Os melhores filmes de 2017

twinpeaks2017

O UOL reuniu seus colaboradores para escolher as melhores produções do ano – e estes são os meus cinco escolhidos:

1) Twin Peaks: O Retorno
A terceira temporada da série que moldou a atual era de ouro da televisão faz o caminho inverso e ergue-se como um ousado e ambicioso filme de 18 horas, que certamente já mudou os rumos da produção audiovisual deste século. Se foi vaiado em Cannes há vinte e cinco anos ao lançar seu então incompreendido Os Últimos Dias de Laura Palmer (um de seus filmes mais aterradores e consistentes, além de peça-chave na versão 2017 de sua obra-prima), David Lynch dá o troco ao estrear uma produção de emissora de TV com distribuição via Netflix no mesmo festival francês, numa obra que critica inclusive os efeitos colaterais da nostalgia e dos remakes na produção cultural atual. E como não amar o agente Cooper?

2) Corra!
Um filme de terror em que o monstro não é sobrenatural e que coloca o racismo como uma psicose social tão assustadora quanto a dos piores serial killers, Corra! tem camadas e camadas de entendimento e percepção e consegue fundir diferentes gêneros cinematográficos para criar uma obra que é ao mesmo tempo leve e divertida quanto pesada e perturbadora.

3) No Intenso Agora
João Moreira Salles continua dissecando a própria biografia para expor os contrastes e contradições de nossos tempos, desta vez com foco em como o ano de 1968 aconteceu em diferentes partes do mundo. Não é tão brilhante quanto seu Santiago, lançado há dez anos e talvez sua obra-prima, mas fala tanto sobre as expectativas e frustrações dos anos 60 quanto o momento político e social que vivemos hoje.

4) Em Ritmo de Fuga
Edgar Wright esmera-se ao derrubar barreiras entre gêneros cinematográficos, fundindo comédia, filme de ação, musical, policial e romance em seu melhor filme, provando que já se apropriou do bastão cinematográfico inglês que um dia foi de Danny Boyle. E o novato Ansel Elgort prova que é mais do que um ator juvenil em ascensão.

5) Blade Runner 2049
Denis Villeneuve conseguiu fazer o impossível três vezes: materializou a tão aguardada continuação do épico de Ridley Scott, tornou-a palatável e ao mesmo tempo tão complexa quanto a produção original e ampliou a estética de cores frias e ambientes fechados para tomadas amplas a céu aberto com cores quentes. Não é, no entanto, nem de longe a melhor ficção científica do século (título que ainda é de Filhos do Amanhã, de Alfonso Cuarón, de 2006) nem seu melhor filme (A Chegada, do ano passado, é muito mais ousado e mais intenso), embora mantenha o legado do Blade Runner original intacto.

A relação completa com todos os filmes do ano escolhidos pelo UOL está aqui.

“Was He Slow?”

baby-driver-

Que filmaço que é Baby Driver! Escrevi sobre ele pro meu blog no UOL.

Antes de mais nada, Baby Driver – ou Em Ritmo de Fuga, como prefere a versão em português para o primeiro filme norte-americano do inglês Edgar Wright que estreia esta semana no Brasil – não é um musical per se. Mas também não é um mero filme de perseguições de carro, thriller policial ou sobre assaltos a banco. O trailer engana – se não o assistiu, não faça isso para não perder metade da surpresa. Porque Baby Driver também é comédia romântica, tem elementos de terror psicológico e de filmes de ação, é paródia, sátira e homenagem, além de lidar com conflitos sobre amadurecimento e cuspir referências e citações como se fosse um filme de Quentin Tarantino. E, como dizia-se antigamente, é cool até dizer chega.

Tudo isso sustenta-se, no entanto, sobre a música. Mais que a trilha sonora das fugas enlouquecidas do personagem calado vivido por Ansel Elgort, ela é o eixo da história principal e dá ritmo e sentido a todo o filme. Só que ao contrário dos antigos musicais, ela não surge dos lábios dos protagonistas enquanto um diálogo torna-se uma canção. Ela está entre os fones de ouvido do personagem principal, que tem, em sua coleção de iPods, playlists offline para todas ocasiões.

E não há um gênero que prevaleça – ouvimos não só hits obscuros da soul music como pérolas do rock clássico, passando por músicas sampleadas em hinos do rap, rock de garagem, dance music, indie rock, jazz, glam rock, folk contemplativo e funks da pesada. E a coleção de artistas que passeia pelos ouvidos do público vai do Queen a Barry White, Beck e Martha & the Vandellas, T-Rex (“trex”, hehe) e Quincy Jones, Run the Jewels e Beach Boys, Ennio Morricone e Dave Brubeck Quartet, Blur e Focus, The Damned e Simon & Garfunkel – cada um deles lembrados por músicas que fogem de seus hits inevitáveis.

baby-driver

Sobre esse fio condutor Edgar Wright constrói um filme que é ao mesmo tempo épico e modesto, espalhafatoso e delicado, violento e apaixonado. Ele põe todos os personagens do filme sincronizados com essa irresistível trilha sonora. Da mesma forma que ninguém canta de verdade durante o filme, quase ninguém dança – quase toda a coreografia é feita por carros e armas, pelo movimento das ruas e das perseguições de tirar o fôlego conduzidas por um motorista impassível, que nunca tira seus óculos escuros. Um caubói moderno, um Han Solo terráqueo que aparece inclusive na primeira cena com o traje parecido com o do mercenário coreliano.

Pelo decorrer de Baby Driver, nos encontramos com atores do calibre de John Hamm, Jamie Foxx, Kevin Spacey e Jon Bernthal, duas atrizes novatas perfeitas – a sagaz Eiza González (descoberta por Robert Rodriguez na versão em seriado para Um Drink no Inferno) e a encantadora Lily James (do Cinderela de 2015), além de pontas de nomes do mundo da música, como a cantora Sky Ferreira, o baixista dos Red Hot Chili Peppers, Flea, Paul Williams (o desconhecido compositor de hits como “We’ve Only Just Begun”, “Rainy Days and Mondays” e “Rainbow Connection”), Big Boi do Outkast, Killer Mike do Run the Jewels e Jon Spencer, do grupo Jon Spencer Blues Explosion cuja “Bellbottoms” dá o tom inicial do filme numa sequência sensacional.

Logo em seguida, “Harlem Shuffle”, que a maioria das pessoas conhece pela versão que os Rolling Stones gravaram em seu Dirty Work, surge em sua versão original, que hoje é mais reconhecida pelo sample que o House of Pain usou no início de seu hit “Jump Around”, acompanha o protagonista passeando a pé pelas ruas enquanto a música se materializa em gestos, pixações e vitrines.

É um musical feito para uma geração que cresceu com fones no ouvido, melhorando situações triviais do dia-a-dia com a trilha sonora correta, escolhida exatamente para aquele momento. É o extremo oposto de La-La-Land, que recria uma época em que as pessoas queriam cantar para expressar felicidade ou tristeza. Baby Driver abandona qualquer referência clássica para se metamorfosear em um musical pós-moderno, que faz carros dançar enquanto riscam os pneus nos asfalto e metralhadoras cuspir junto com a bateria e a percussão. É o musical que o século 21 estava esperando.

Como o incensado segundo filme de Damien Chazelle, o sexto filme de Edgar Wright enche-se de citações e referências, mas vivas e reconhecíveis, não feitas apenas para fanáticos por Hollywood clássica ou por gente com mais de meio século de vida. Wright é pop maiúsculo e Baby Driver encaixa-se perfeitamente em sua filmografia, fazendo par tanto com o seriado cult Spaced, a trilogia que fez com Simon Pegg e Nick Frost (Todo Mundo Quase Morto de 2004, Chumbo Grosso de 2007 e Heróis de Ressaca de 2013) e o videogame em carne e osso de Scott Pilgrim Contra o Mundo. E por mais que sua história tenha começo, meio e fim, o que importa é a viagem e a trilha sonora – tudo muito alto astral. Aumenta o som!