Lançado há quarenta anos, Exodus, de Bob Marley, foi fruto de um atentado e o primeiro disco político do reggae – escrevi sobre ele no meu blog no UOL.
“As pessoas que estão tentando piorar este mundo não tiram um dia de folga. Como é que eu vou tirar?”, respondeu Bob Marley quando o perguntaram como ele havia feito um show dois dias depois de sofrer um atentado que quase lhe tirou a vida – bem como de sua mulher, Rita Marley, e de seu empresário, Don Taylor. Bob Marley foi alvejado quando ensaiava com sua banda, os Wailers, em seu endereço jamaicano, no número 56 da rua Hope da cidade de Kingston, no dia 3 de dezembro de 1976, dois dias antes do festival Smile Jamaica, onde era a atração principal.
O festival, organizado pelo primeiro-ministro jamaicano Michael Manley, era uma tentativa de responder à guerra entre facções rivais que tirava vidas por toda antiga colônia britânica. Bob Marley, como o primeiro-ministro, era dos poucos jamaicanos proeminentes que preferia não tomar partido de nenhum lado e concordou em puxar um evento para tentar levantar a bandeira da paz entre seus conterrâneos. Quando vários homens armados invadiram o ensaio, Bob foi atingido logo abaixo do coração e no braço, sua mulher e vocalista de apoio Rita teve a cabeça atingida por outra bala e seu empresário Don levou cinco tiros no abdômen. Milagrosamente, todos sobreviveram ao atentado sem nenhuma sequela – tirando o projétil alojado no braço esquerdo de Marley, que subiu no palco do Smile Jamaica mesmo naquelas condições. O evento, conhecido até hoje como “Woodstock jamaicano”, reuniu 80 mil pessoas.
O atentado não marcou Marley apenas em termos de saúde. Foi o início de um processo de transformação artística, que o fez mudar de país e de atitude. Voou para Londres e passou os próximos seis meses no número 34 da rua Ridgmount Gardens, no bairro de Candem. Lá começou a entrar em contato com o ainda incipiente movimento punk londrino e começou a gestar seu disco mais político, a obra-prima Exodus, lançada exatamente há 40 anos, no dia 3 de junho de 1977.
A conexão de Bob Marley com o punk começou quando ele ouviu a versão que o Clash fez para o hoje clássico hino reggae de Junior Murvin, “Police and Thieves”. “Políciais e bandidos nas rua, assustando a nação com suas armas e munições”, cantavam tanto seu conterrâneo quanto a banda inglesa, o que lhe fez perceber que as referências comuns a ambas cenas iam além de estéticas ou artísticas: viviam num mundo confuso e tenso, o que levou Bob Marley a mudar radicalmente as letras de suas músicas. Uma de suas primeiras novas composições – “Punk Reggae Party”, que havia saído no lado B do single de “Jamming”, citava nominalmente o levante musical tanto no título quanto na letra, mencionando até algumas bandas: “New wave, new craze/The Jam, The Damned, The Clash/Wailers still be there/Dr Feelgood too”. Era o início da transformação do reggae em gênero político, cujas cores passaram a ter fortes significados sociais.
Essa é a principal contribuição de Bob Marley ao gênero que o tornou astro. Não foi ele quem inventou o reggae (este foi o produtor Leslie Kong, de quem Bob se aproximou logo que entendeu que aquela novidade sonora iria mudar os rumos da ilha onde nasceu e de sua própria carreira) bem como não foi seu primeiro popstar internacional (este foi Jimmy Cliff, impulsionado pelo sucesso da trilha sonora do filme The Harder They Come), mas Marley sintetizou uma série de outras qualidades que ajudaram a estética jamaicana dominar o mundo. Foi ele quem popularizou o rastafaranismo através do gênero (vertente religiosa que ligou para sempre o reggae aos dreadlocks e à maconha) e quem suavizou a produção originalmente crua daquela musicalidade para as massas (com a contribuição sagaz do produtor Chris Blackwell, da gravadora Island, que havia antevisto o gênero como o próximo rock’n’roll e tratando musicalmente Bob Marley como um astro de rock, tanto em termos de marketing quanto de gravação). Mas ao mudar a temática do gênero de contos do faroeste jamaicano para uma visão política holística e global, Bob Marley mudou a cara do gênero, sua própria importância como artista e a cultura popular do final do século passado.
Exodus – “o movimento do povo de Jah”, como cantava a faixa-título do disco – é um álbum tão perfeito que parece uma coletânea. Começa em silêncio absoluto e vai crescendo muito devagar, o que leva o ouvinte a aumentar o volume antes de ser contagiado pelo balanço sincopado da primeira faixa, “Natural Mystic” – “Há uma mística natural soprando no ar / Se você ouvir com atenção vai perceber”, cantava suavemente o mestre. O disco continuava como a urgente – embora sem nenhuma pressa – “So Much Things to Say”, passava pela tensa “Guiltiness”, tornava-se ainda mais pesado com “The Heathen” até terminar o lado A com os quase oito minutos de sua esplendorosa faixa-título. A carga política do disco, no entanto, era suavizada por um lado B dedicado apenas ao amor, que começava em “Jamming”, continuava em “Waiting in Vain”, seguia por “Turn Your Lights Down Low”, “Three Little Birds” para terminar com a antológica “One Love”, que emendava com uma versão de Bob Marley para “People Get Ready”, de Curtis Mayfield.
Foi uma sacada de gênio, ao dividir o álbum entre política e amor, Bob Marley deixava claro que sua política era a do amor e que uma coisa era indistinguível da outra, mesmo separando-as cada uma em um dos lados do disco. Uma visão que nasceu motivada por um atentado à sua vida, consolidada na capital do antigo império que havia colonizado a ilha em que havia nascido e envernizada com as cores do novíssimo movimento punk. Exodus é a obra-prima de Bob Marley – seu melhor e mais importante disco – e, em 1999, foi eleito pela revista Time como o melhor disco do século passado. Vamos acender as velas para parabenizar este disco por quatro décadas de eternidade musical – e saudar Bob Marley como um dos artistas mais importantes de nossa era. Tuff Gong, indeed.
Uma playlist para manter o ânimo em dia: resistir sempre!
Clash – “Clampdown”
Titãs – “Desordem”
Legião Urbana – “A Dança”
Gang of Four – “Not Great Men”
Stereolab – “Ping Pong”
New Order – “Blue Monday”
Grandmaster Flash & The Furious Five – “The Message”
NWA – “Fuck tha Police”
Public Enemy – “Bring the Noise”
Racionais MCs – “Você Me Deve”
Gil Scott-Heron – “The Revolution Will Not Be Televised”
Bob Marley – “War”
Junior Murvin – “Polices & Thieves”
Specials – “Ghost Town”
Massive Attack – “Safe from Harm”
Kendrick Lamar – “Alright”
BaianaSystem – “Duas Cidades”
Criolo – “Fermento Pra Massa”
Bob Dylan – “Subterranean Homesick Blues”
Beatles – “Revolution”
Belle & Sebastian – “If You Find Yourself Caught in Love”
Dois gênios se encontram na música: Michael Jackson cantando Bob Marley. Quem sabia dessa?
Vi no site do Bob.
Puf!
C&C Music Factory – “Take A Toke”
Criolo – “Vasilhame”
Gabriel O Pensador + Lulu Santos – “Cachimbo da Paz”
Z’África Brasil – “Sapo na Banca”
Kid Cudi – “Marijuana”
Purple Ribbon All-Stars – “Kryptonite (I’m On It)”
Sublime – “Smoke Two Joints”
Musical Youth “Pass the Dutchie”
Bob Marley – “Kaya”
Peter Tosh – “Legalize It”
Beatles – “Got To Get You Into My Life”
Steve Miller Band – “The Joker”
Nei Lisboa – “Síndrome de Abstinência”
John Prine – “Illegal smile”
Go to Blazes – “Billy Bardo”
Little Feat – “Don’t Bogart That Joint”
Muddy Waters – “Champagne & Reefer”
Cab Calloway – “Reefer Man”
Bezerra da Silva – “A Semente”
Golden Boys – “Fumacê”
Erasmo Carlos – “Maria Joana”
Chico Buarque – “Carioca”
MC Joana Dark – “Funk do Mujica”
Afroman – “Because I Get High”
Dr. Dre + Snoop Dogg – “The Next Episode”
De Menos Crime – “Fogo na Bomba”
Planet Hemp – “Queimando Tudo”
Black Sabbath – “Sweet Leaf”
John Hartford – “Two Hits and the Joint Turned Brown”
New Riders of the Purple Sage – “Panama Red”
Neil Young – “Roll Another Number (For The Road)”
Bob Dylan – “Rainy Day Woman #12 & #35”
Um balanço rápido do Lollapalooza 2014 e um programa um tanto quanto pensativo.
Afghan Whigs – “Matamoros”
How to Dress Well – “Repeat Pleasure”
Daft Punk + Julian Casablancas – “Instant Crush”
Leo Cavalcanti – “O Momento”
Castello Branco – “Necessidade”
Metronomy – “The Most Immaculate Haircut”
Angel Olsen – “Stars”
Warpaint – “CC”
Madlib – “What Can U Tell Me”
Weeknd + Drake – “Live for”
Daughter – “Get Lucky”
N.A.S.A. + Karen O – “I Shot the Sheriff”
Tears for Fears – “My Girls”
Sérgio Sampaio – “Não Tenha Medo, Não!”
Bonifrate – “Aldebaran”
E por falar no 73 Rotações, começaram a aparecer os vídeos do show que a Céu fez tocando a íntegra do primeiro clássico de Bob Marley, Catch a Fire. Dá uma sacada nos vídeos abaixo:
Karina Buhr tocando o primeiro disco dos Secos & Molhados, Cidadão instigado relendo a íntegra do Dark Side of The Moon do Pink Floyd, Céu visitando Catch a Fire do Bob Marley & The Wailers e Fred Zeroquatro apresentando a clássica estréia em disco de Nelson Cavaquinho. É um pequeno festival dos sonhos, mas não é tão sonho assim, pois irá acontecer: a nova encarnação do projeto 72 Rotações, realizado no ano passado pelos compadres do Radiola Urbana, ganha uma versão 2013 e mais uma vez o palco do Sesc Santana recebe nomes da nova música brasileira reinterpretando clássicos com 40 anos de idade, no final de setembro. Os shows do evento 73 Rotações acontecem entre os dias 26 a 29 do mês que vem, sempre às 21h (à exceção do último show, no domingo, às 18h), e conversei com os compadres Ramiro Zwetsch e com o Filipe Luna, capitães tanto do Radiola Urbana quanto do festival, sobre o evento que já pode ser considerado histórico. A entrevista segue abaixo:
E é claro que o Faroff não ia deixar passar a oportunidade fazer um mashup com “Get Lucky”…
Uma trilha sonora pra esses dias, que contou com uma pequena ajuda de muita gente.
Jesse Jackson – “I Am Somebody”
Gil Scott-Heron – “The Revolution Will Not Be Televised”
Nina Simone – “Revolution”
Metá Metá – “São Jorge”
Curtis Mayfield – “Power to the People”
Sam Cooke – “A Change is Gonna Come”
Wilson das Neves – “O Dia em que o Morro Descer e Não for Carnaval”
Bob Dylan – “Masters of War”
National – “Fake Empire”
T-Rex – “Children of the Revolution”
Richard Hawley – “Tonight The Streets Are Ours”
Buffalo Springfield – “For What It’s Worth”
Gal Costa – “Divino Maravilhoso”
Beatles – “Tomorrow Never Knows”
Sonic Youth – “Teen Age Riot”
Beastie Boys – “Fight For Your Right to Party”
Paralamas do Sucesso – “Selvagem”
Titãs – “Desordem”
Rage Against The Machine – “Killing in the Name”
Kendrick Lamar – “Bitch Don’t Kill My Vibe”
Primal Scream – “Come Together”
Massive Attack – “Safe from Harm”
Sly & the Family Stone – “There’s a Riot Goin’ On”
Rolling Stones – “Gimme Shelter”
Gilberto Gil – “Marginália 2”
Siba e a Fuloresta – “Pisando em Praça de Guerra”
Tatá Aeroplano – “Tudo Parado na City”
Ronnie Von – “Anarquia”
Martha & The Vandellas – “Dancing in the Streets”
Black Alien – “From Hell Pro Céu”
Ana Tijoux – “Shock”
Major Lazer + Amber Coffman- “Get Free”
Black Lips – “Bad Kids”
Gorillaz – “Dirty Harry”
Clash – “Guns of Brixton”
Bob Marley & the Wailers – “Exodus”
Bob Marley com escala no Gilberto Gil – é claro que o resultado seria uma viagem…