O fim de Lost por Camila Saccomori

Eu me lembro quando a série começou, em 2004, e as primeiras teorias sobre Lost começaram a pipocar nas publicações gringas. Assim que começou a fazer sucesso e merecer teorias mirabolantes, uma das primeiras hipóteses era a do “purgatório” (junto a outras que diziam que a humanidade foi extinta ou que era tudo uma alucinação ou que era um projeto científico). Venceu a primeira alternativa, o “purgatório adaptado” ou uma espécie de limbo necessário antes de se atingir a redenção. No eterno dilema entre fé x razão, a primeira levou a melhor.

A quem pensava (como eu) que a ciência explicaria tudo resta um grande “só lamento”. Mas não é difícil compreender esta explicação do final e fazê-la encaixar com todas as seis temporadas anteriores. Pensando bem, quem acreditou nessa hipótese durante toda a duração da série deve estar com um grande sorriso no rosto até agora. E, ah, como eu queria nunca ter desistido desta ideia! Ok, os produtores sempre negavam a teoria (e caso eles admitissem, vamos combinar que seria chatíssimo ter um “spoiler oficial”).

Também não é difícil aprovar esta escolha para solucionar a série. É claro que uma solução narrativa considerada “fácil” – tão fácil quanto dizer “era tudo um sonho”, justamente o final proposto por Stephen King quando questionado sobre como ele terminaria Lost se fosse o autor. No entanto, o “fácil” mesmo é criticar sem dar uma segunda chance para a compreensão total da série. Lost não seria Lost se não precisasse de textos intermináveis para ser explicada. Tampouco há certo ou errado em se tratando de Lost, pois o fã faz o seu próprio sentido (gostando ou não da série).

Nada nunca foi mastigado na série. Não seria no momento final que isso mudaria.

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Desde o primeiro episódio da primeiríssima temporada, quando fomos apresentados à estrutura narrativa principal de LOST – os tais “flashbacks” – estávamos conhecendo o passado de cada um dos personagens. Seus erros e seus fantasmas que os perseguiam no momento da queda do avião da Oceanic, voo 815, tudo estava lá. Na ilha, de um jeito ou de outro, cada um dos personagens conseguiu “expurgar” os esqueletos no armário ou trabalhar seus problemas. Essa seria uma das interpretações.

A quem já chegou neste parágrafo pensando “que bobagem”, tomo como exemplo o próprio Sayid, uma recente “redenção” que ficou marcada na memória dos lostmaníacos. Mesmo após ter morrido, voltado à vida de forma misteriosa no templo e ficado meio zumbi, o iraquiano conseguiu salvar muitas pessoas. No passado, havia tirado muitas vidas. Seria, pela lógica do purgatório/limbo, uma maneira de “compensação”.

A cada minuto que penso na solução do purgatório as coisas começam a fazer sentido. O avião caiu, os personagens ficaram vagando pela ilha (como alguns até hoje estão lá sem conseguirem “se libertar”, conforme as explicações do que são os “sussurros”) e cumpriram sua pena para terem direito á passagem para outro lugar/outro mundo/outra dimensão. Os flashsideways representariam isso, então: um limbo antes da redenção final. Não gosto de classificar como “céu ou inferno”, ainda que estas serão expressões muito citadas nos próximos dias. Quando os losties estão reunidos naquela espécie de igreja, fica claro que a cruz que cada um carregava já não importa – e eles estão prontos para o próximo passo.

Nesta simbologia identificamos ainda a presença de certos personagens como “seres especiais” que ajudaram os losties a cumprirem essa jornada. Citaria Desmond como o principal – coube a ele resgatar um a um os “passageiros” e guiá-los para a tomada de consciência (com cenas emocionantes de cada um lembrando de sua história na ilha). Também outros como Charlotte, Faraday e Miles (que não tiveram essas “visões” no flashsideways e que foram parar na ilha para ajudar os losties) se encaixariam nessa teoria de ajudantes. Perdoem-me se parece que eu vejo Supernatural em excesso, mas neste caso caberia chamá-los de “anjos”, na minha opinião. E que dizer, então, de Hurley, que ficou de guardião da ilha e que teve papel central nos últimos episódios, demonstrando o poder de se comunicar “com o lado de lá”?

Enquanto tentávamos explicar os flashsideways pelo mundo da física, os produtores estavam escrevendo uma história inteiramente baseada na fé.

No entanto mesmo a “parte da ciência” pode ser explicada com a premissa do purgatório. Um exemplo corriqueiro entre os chamados “mistérios da ilha”: por que as mulheres que engravidavam na ilha morriam? Uma resposta é que elas já estariam mortas, portanto não poderia gerar novas vidas. Sendo assim, como que Claire e Sun tiveram seus filhos? É que elas já estavam grávidas quando caíram e morreram na ilha. Pensando sob a ótica do “eles estavam todos mortos”, faz sentido. A filha de Sun e Jin, portanto, nunca existiu.

* Camila publicou este texto em seu blog.