, onde aconteceu o show desta quinta-feira, e vai regendo tanto seu conjunto quanto o público como uma criança molda um boneco com argila, apenas brincando. Pede para os músicos solarem, mudarem o andamento ou o timbre do instrumento enquanto faz a audiência repetir frases musicais simples que vão se tornando cada vez mais complexas. O grupo ainda contou com a presença do trompetista Luís Gabriel, que apimentou ainda mais a parte final da noite. Uma celebração musical que mais tarde o próprio me corrigiria – “celebrassom!”, inventou a palavra para mostrar que as duas coisas – a festa e a música – são uma coisa só. Pura magia.

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Dois pernambucanos em Minas Gerais

Que maravilha esse tributo que os pernambucanos Zé Manoel e Amaro Freitas estão fazendo ao Clube da Esquina e que aconteceu nessa sexta-feira na Casa Natura. Em alguns momentos os dois dividem o piano, mas em grande parte do show os dois conduzem sua veneração a esta sagrada igreja mineira de som cada um em seu plano – um no canto, outro no piano. Zé assume seu lado crooner e canta lindamente quase todo o show, acompanhado do piano forte de Amaro, tornado delicado graças ao disco homenageado. O público acompanhou tudo quase em silêncio, sussurrando os hits mais conhecidos, a não ser quando eram instigados por um dos dois a soltar a voz ou bater palmas (ou quando Amaro sacava o celular no meio do show para filmar o público cantando junto). Uma noite de chorar.

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Música que cura

Mais um banho de axé que é esse show que o Russo Passapusso formou ao lado da sua dupla de ídolos Antonio Carlos e Jocafi aconteceu nessa sexta-feira, na Casa Natura Musical, que ainda contou com a presença de Karina Buhr em duas canções. Não bastasse o encontro mágico deste trio, que, mais uma vez, usa o recurso cênico da mesa de boteco para recuperar as energias dos veteranos da música baiana, a banda formada para acompanhar esse encontro é inacreditável: Curumin, Zé Nigro, Lucas Martins, Saulo Duarte, Maurício Badé, Edy Trombone, Estefane Santos e o maestro Ubiratan Marques, além da participação do ator Luiz Carlos Bahia. No final da noite, o vocalista baiano emendou duas faixas de seu primeiro disco solo (a faixa-título “Paraíso da Miragem” e “Paraquedas”) e transformou tudo em vibração curativa junto ao público que era exatamente o que ele estava precisando, num final emocionante. É o melhor show brasileiro atualmente, se passar por perto, não deixe passar – que a alma sai nova em folha.
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Unidos por João Gilberto

Apesar de ambos serem octagenários, Jards Macalé e João Donato, que apresentaram-se nessa quinta-feira na Casa Natura Musical, são de gerações diferentes. Gravaram juntos há quase dois anos o sensacional Síntese do Lance completamente entrosados, mas os oito anos que os separam eram uma era geológica quando começaram na música – Jards ainda estava aprendendo a tocar seu violão quando Donato já se esbaldava na vida noturna carioca com seu piano. O ponto em comum, relembrado pelos dois, era João Gilberto: um dos primeiros ídolos de Jards tocava nos mesmos palcos que também se apresentava o tecladista acreano quando nem bossa nova existia e a aura do velho baiano pairava sobre a apresentação que fizeram juntos – num momento central do show, literalmente, quando Jards invocou o fantasma de João quando telefonou para seu velho número e recebeu uma canção postumamente (“Um Abraço do João”) seguido de uma canção de Donato que teve sua letra escrita por João (“Minha Saudade”). O entrosamento dos dois músicos era patente, mas a idade faz com que os dois não atravessem toda a apresentação juntos, fazendo sets solo ao lado dos músicos que os acompanhavam (o baixista Guto Wirtii, o baterista Renato Massa Calmon, o trumpetista José Arimatéia e o trombonista Marco Aurélio Tiquinho). Mas o bom mesmo era quando Jards e Donato estavam no palco ao mesmo tempo, celebrando uma música brasileira que ajudaram a transformar. Foi foda.

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