E a música de natal do Killers?

Uma coisa há de se admirar nesses caras: sua coerência na própria breguice. E olha que essa música, mesmo brega, não é ruim não…

O cara que faz as flores crescerem com a voz

Só não entendi do que que é esse viral… Do Autotune?

Paulo César de Araújo

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Como muita gente não conseguiu abrir o link com a entrevista que eu fiz com o autor do livro Eu Não Sou Cachorro, Não, Paulo César de Araújo, para o site da Som Livre, segue abaixo a reprodução da mesma:

A música brasileira recente parece dividir-se entre os artistas da tradição e os de vanguarda. De um lado, a força dos valores autênticos de um país que conta com uma das culturas mais ricas do mundo, lembrada na música caipira, no cancioneiro tradicional, no samba, no forró e tantas outras manifestações populares. Do outro, a transformação proposta pela modernidade, pelo pop, pela eletricidade e novas tecnologias. Riqueza rural e pluralismo urbano. O choque da cidade com o campo parece ser a metáfora perfeita para descrever o big bang da música nacional.

Mas, olhando de perto, vemos que há campo na cidade e cidade no campo. E nestas entrelinhas estão personagens e movimentos comportamentais convenientemente colocados a escanteio pelo traço da classe dominante. Apontando para a exclusão cultural de toda uma geração, o historiador Paulo César de Araújo nos conta a história de uma outra música de protesto, bem diferente das rodas vivas e opiniões consagradas pela versão oficial que conhecemos.

Em Eu Não Sou Cachorro, Não (Record), ele narra biografias de artistas que, quando lembrados pela memória nacional, vêm à tona em forma de chacota. Mas que venderam milhões de discos e emocionaram toda um público alheio às agitações dos cadernos de cultura, dos circuitos universitários e de temporadas no exterior: o povo brasileiro.

A tese de Paulo César é ousada: eram artistas como Odair José, Agnaldo Timóteo e Waldik Soriano quem verdadeiramente incomodavam a ditadura militar, furando o bloqueio da repressão para passar mensagens de resistência que atingiam multidões muito maiores do que os fãs de Chico Buarque e Caetano Veloso. No decorrer de sua argumentação (sólida e bem defendida, aliás), ele atira contra diversos bastiões da história da MPB: de seu aspecto elitista ao seu alinhamento com a boa imagem que a ditadura queria para o país, passando por mitos e preconceitos que povoam nosso imaginário até hoje.

Um dos pontos centrais de seu livro é que só durante a ditadura dos anos 70 que houve democracia no Brasil, pois todos os cidadãos, e não só os pobres, estavam sujeitos a tratamentos agressivos e violentos por parte das autoridades. O título do livro também não é um mero rótulo, pois o autor defende o maior hit de Waldik Soriano como um grito de desespero das classes mais baixas contra o tratamento dado pelas elites brasileiras, e não apenas um bolero dor-de-cotovelo.

Mais: uma reivindicação cultural do papel do povo na história do Brasil. E este seria o motivo de seu verdadeiro sucesso. Em entrevista, Paulo César conversou sobre alguns dos temas mais polêmicos de seu livro.

Eu Não Sou Cachorro, Não toca num dos pontos mais sensíveis da história da música brasileira: o conceito de “bom gosto” e as relações entre os que conceituam este “bom gosto” e os principais nomes da MPB. Este foi seu ponto de partida ou você percebeu isto à medida em que estudava os chamados artistas cafonas?
Desde o início decidi que não faria um livro apenas sobre música, mas sim um trabalho de história social e cultural, priorizando a análise da canção popular sem emitir juízo de valor estético. Afinal, quais os critérios de seletividade e julgamento na escolha da boa música popular? Quem determina estes critérios como universalmente válidos? Os críticos e historiadores da música popular brasileira excluíram os bregas de seus livros sob o argumento que esta produção musical é “ruim”, “vulgar”. Mas alguém já disse, e eu concordo, que este negócio de crítica musical não é objetivo. Implica um julgamento de valor tipo “eu sou melhor do que você, portanto o que eu gosto é melhor do que o que você gosta”. Ou seja: a luta de classes também se expressa na questão estética. Por isso, sempre me incomodou esta desqualificação do repertório “cafona” e a excessiva exaltação dos cantores da MPB.

Como você fugiu disso?
No meu livro procurei fugir destes dois extremos. Ali, focalizo a produção musical popular como um fenômeno social. Não emito qualquer juízo de valor estético – nem para as canções de Waldik Soriano, nem para as de Chico Buarque – ambas tratadas como documentos da história brasileira. Não opino se a voz de Nelson Ned é boa ou ruim ou se ele é um compositor completo ou não. Eu analiso a repercussão social de sua obra, o sucesso popular e a sua ausência na historiografia. Interessa-me o fato de Nelson Ned ser ouvido em cerca de trinta países, lotar por duas vezes no mesmo dia o Carnegie Hall e de contar entre os seus milhões de admiradores com o prêmio Nobel de literatura Gabriel Garcia Márquez. Da mesma forma não discuto se a música de Odair José é de alta ou baixa qualidade, mas sim, que ela aborda questões cruciais da sociedade brasileira – racismo, homossexualismo, drogas, exclusão social… -, o que fez de seu autor um dos mais proibidos artistas da época da ditadura militar. E para um amante da MPB que acha a música de Odair José muito simplória e banal, saiba que existem amantes de jazz e de música clássica que também acham a música de Chico Buarque muito simplória e banal. Em última instância o que vale é o poder de quem possui o “discurso competente” para afirmar que tal produção artística é boa ou ruim.

Qual seu posicionamento frente à crítica?
O crítico deve existir, é importante que ele exista. E será melhor crítico se tiver consciência das limitações de seu ofício; saber que ele julga segundo valores de seu meio social. Mas o problema maior não é dar estrelinhas para discos e shows. Isto é um trabalho de utilidade pública cultural como outro qualquer. O problema é quando não há separação entre o ofício do crítico e o do historiador. Veja-se o caso, por exemplo, do crítico e historiador José Ramos Tinhorão. Nos seus livros de história não aparecem a produção musical brega porque o crítico acha esta música ruim, desprezível. Aí é que está o problema. Ele ignora, exclui um capítulo da história da nossa música popular motivado por um suposto bom gosto musical. Neste caso a ação da crítica se torna perniciosa, nefasta, autoritária, excludente. O crítico, o pesquisador ou o historiador tem todo o direito de considerar a música de Odair José ruim. O que não correto é excluir este cantor da história, como se ele não tivesse existido. É esta ação excludente da crítica que eu considero autoritária e denuncio no meu livro.

A mídia é a principal arena do preconceito no Brasil?
A mídia apenas expressa e reforça o caráter preconceituoso, excludente e autoritário da nossa sociedade. E por ser mídia este caráter autoritário se torna mais visível. Mas preconceito e autoritarismo também existem nas universidades, nas instituições religiosas, nas forças armadas, nas câmaras legislativas, enfim, em todas as principais instituições da nossa sociedade. Não é um problema apenas da mídia.

Analisando a história da música brasileira no século 20, você consegue estabelecer um marco inicial para o surgimento desta “música de bom gosto”, que ignora vendas de discos para conceber discos mais “nobres”? Quando a música popular brasileira pôde se deixar ao luxo de deixar de ser popular?
Isto aconteceu após a eclosão da bossa nova, no fim dos anos 50, quando efetivamente a canção popular começou a ser objeto de análise e debate por parte da intelectualidade. É quando surgiu também um novo público consumidor de discos. Até então a nossa música popular era direcionada exclusivamente para a grande massa ouvinte dos programas de auditório. E este universo dos cantores do rádio era é visto pelas elites como o reino do improviso, do descompromisso profissional, do baixo nível artístico, da futilidade. De certa forma, não se atribuía qualquer importância a essa produção musical. Nomes hoje consagrados da música popular brasileira como Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues e Luiz Gonzaga só obtiveram reconhecimento da crítica quando o período de maior sucesso popular de cada um deles já havia terminado. Na época, Mário de Andrade se referia a obra destes compositores como “popularesca”. Os estratos mais altos da população brasileira não se identificavam com a música popular produzida neste país. Isto começou a mudar por volta de 1958, com o aparecimento da bossa nova. A partir daí foi incorporado um novo público para o mercado de discos e as principais gravadoras organizaram seu elenco com basicamente dois grupos de artistas: os de “prestígio, para atender as classes A e B, e os “comerciais” ou “cafonas”, voltados para os segmentos C, D e E.

Por que a bossa nova? Qual é o “truque” do gênero para se estabelecer como marco tão forte? Seria o sucesso no exterior aliado à mentalidade servil do brasileiro em relação ao estrangeiro?
É fato que as elites culturais do Brasil sempre consideraram “cafona” um tipo de música mais identificado aos gêneros e ritmos de países subdesenvolvidos. De mau gosto sempre foram o bolero, a guarânia, a rumba, a conga. De outro lado, eles sempre admiraram aquela música mais identificada aos Estado Unidos, principalmente o jazz. Alguns dos próprios músicos de bossa nova como Johnny Alf, João Donato e Carlos Lyra afirmam que na fase de adolescência eles não se interessavam por música popular brasileira. O que fazia a cabeça deles eram os temas, as melodias e as harmonias das canções americanas. Ou seja: foi a partir da bossa nova, com a fusão do samba com o jazz, que uma geração de jovens brasileiros passou a se interessar e a se identificar com a música popular do nosso país. A bossa nova aproximou o samba da música norte-americana e talvez por isso foi tão bem aceita pela elites culturais.

Você acha que é possível haver um reconhecimento crítico, póstumo ou tardio, em relação aos artistas citados no seu livro? De certa forma, algo desta natureza já está acontecendo com nomes – como Roberto e Erasmo Carlos – que desde os anos 80 são associados ao mau gosto…
De fato, o caso Roberto Carlos é um exemplo recente deste fenômeno. E para isto muito contribuiu a revelação de que a sua música “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” fora feita em homenagem a Caetano Veloso, quando este estava no exílio em Londres. Isto mostra que são vários os aspectos que determinam a valorização de um determinado trabalho artístico, e estes aspectos muitas vezes são exteriores a obra em si. Este fenômeno também pode acontecer também com artistas desta geração de cafonas. A própria existência do livro Eu Não Sou Cachorro, Não é um reflexo disto, e também pode contribuir para esta mudança. Depois do livro, algumas pessoas podem olhar com outros olhos nomes como Benito di Paula, Luiz Ayrão e Odair José. A vida é dinâmica, a sociedade é dinâmica e isto se reflete na avaliação artística.

Fale um pouco sobre o seu próximo livro, sobre Roberto Carlos…
Ainda não tenho quase nada decidido sobre este livro. A única certeza é que não será uma biografia nem um mero relato jornalístico. Pretendo fazer uma análise histórica da produção musical de Roberto e Erasmo Carlos. Estarei iniciando a pesquisa ainda neste semestre. Inclusive este papel social de Roberto Carlos será estudado por mim agora, ainda não tenho uma resposta afirmativa. A data de lançamento também não tenho. Eu Não Sou Cachorro, Não me consumiu sete anos entre pesquisa e redação. Desta vez espero gastar menos tempo, até porque tenho mais prática no ofício e alguns erros poderão ser evitados. A minha previsão é de que o livro fique pronto no máximo até 2005.

Você consegue destacar o maior artista brasileiro deste gênero, a chamada “música cafona nos anos 70”?
Sem dúvida, Odair José, não por acaso o personagem mais citado no meu livro. Ele foi um cantor corajoso, provocador e contestador na época do regime militar. Ainda mais porque, ao contrário de artistas como Caetano Veloso e Milton Nascimento, que atingiam um segmento de classe média, universitário, progressista, Odair falava para os baixos estratos da população, um público majoritariamente católico, conservador, apegado aos tabus, aos valores sociais vigentes. As composições de Odair José focalizavam diversos temas do cotidiano e convidavam seu ouvinte à reflexão e ao questionamento. Suas canções abordam, por exemplo, prostituição (“Vou Tirar Você Desse Lugar”); homossexualismo (“Forma de Sentir”); drogas (“Viagem”); anticoncepcionais (Pare de Tomar a Pílula); exclusão social (“Deixa essa Vergonha de Lado”); religião (“Cristo, quem é Você?”); alienação (“Novelas”); adultério (“Pense ao Menos em Nossos Filhos”). E como se não bastasse, ele ainda idealizou uma ópera-rock de protesto religioso, o que provocou a fúria da Igreja e levou alguns padres até a ameaçá-lo de excomunhão. Proibido pela Igreja e pelo regime dos generais, Odair José ainda enfrentou a ruidosa vaia do público do Anhembi no show com Caetano Veloso no Phono 73. Aliás, este espírito ousado, provocador e inquieto de Odair foi sintetizado por ele numa canção composta em 1972: “Eu Queria Ser John Lennon”.