Fala, DJ!

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Em entrevista à Carta Capital, KL Jay, o DJ dos Racionais MCs, solta o verbo sobre política, religião, polícia, racismo e mentalidade colonial no Brasil.

Emicida e a importância de compartilhar informação

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Em mais uma entrevista, desta vez pra Carta Capital, o jovem Leandro comenta o momento político esquisito que o Brasil atravessa atualmente:

Estados Unidos espionando o Brasil?

Um comentário de Bob Fernandes:

Mais capas de revista

E os caras do Puxa Cachorra curtiram a idéia de brincar com as capas de revista

Tem mais lá.

Mais USP x PM


Foto: UOL

Mais gente falando sobre o caso da semana, em diferentes textos. Começo com o Matheus Pichonelli, da Carta Capital:

Ao que tudo indica, a ocupação da reitoria da USP foi de fato patrocinada por um grupo de aloprados, que atropelou o rito das assembleias realizadas até então e, num ato de desespero (calculado?), fez rolar morro abaixo uma pedra que, aos trancos, deveria ser endereçada para pontos mais altos da discussão.

Uma vez que essa pedra rolou, como se viu, tudo desandou. Absolutamente tudo, o que se nota pela declaração do ministro-candidato-a-prefeito (algo como: bater em viciado pode, em estudante, não) e do governador (vamos dar aula de democracia para esses safadinhos), passando pela atitude da própria polícia (tão aplaudida como o caveirão do Bope que arrebenta favelas), de cinegrafistas (ávidos por flagrar os “marginais” de camiseta GAP) e de muitos, mas muitos mesmo, cidadãos que só esperavam o ataque aéreo dos japoneses em Pearl Harbor para, em nome da legalidade, arremessar suas bombas atômicas sobre Hiroshima.

O episódio, em si isolado, é sintomático em vários aspectos. Primeiro porque mostra que, como outros temas-tabus (questão agrária, aborto…), a discussão sobre a rebeldia estudantil é hoje um convite para o enterro do bom senso. O episódio foi, em todos os seus atos, uma demonstração do que o filósofo e professor da USP Vladimir Safatle chama de pensamento binário do debate nacional – segundo o qual a mente humana, como computadores pré-programados, só suporta a composição “zero” ou “um”. Ou seja: estamos condicionados a um debate que só serve para dividir os argumentos em “a favor” ou “contra”, “aliado” ou “inimigo”.

Vale analisar a tal dicotomia exposta por Safatle:

De fato, o Brasil tem de conviver atualmente com debates onde o mundo parece se dividir em dois. Não há nuances, inversões ou possibilidades de autocrítica.

Jean-Paul Sartre costumava dizer que o verdadeiro pensamento pensa contra si mesmo.

Este é, por sinal, um bom ponto de partida para se orientar em discussões: nunca levar a sério alguém incapaz de pensar contra si mesmo, incapaz de problematizar suas próprias certezas devido à redução dos argumentos opostos a reles caricatura.

Afinal, se estamos no reino do pensamento binário, então só posso estar absolutamente certo e o outro, ridiculamente errado. Daí porque a única coisa a fazer é apresentar o outro sob os traços do sarcasmo e da redução irônica. Mostrar que, por trás de seus pretensos argumentos, há apenas desvio moral e sede de poder.

Isso quando a desqualificação não passa pela simples tentativa de infantilizá-lo. Alguns chamam isso de “debate”. Eu não chegaria a tanto.

Infelizmente, tal pensamento binário tem cadeira cativa nas discussões políticas.

Se você critica as brutais desigualdades das sociedades capitalistas, insiste no esvaziamento da vida democrática sob os mantos da democracia parlamentar, então está sorrateiramente à procura de reconstruir a União Soviética ou de exportar o modelo da Coreia do Norte para o mundo.

Se você critica os descaminhos da Revolução Cubana ou a incapacidade da esquerda em aumentar a densidade da participação popular nas decisões governamentais, criando, em seu lugar, uma nova burocracia de extração sindical, então você ingenuamente alimenta o flanco da direita.

Esse binarismo só pode se sustentar por meio da crença de que nenhum acontecimento ocorrerá. Tudo o que virá no futuro é a simples repetição do passado. Não há contingência que possa me ensinar algo. Só há acontecimento quando este reforça minhas certezas.

Forastieiri olha por sobre os grupos envolvidos e procura os chefes:

O reitor da USP, João Grandino Rodas, iria ser diferente de seus patrões? As denúncias contra ele se acumulam, e vão da mera extinção de cursos e compra duvidosa de imóveis a atitudes francamente brucutus, como chamar a Tropa de Choque para resolver outra ocupação (em 2006) e realizar demissão em massa de 270 funcionários em janeiro de 2011.

Chamado pela Assembleia Legislativa para se explicar, simplesmente não apareceu. Chegou a ser declarado Persona Non Grata pela congregação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, com apoio do Centro Acadêmico 11 de Agosto.
Este último foi só mais um enfrentamento. Outros necessariamente acontecerão. E não só entre os estudantes e as autoridades da USP. Porque o problema não é a USP, ou seus estudantes, ou a PM. O problema não é nem o reitor.
O problema é quem indica o reitor, a quem interessa a militarização do governo, e principalmente quem comanda os comandantes. Da próxima vez, sugiro à rapaziada começar a ocupação pelo Palácio dos Bandeirantes.

O Pablo Ortellado segue ampliando a discussão sobre a situação da USP:

Mas o elemento importante, ausente no debate, é a ameaça de uso da força policial para reprimir o movimento estudantil e o movimento sindical. Permitam-me uma breve digressão para argumentar como as duas coisas se juntam.

Maquiavel, teórico da política, defendia numa obra famosa (Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio) que a causa da intensa e fratricida violência política da cidade de Florença era a não institucionalização dos seus conflitos. Em Florença, dizia Maquiavel, cada partido (os guelfos e os gibelinos, os negros e os brancos, os nobres e o povo) consolidavam a vitória com a expulsão do partido adversário da vida política da cidade – de maneira que só restava ao grupo derrotado atuar de fora do jogo político estabelecido, preparando um golpe de estado. O resultado era uma vida política violenta e sanguinária, sem estabilidade política e sem paz interna.

Guardadas as grandes diferenças de contexto histórico, essa é uma excelente explicação para a conturbada vida política da Universidade de São Paulo. Ao contrário das outras grandes universidades públicas, como a Unicamp ou as federais do Rio, Minas e Rio Grande do Sul, a gestão da USP é incrivelmente não democrática, o que, com os anos, empurrou todos os setores não alinhados com o grupo no poder para ação extra-institucional – simplesmente por falta de opção. As eleições para reitor na USP são definidas por um colegiado de apenas 100 pessoas – dessas, há 1 representante dos professores doutores (que compõem a maioria dos docentes), 14 representantes dos estudantes e apenas 3 dos funcionários. Os demais são representantes dos órgãos de direção que, com poucas exceções, se autoperpetuam no poder. Todas as comissões estatutárias são compostas pelas mesmas pessoas que se alternam nas diferentes funções há décadas. É um jogo marcado, viciado e sem qualquer espaço para que a comunidade de 80 mil alunos, 15 mil funcionários e 5 mil professores consiga se manifestar ou influir efetivamente nas decisões. Essa forma institucional excludente e arcaica empurrou as forças políticas para atuar por meio de greves, piquetes e ocupações de prédios, já que simplesmente não têm outra maneira efetiva de atuar.

Para complicar ainda mais a situação, nem mesmo esses injustos procedimentos de eleição de reitor foram honrados, já que na última eleição o governador escolheu o segundo colocado na lista tríplice. E esse segundo colocado, o reitor João Grandino Rodas, tem tido uma gestão fortemente confrontativa, impondo decisões injustas e ameaçando a dissidência com o uso de força policial. Quando ainda era apenas diretor da Faculdade de Direito, o atual reitor usou a força policial para expulsar o MST do prédio da faculdade e, noutra ocasião, fechou o prédio e suspendeu as aulas para impedir que uma passeata de estudantes entrasse no edifício. Ele também foi o principal articulador da entrada da polícia no campus para desocupar a reitoria, o que resultou numa abusiva ação policial que feriu professores e estudantes. Pois é exatamente este reitor que está agora autorizando a atuação ilimitada da polícia no campus o que, dado o seu histórico, não pode deixar de ser visto como uma ameaça do uso deste contingente para reprimir as únicas formas efetivas de atuação política do movimento estudantil e dos sindicatos.

Leonardo Borges Calderoni e Pedro Ferraracio Charbel aprofundam-se nesse tema:

Reconhecer os problemas da gestão Rodas é, sem dúvida, um passo importante. É fundamental, todavia, entendermos que o reitor que está sob investigação do Ministério Público encontrou na estrutura da própria universidade as possibilidades para assim atuar. Mais do que uma “persona non grata”, há na USP toda uma “estrutura non grata”. E no caso da Cidade Universitária, além da estrutura decisória, também a estrutura física precisa ser rearquitetada.

Quando o diálogo não for mais uma promessa vazia e a democracia uma propaganda enganosa, aí sim a USP poderá deixar seus dias de ilha e autonomia seletiva para trás. A USP não deve mais ser um enorme terreno desértico, hostil e sem iluminação; assim como deve se afirmar enquanto universidade pública à serviço da comunidade. A universidade deve ser permeável à sociedade em sua totalidade, não só no que diz respeito à polícia – cuja atuação e estrutura devem ser questionadas dentro e fora do campus. Só assim, a Cidade Universitária será um lugar muito mais seguro e, principalmente, muito mais útil à cidade que a abriga e aos cidadãos que a sustentam.

Fernando Henrique Cardoso, canabista e acadêmico, saiu pela tangente (embora condene a repressão):

Depende, porque a lei especifica quantidades diferentes… Mas eu acho que tem que ter um certo recato. O fato de você estar ali abertamente é uma provocação, não vejo razão para isso.

E tanto o Dafne, o Antonio Prata e o Marcelo Rubens Paiva lembram-se dos seus tempos de universidade para voltar ao tema principal. O melhor é que tudo isso está sendo posto em discussão – e os reaças de plantão seguem latindo sozinhos, sem participar desse diálogo.

Deveras esclarecedora…

essa matéria da Carta Capital sobre os “injustiçados” pelo MinC.

Trabalho novo

“Nossa vida é o assassinato pelo trabalho: durante sessenta anos ficamos enforcados e estrebuchando na corda, mas não a cortamos”

Duas publicações na banca falam de um assunto que eu venho falando há um tempo e que, pouco a pouco, vem sendo assimilado (mesmo que na marra) pela maioria das pessoas: como o trabalho (emprego, salário, benefícios, horário, patrão, essas coisas) se tornou uma coisa completamente sem sentido e que as pessoas precisam se divertir, ficar sem fazer nada, contemplar a vida e fazer o que gostam, em vez de gastarem sua energia vital sem a mínima salubridade.

A Trip traz uma matéria sobre coletivos em que lista nomes como Bijari, Formigueiro e Instituto, entre outros, como exemplos de novas formas de trabalhar. A matéria começa com a tônica de provocação típica deste assunto: “Você tem um sonho profissional e acha impossível realizá-lo? Por quê? Você não tem um monte de amigos na mesma situação?” pra continuar: “Está sem emprego e sem perspectiva? Cansou de engolir chefe mala? Não quer um trampo burocrático numa grande empresa? A revolução está nas suas mãos”.

O único porém da matéria é fechar-se em grupos tecnocêntricos (gente que faz bonito porque, entre outras coisas, investiu em equipamento) e ficar só no eixo Rio-SP. O único coletivo mais lo-fi citado é a Livros do Mal, mas há coletivos espalhados por todo o Brasil e que não tem muito mais equipamento do que o básico (computador, alguns programas, acesso à internet – às vezes menos que isso), gente trabalhando em condições muito mais próximas da realidade do que parece supor o texto. Entre os coletivos citados está a Conspiração Filmes, que, apesar de na prática funcionar como um coletivo, vive uma esfera mais próxima das agências de publicidade. Mas, no geral, a pauta é boa e é bom saber que tem gente no mercado editorial vendo esse tipo de coisa.

(Um parágrafo/parêntese para comentar uma das capas, com o Sérgio Dias: é a segunda vez que os Mutantes aparecem em uma capa de revista – e com a mesmíssima foto que foi capa da Bizz numa das edições de seu último ano de existência. Até aí vai. Foda é identificar o cara como “Sérgio Batista”, sendo que nem é preciso manjar muito de Mutantes pra saber que os irmãos Arnaldo e Sérgio dividiram seus sobrenomes irmãmente: Arnaldo ficou com o Baptista (com o P mudo) e o Sérgio ficou com o Dias – tanto é fato que a revista publica o email e o site do músico (www.sergiodias.com.br). Mas o pior é o rancor do guitarrista, que atravessa toda a entrevista, culminando com a pérola: “Drum’n’bass? Hip hop? Cadê o movimento cultural por trás disso?”. Ficar velho é uma bosta…)

A outra revista que aborda a doença que se tornou o trabalho é a edição da semana da Carta Capital. A pauta é explicada na própria capa: “Quando o trabalho destrói a vida: quem tem o privilégio de estar na ativa sofre cada vez mais de ansiedade, depressão e estresse. Pesquisadora canadense diz: ‘O brasileiro trabalha demais'”. Ainda há textos sobre e-escravidão e um manifesto-relâmpago do Robert Kurz, do grupo Krisis. Vale citar um trecho de um artigo do professor Thomas Wood Jr., o guru de administração de empresas da revista:

“Eventualmente, pergunto a gerentes e alunos de programas executivos como anda seu dia-a-dia profissional: a resposta vem em forma de desabafo, seguido por histórias de terror sobre jornadas diárias de 14 ou 16 horas, pressões imensas e prazos impraticáveis. Então, lanço uma segunda pergunta: e o que vocês têm realizado de importante e interessante, ultimamente? Segue notável, significativo silêncio”

Pelo menos algumas coisas estão sendo ditas.

“Vozes em sua cabeça dizem: ‘Pare de gastar seu tempo, nada vai acontecer. Só um tolo acreditaria que alguém irá te salvar. Os caras da fábrica estão velhos e cansados, você não tem nada a perder, por isso saia correndo. São os melhores anos da sua vida que querem roubar”

As aspas do começo do texto é a frase que encerra o Manifesto Contra o Trabalho, do grupo Krisis (você nunca leu o Manifesto? Pô, tem de graça na internet – use a impressora do seu patrão contra ele), retirada da peça A Morte de Danton, de 1835, do dramaturgo austríaco Georg Büchner. As aspas do final é a parte do meio de “Clampdown”, do Clash.