Bom Saber #039: Cadão Volpato

Aproveito a passagem do vocalista do Fellini por São Paulo – ele que agora reside em Nova York – para conversar sobre sua estada na maior cidade dos EUA e sua relação pessoal com ela e sobre as obras que lançou nos últimos anos, os livros À Sombra dos Viadutos em Flor e Espíritos de Carros Quebrados e a caixa A Melhor Coisa Que Eu Fiz, da banda que diz ter encerrado suas atividades em 2020 (de novo?). E antecipa em primeira mão o livro que está escrevendo sobre Pelé, seu grande ídolo.

Assista aqui.  

A volta dos que foram

Pappon e Volta, em Maastricht. Holanda, 1994

Pappon e Volta, em Maastricht. Holanda, 1994

Ambos no hemifério norte, cada qual em um continente, Cadão Volpato e Thomas Pappon criam seu primeiro projeto conjunto pós-Fellini, batizado apenas com seus sobrenomes. Volpato & Pappon começou há cinco anos com Thomas, que já está em Londres há quase três décadas, brincando com samples e os dividindo com Cadão, que ainda morava em São Paulo, num processo parecido com o do disco mais recente do Fellini, Amanhã é Tarde, de 2002. De lá para cá, compuseram cinco canções e nesse meio tempo, Cadão mudou-se para Nova York, tornando a dupla central do clássico grupo indie paulistano ausente de seu país no momento mais bizarro de sua história. E é assim, exilados do Brasil, que lançam, nas plataformas digitais, seu primeiro EP, batizado ironicamente com o título de uma das faixas, “Eles Ressuscitarão”. Bati um papo com os dois por email sobre este novo projeto.

Como este Volpato & Pappon começou?
Cadão – Acho que foi em 2015. A ideia do Thomas era fazer algo diferente do Fellini, mais experimental.
Thomas – Há 4 anos, voltei a fazer música aqui em casa, em Londres, comecei a brincar com um sample do Quarteto em Cy. Achei que podia servir para algo tipo Fellini, e o Cadão topou fazer letra e voz. Ele estava em Sao Paulo. Mandei a música, ele fez a letra, gravou a voz num iPhone ouvindo a música no fone de ouvido, e me mandou a voz. Eu mixei, acrescentei umas coisas.
Cadão – Começamos com… “Dinheiro” – claro, tudo foi sempre uma mera questão de…. Ele me mandou a música, eu fiz a letra e gravei no celular. Mandei de volta e ele fez o trabalho todo. Simples assim.
Thomas – Fizemos quatro canções em quatro anos. Nesse ano, achei que estava na hora de lançar isso de algum jeito, e que, para um EP, precisávamos de mais uma música.
Cadão – Lembro que a sensação foi sempre mais ou menos a mesma ao receber as músicas ao longo dos anos – a última, “Tudo tem seu tempo”, chegou aqui em Nova York em maio de 2019, e foi a que mais demorou para sair – e é a de que gosto mais no momento -: espanto. O Thomas sempre me surpreende.
Thomas – Insisti com o Cadão, que nesse meio tempo se mudara para Nova York, para retomar uma musica que a gente havia abandonado. Assim, rolou ‘Tudo Tem Seu Tempo’. Et voilà.
Cadão – Acho que os arranjos que ele fez para as cinco músicas são notáveis, estão em outro patamar da evolução de um talento que sempre admirei muito. E ele também sabe ser engraçado e devotado à ideia, toques naturais do Fellini.

A composição remota inspirou a criação?
Thomas – Acho que sim. O ‘Amanhã é Tarde’ foi criado assim, funcionou bem. A diferença é que, naquela vez, o Cadão veio a Londres pra gravar as vozes aqui em casa. Dessa vez foi tudo remoto.
Cadão – Não a distância, mas a composição em si. Porque sempre foi assim: a música primeiro, depois a letra. A música dita o que ela quer – e às vezes ela é uma tirana. O importante é que o barato de compor em dupla continua intacto.

O fato de vocês serem brasileiros exilados deste Brasil do final dos anos 10 influenciou no projeto?
Thomas – Difícil ser categórico nessa resposta. Será que a distância influencia? No caso do Cadão, o ‘exílio’ foi recente. Eu estou há 28 anos fora do Brasil, mas tenho fortes laços emocionais e culturais com o país. E em música, tudo o que faço é pensado como MPB. É onde enquadro Fellini, The Gilbertos e Pappon & Volpato. Por outro lado, sim, os dois ouvem bandas e artistas de fora. O Cadão curte Patti Smith, Bob Dylan, adora os poetas beat – deve ter sido uma das razões para curtir a ideia de morar em Nova York. E tudo isso tá no EP.
Cadão – Bom, eu estou em Nova York há dez meses, o Thomas já perdeu a conta do tempo em que está na Europa. Mas para mim o tempo tem passado como um jato – “O tempo envelhece depressa”, segundo o Antonio Tabucchi. Minha impressão é de estar longe há anos. Então, acho que “exílio” pode ser um definidor, porque muita coisa ficou para trás, incluindo um país. Note que uma das músicas já fala de Nova York. Outra (“Dinheiro”), parece não ter um país. Outra (“Eles Ressuscitarão”), recorda velhos verões. Outra diz: “Eu sempre estive longe”. E assim por diante. Tudo é muito sincero, podes crer.

Há planos de fazer shows?
Cadão – Não me parece que eles ressuscitarão. No entanto, quem sabe o cara não vem a Nova York e a gente arruma alguma coisa aqui, na raça, como fizemos em 1990 – e como está na música “Nova York 90”? Amanhã nunca se sabe.
Thomas – Não pra tocar essas musicas, elas são meio ‘intocáveis’. Mas outro dia consideramos— e curtimos — a ideia de fazer um show numa livraria em Nova York, e outro num cafe aqui em Londres. Em duo: voz e violão. Tocando musicas do Fellini. O saco é ter de ir atrás para agitar essas coisas.

São Paulo: Capital Tropicalista

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O Centro Cultural São Paulo celebra os 50 anos da Tropicália com o evento São Paulo: Capital Tropicalista, uma exposição sobre o aniversário do movimento que chacoalhou a música brasileira há meio século, que tem dois eventos em sua abertura, nessa sexta: o músico e historiador Cacá Machado fala sobre o clássico Tropicália ou Panis et Circensis, disco-manifesto que colocou o tropicalismo no mapa de nossa música, na Praça das Bibliotecas, às 18h, e em seguida, o diretor do CCSP, Cadão Volpato, conversa com o mestre Tom Zé sobre a São Paulo que viu o movimento nascer e crescer em 1968. Todas as atividades são gratuitas (mais informações aqui).

Centro do Rock 2017: Maglore

maglore2017

A banda baiana Maglore dá continuidade às atividades no Centro do Rock no Centro Cultural São Paulo nesta sexta-feira, quando despede-se CCSP de seu terceiro álbum, III, num show que já está com ingressos esgotados (mais informações aqui). O grupo também aproveita para lançar o vídeo (abaixo) da música “Ai Ai”, que acaba de entrar na trilha sonora do seriado Malhação, que agora está nas mãos no Cao Hamburger. Também acontece hoje um debate sobre crítica musical e rock, às 19h, com mediação de Cadão Volpato, diretor do CCSP, e participação dos jornalista Lucio Ribeiro e Alex Antunes.

Hugo Cabret é o Harry Potter do Scorsese

Semana passada estive no Metrópolis da TV Cultura para falar sobre o filme mais recente do Scorsese, A Invenção de Hugo Cabret, que é lindaço (já tinha escrito sobre ele – sem spoilers – no ano passado). Se você não sabe nada sobre o filme, recomendo que vá assisti-lo assim. O vídeo do papo que tive com o Cadão ao vivo, na sexta, segue abaixo:

Roberta Martinelli na TV

A querida Roberta, que apresenta o Cultura Livre na rádio Cultura AM daqui de São Paulo, já vinha experimentando com o vídeo em seu programa há um tempinho, filmando com webcam ou celular, transmitindo via twitcam e espalhando os vídeos pelo Facebook. Deu certo – e ela começa a apresentar um pequeno bloco do programa agora na TV.

E o riso nervoso no início da entrevista é só charme, em menos de meio minuto ela já mostra que nasceu pra fazer televisão. Não para por aí, vai vendo…

Fellini, 1999

Aproveito a deixa pra ressuscitar uma entrevista que fiz com Cadão, Thomas e Jair na época da primeira volta do Fellini, em 1999. O grupo ainda voltaria de novo para lançar um disco, justamente Amanhâ é Tarde, e fazer outros shows anos depois.

***

Em plenos anos 80, quando as rádios mascavam chiclete, as gravadoras usavam óculos escuros e rock era sinônimo de pop no Brasil, um grupo apareceu para mostrar que existia algo além do clichê rock’n’roll. Compondo sambas quadrados sob guitarras pós-punk, o Fellini era uma banda improvável numa década previsível. Formado por Cadão Volpato, Thomas Pappon, Jair Marcos e Ricardo Savagni, o grupo teve uma carreira marcada por fins e retornos, lançando toda sua discografia apenas por gravadoras independentes – num tempo em que a diferença entre independente e improvisado era nebulosa. Mas o grupo ia contra a corrente e se estabeleceu como um marco no pop brasileiro – a banda mais alternativa do rock nacional (antes mesmo de alternativo ser moda). Lançaram quatro discos (O Adeus de Fellini, Fellini Só Vive Duas Vezes, 3 Lugares Diferentes e Amor Louco), entre 85 e 90, quando pediram as contas. O grupo voltou à ativa no fim do ano passado quando deu três shows (em São Paulo, no Rio e em Brasília) e o Trabalho Sujo aproveitou o gancho para recontar a história do grupo. Pra isso, pedi ajuda a três quartos do grupo (Cadão, Thomas e Jair) em entrevistas separadas via email.

Quem formou o Fellini? Como a banda começou? Houve algum marco inicial da banda?
Cadão –
Thomas Pappon e eu. Tocamos pela primeira vez em maio de 1984, acho, num lugar chamado Alpendre, no Bixiga, em São Paulo. Arnaldo Batista, dos Mutantes estava neste show.
Thomas – Num papo de boteco, eu e o Cadão decidimos formar um grupo. Eu queria “compor” e tocar baixo (estava com o saco de cheio de tocar bateria, ficar confinado ao fundão e não ter muitas chances de apresentar idéias para canções). O Cadão queria fazer letras. Depois chamamos o Jair para a guitarra – que tinha tocado com o Cadão num grupo anterior, do qual não lembro o nome. Finalmente, quando ja tínhamos composto umas três músicas, cruzamos com o Ricardo, que estava começando a tocar bateria. E, sim, há um “marco”: por coincidência, nosso primeiro ensaio com a banda completa, foi no dia 18 de maio de 84 na casa do Ricardo. Era o quarto aniversario da morte de Ian Curtis. Nada como nascer cult.
Jair – Eu e o Cadão, tocávamos no grupo Toque de Recolher, punk rock meio militante, em 83. Mas o Stefano, que tocava baixo, detinha 90% da aparelhagem e resolveu acabar com a banda. Tempos depois, o Cadão me ligou, dizendo que tinha encontrado com o Thomas e queria formar um novo grupo. É bom lembrar que anteriormente, em 81, eu (no baixo), o Minho K (na guitar) e o Thomas (bateria) tambem já havíamos formado o The Internationalists. O nome, inclusive, era uma alusão aa 4a. Internacional. Tocávamos de new wave (Talking Heads, B-52’s, Joe Jackson, Pretenders, XTC, etc.) até Rita Lee, Luís Melodia e King Crimson… Animávamos as festas universitárias da USP, PUC, etc.Bem, então em maio de 84 nós nos encontramos numa lanchonete próxima à PUC. Ali acertamos de começaruma nova banda. O Thomas logo se apressou em nos chamar ate a casa dele, no Morumbi, para iniciarmos o primeiro ensaio, na mesma noite. Fomos num fusca azul do Thomas, quando o mesmo sugeriu o nome: “Fellini”. Uau, eu e Cadão aceitamos de imediato. Neste primeiro ensaio saíram riffs de duas ou três músicas, jamais gravadas, pelo que me lembro… Aí, chamamos o Ricardo Salvagni para tocar bateria (nem lembro como ele surgiu, pois não fazia parte da rapaziada que sempre se encontrava). Comecei com a guitarra, o Thomas no baixo e o Cadão cantando e compondo as letras.

Por que Fellini?
Cadão –
Fellini foi a primeira sugestão do Thomas. As bandas, nesta época, usavam nomes seriíssimos, pós-punks, como Mercenárias, Número 2, Voluntários da Pátria etc.
Thomas – Nesse mesmo boteco, eu e o Cadão fizemos um rápido brainstorm. Fellini foi um dos primeiros nomes sugeridos. Talvez por causa do nosso amor pelo cinema e por um disco que ouviamos muito na epoca, o Feline dos Stranglers, o nome ficou.
Jair – Bem, quem não gosta do nome? Soa bem, em primeiro lugar. E também todos sempre fomos amantes do cinema. Podemos hoje até considerar como uma homenagem ao Federico Fellini. Também gostavamos de um disco dos Stranglers chamado Feline. O Thomas fez a “salada” e o nome saiu…

O primeiro disco chama-se O Adeus do Fellini, que iniciou uma pequena obsessão sobre o fim do grupo. O que o “fim do Fellini” evocava pra vocês?
Cadão –
É uma brincadeira. Havia um disco do Durutti Column chamado The Return of Durutti Column. Achamos engraçado começar pelo fim, mas sempre quisemos acabar mesmo.
Thomas – O Cadão vai dizer que a idéia veio do Return of The Durutti Column, o primeiro disco do Durutti Collumn, mas não me recordo disso. Que me lembre, o Adeus… foi uma especie de gimmick dadaísta, que ironizava a fragilidade e a brevidade das bandas alternativas da época. Como é que um grupo desses poderia vir a fazer mais de um álbum? Também acho que isso foi uma tomada de posição, uma atitude politica mesmo, para deixar claro, desde o comeco: o Fellini nunca seria igual as outras bandas de “rock”.
Jair – Pra mim, encarava o nome do disco como algo surrealista. Particularmente, eu nunca gostaria que o grupo tivesse terminado, especialmente nessa primeira fase. Sim, eu pensava em ganhar dinheiro como fizeram o RPM, os Titãs, etc. Mas a história tomou um outro rumo para a gente, uma espécie de sucesso num “universo paralelo”. O grupo terminou pelo menos umas três vezes pelo que me lembro. Engraçado, o nome do primeiro disco acabou se tornando uma sina pra gente. Porém, eu via o nome apenas como uma brincadeira.

Toda discografia do grupo saiu via independente. Como é olhar pra trás e ver que vcs conseguiram sobreviver num meio que mal existia nos anos 80?
Cadão –
Motivo de muito orgulho e sobressalto pela cara-de-pau. A gente era muito ousado.
Thomas – Me lembro bem de como era difícil lançar discos na época. Mas creio que nós soubemos nos aproveitar bem da maior lição do punk, a do faça-você-mesmo. Não tínhamos nada a perder, todos na banda sabiam que jamais poderiamos viver do Fellini. Cada um dos quatro álbuns que lançamos foi como o parto de um filho. Estão entre as melhores lembranças da minha vida.
Jair – Acho realmente incrível. A estranheza que o nosso som causava à primeira impressão acabou virando o mote para o nosso “sucesso”. Muitos até não gostavam do grupo numa primeira ouvida, depois se acostumavam, gostavam e passavam a adorar. Genericamente falando, deve ter acontecido muito disso por ai. Olha, nos 80 havia uma cena interessante, sim. Ouviu falar de um suposto movimento auto-intitulado “Rock Paulista”? Pois é, fazíamos parte disso. Havia muitos shows em Sampa. Existiu um lugar de pouca vida chamado Napalm, onde muita gente começou a se apresentar (diga-se Ira!, Capital, etc.). Ai teve o Madame Satã, o Carbono 14 e o Radar Tantã. No final da decada, surgiu o Espaço Retrô. Todos estes espaços foram palcos de muitos encontros e projetos… E todos sobreviviam de certo modo…

Que tipo de música vocês ouviam nos anos 80? Quem influenciou o Fellini musicalmente?
Cadão –
Ouvíamos Stranglers, The Fall, db’s, Velvet. Mas as influências mesmo são de uma certa bossa nova um pouco mais oculta que aquela praticada pelos tops da MPB. De alguma forma eu me deixei influenciar – modestamente, claro – pelos gogós de Lúcio Alves e Serge Gainsbourg e pelas valsinhas dos Stranglers.
Thomas – No começo, apenas bandas européias como as inglesas The Fall, Stranglers, Joy Division, New Order, Gang Of Four, Cure e as alemãs Palais Schaumburg e Fehlfarben “palácios e cores que falham”). De influencia nacional, apenas o Lóki? do Arnaldo Baptista.
Jair – Bem, como narrei acima, com certeza: ouvia tudo de new wave, que acredito ter sido uma das bases da influencia do Fellini. Mas os 80 foram bem longos. Bem no comecinho eu e outra roda de amigos não perdiamos um só show do Colégio Equipe, organizados pelo Serginho Groisman. Na época, cheguei a assistir Adoniran Barbosa & Clementina de Jesus, Raul Seixas, Jorge Mautner… Eu apreciava muito a MPB daqueles idos. Através do Thomas, conheci muita coisa mesmo. O pai dele sempre trazia um grande pacote de encomendas quando voltava de suas costumeiras viagens à Alemanha. Ai, já viu, né? No início, o Fellini teve influências sim, principalmente do rock inglês. Depois enveredamos para um trabalho mais experimental, mais MPB (os sambas eletrônicos…), que acabaram caracterizando bem o estilo do grupo…

Qual o maior legado do Fellini?
Cadão –
Independência e senso-de-humor.
Thomas – Duas coisas. Primeiro, a atitude, a postura de anti-banda, como forma de criar um contrapeso ao clichê “roqueiro”, ditado pelas grandes gravadoras e grande maioria das bandas. Nós assimilamos totalmente a imperfeção, o erro, a falta de técnica. Trocamos de instrumentos e quase nunca tocávamos as músicas que as pessoas esperavam ouvir. Com isso tentávamos privilegiar a ironia, a idéia, a leveza, a surpresa e a sensibilidade. Segundo: a nossa música, que era encantadora, sedutora e que revelou um letrista pós-moderno impressionista sem parâmetros no pop nacional. Um gênio.
Jair – Acredito que o reconhecimento de público e críitica seja o maior deles. não existe nada tão gratificante. Ouvi dizer que deixamos muitas pessoas felizes com nossa aparição no fim do ano. Este é o maior legado, na minha opinião, pode crer.

Um marco na carreira do grupo foi empatar com os Titãs como melhor disco do ano na votação da Bizz em 87. Como foi isso?
Cadão –
Um barato, pois eles ficaram putos.
Thomas – Um escândalo! Na verdade, era para o Fellini ter sido escolhido sozinho no primeiro lugar. A redação da Bizz alterou a votação para que isso não acontecesse, pois a fúria dos Titãs, das bandas e das gravadoras seria inevitável. O José Augusto Lemos e o Alex Antunes podem confirmar essa história. Repito: Um escândalo!
Jair – Creio que sim, com certeza. Eu, particularmente, não participei deste trabalho. Os caras podem narrar melhor a experiencia vivida.

Qual o melhor disco do Fellini? Por quê?
Cadão –
Talvez o terceiro, Três Lugares… Mas o que eu gosto mais, porque é fuleiro e atrevido, é o Fellini Só Vive Duas Vezes. Até um guarda-noturno fortuito aparece nele, pois gravávamos na sala de jantar do Thomas.
Thomas – Eu mesmo me pergunto isso várias vezes, cada dia acho uma coisa. Todos são imperfeitos, mas todos são tão legais… Erm, vejamos, talvez o Amor Louco.
Jair – Eu voto no primeiro e no terceiro. O Adeus de Fellini foi uma das melhores coisas que fiz na vida até aqui. Foi o meu primeiro disco também. O Thomas já tinha gravado com o Voluntários… Tivemos dificuldades técnicas, claro, mas o repertorio foi bem acertado, os efeitos (ruídos de helicóptero, máquina de escrever, sino, galo cantando…) e alguns arranjos (trumpete e cello) formaram a receita de um bolo que deu bastante certo e muita repercurssão. E 3 Lugares Diferentes considero o mais criativo em termos de musicalidade e letras. Mereceu o titulo de 87, com certeza. Mas gosto dos outros também (hoje também me considero um fã, re re).

Fale um pouco sobre a ida do Fellini aos EUA.
Cadão –
Tocamos (eu e Thomas, apenas) no Village, em Nova Iorque, num lugar chamado Kenny’s Castaway, onde havia cerca de 30 brasileiros saudosos. Mas o sujeito da Rolling Stone, escrevendo para a Bizz, adorou. Está registrado.
Thomas – Foi apenas um show no Kenny’s Castaways em Nova York, para umas 40 pessoas. Por problemas de visto, fomos apenas eu e o Cadão. Tocamos umas 7 músicas, abrindo para o Ira!. Foi legal. O cara da Rolling Stone adorou.
Jair – Bem, pra mim, foi muito ruim. Eu e outros convidados da banda não conseguimos visto. Muitos músicos de outras bandas também foram barrados no terrível consulado americano. Da banda, somente o Thomas e o Cadão viajaram e se apresentaram numa coisa bem intimista, que parece ter dado certo. Mas, segundo eles, o local não estava muito cheio e a maioria era de brasileiros. Não gosto muito de lembrar do episódio…

Quando, onde e por que o Fellini acabou?
Cadão –
A rigor, o Fellini acabou em 1991, quando extinguiu-se o último fôlego. Thomas foi morar na Europa, não tinha mais sentido continuar.
Thomas – O Fellini não acabou, apenas suspendeu suas atividades por causa da minha mudança para a Europa.
Jair – No início dos 90. O grupo apenas se dissolveu, sem traumas.

Quais suas melhores lembranças do tempo do Fellini?
Cadão –
A amizade dos camaradas, as letras malucas que ocupavam minha cabeça até durante o sono, as namoradas da época, a sensação (motivada pela boa fé do Thomas) de que seria uma coisa para a posteridade, as músicas ainda cruas, sem as letras (a sensação de tê-las ouvido pela primeira vez). Foi muito legal.
Thomas – Ah, são as lembranças das gravações dos 4 álbuns. Nós tinhamos controle total sobre tudo, o tempo inteiro, e os discos dependiam diretamente do nosso esforço. Quando as gravações estavam prontas, vinha a melhor parte. Passava tardes inteiras sentadas num boteco, imaginando a capa, a ordem das músicas, os créditos, as fotos, tudo. Como isso é legal. Quanto aos shows, minhas lembranças não são muito boas, exceto a do show de lançamento do Adeus de Fellini no Madame Satã em dezembro de 85. Mudei do baixo para a guitarra, toquei sentado, o Ricardo passou da bateria para o teclado e ritmo eletrônico. Foi um show sensacional, as pessoas não acreditaram. Não tocamos uma única música do Adeus de Fellini!
Jair – Várias: o primeiro ensaio na casa do Thomas, o primeiro show num lugar chamado Albergue, aqui em SP, os tempos “malditos” de Madame Satã, a gravação do Adeus…, a entrevista no Rio para a Per Lui italiana, as costumeiras sessões de fotos, um incrível show em Porto Alegre (89), as cervejadas com o Thomas… Enfim.

Você gostou dos shows de volta?
Cadão –
Provavelmente foram os melhores que nós já fizemos.
Thomas – Não hesito em dizer que os shows de Brasília e Rio de Janeiro estão entre os 3 melhores que já fizemos.
Jair – Sem comentários, simplesmente maravilhosos.

E o próximo disco? Sai?
Cadão –
Não. O Fellini não volta mais.
Thomas – Who knows? Sinceramente, não vejo muitas perspectivas.
Jair – É, meu amigo, pirigas, pirigas. Vamos esperar os ânimos das internas e das externas.

TODO FELLINI (até 99)


O ADEUS DO FELLINI (85)
Definição: Alto astral subliminar.
Uma Letra: “Toda vez que eu ouço falar em cultura/ Saco meu talão de cheques” (Cultura)
Gracinha no vinil: Lados “Ema” e “Siri”.
Instrumento esquisito: Máquina de escrever.
Hit: “Rock Europeu”


FELLINI SÓ VIVE DUAS VEZES (86)
Definição: Transição intransitável.
Uma Letra: “O amor é uma droga/ nem dá barato”(Todos os Dias da Semana)”
Gracinha no vinil: Desenho de um “burro” de escola
Instrumento esquisito: Trumpete vocal.
Hit: “Alguma Coisa Vai Dar”


3 LUGARES DIFERENTES (87)
Definição: Humores diferentes.
Uma Letra: “Mudar de lugar/ Ou mudar o lugar?” (Valsa de La Revolución)
Gracinha no vinil: Um enorme número 3 no rótulo do lado B
Instrumento esquisito: Zumbido.
Hit: “Teu Inglês”


AMOR BARATO (90)
Definição: Samba-eletrônico
Uma Letra: “Cidade perdida/ Joga as cascas pra lá” (Amor Louco)
Gracinha no vinil: Reprodução da capa no rótulo
Instrumento esquisito: Cavaquinho.
Hit: “Chico Buarque Song”

SamPa Beats

O Jeroen Revalk, do programa de rádio belga Cucamonga, esteve no Brasil no começo de 2006, para fazer entrevistas sobre a atual cena de São Paulo. O resultado é a série SamPa Beats, e tem dois trechos diferentes (dá pra ler e ouvir) de uma entrevista que ele fez comigo no hall do 7 Colinas (meu lar em Recife), quando eu tava no Porto Musical. Além deste seu correspondente, há entrevistas com o Maurício Takara, Tom Zé, Cunha Jr., Sérgio Dias, Hermano Vianna, Maurício Bussab, Arnaldo Antunes, Cadão Volpato, Apollo 9, Rica Amabis (do Instituto), Zeca Baleiro, Bid, Guilherme Barrella (da Peligro), Rodrigo Brandão, Stela Campos, Otto, Alexandre Youssef, João Marcello Bôscoli, Loop B, Suba, Gilberto Gil, Rodrigo do Pex Baa, Claudio Silberberg (da ST2), Rob Mazurek, Caetano Veloso, Jorge Ben, Jair Oliveira, Benjamin Taubkin, João Parahyba, entre outros… Bom trabalho, Jeroen.