A casa de shows Áudio estava lotada neste sábado quando Marcelo D2 veio com seu grupo Um Punhado de Bambas para a festa de lançamento do Toca UOL, nova editoria de música brasileiro do portal citado, transformando sua apresentação numa roda gigante de samba, em que ele era o único músico de pé na maior parte do show, enquanto todos os músicos o cercavam sentados em roda. Usando seu disco mais recente, Iboru, como base da apresentação, ele também visitou seus sambas de discos anteriores (como “1967” de seu disco de estreia e “Pode Acreditar (Meu Laiá Laiá)”, parceria com Seu Jorge no disco A Arte do Barulho) e passeou por clássicos do gênero, cantando Zeca Pagodinho (“Maneiras” e “Cabô Meu Pai”, que usou para encerrar o show), Fundo de Quintal (“Lucidez”), Beth Carvalho (“Água de Chuva no Mar”, que dividiu os vocais com sua companheira Luiza Machado, que também é vocalista na banda) e Leci Brandão (numa versão da pesada de “Zé do Caroço”). fazendo todo mundo cantar junto. Sempre falando pacas entre as músicas – afinal, é o D2 – ele estava abalado pela morte de duas pessoas próximas à banda e ainda deu sua alfinetada no atual prefeito de São Paulo para deixar claro sua posição política na véspera da eleição paulistana, mas nem isso tiro o gás da apresentação, que só pecou por ser curta e não ter um bis. Showzaço.
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Quem também fez bonito nessa sexta-feira foi a Céu, que lançou seu novo disco Novella num Áudio que talvez tenha reunido o maior público em um único show em sua carreira (apesar da Áudio não estar lotada). Ela só pecou por ter começado o show muito tarde e por chamar o produtor deste novo disco, o norte-americano Adrian Younge, para discotecar antes de sua apresentação (sério que a gente ainda precisa ouvir gringo mostrando que manja de música brasileira em pleno 2024?). Fora isso, o show foi preciso. Foi um acerto fazê-lo em São Paulo depois de uma turnê pela Europa, o que deixou a banda em ponto de bala e a própria Céu seguríssima de si para mostrar as novas canções – sem esquecer seu excelente repertório, que já vinha mostrando na turnê anterior, Fênix do Amor. A apresentação ainda contou com a presença de Liniker, que brilhou em dois números ao lado da protagonista da noite (“Gerando na Alta” e na parceria que lançaram em 2020, “Via Láctea”, se não me engano tocada pela primeira vez ao vivo) e derreteu-se para sua antiga ídola que agora chama de amiga. Foi um bom momento para retomar sua trajetória depois do erro que foi seu disco de versões (o decepcionante Um Gosto de Sol, de 2021) e isso estava claro quando não só quando mostrou as músicas do disco novo, mas principalmente num dos grandes momentos da noite, quando voltou a um dos ápices de seu Apká, de 2019, ao cantar a excelente “Pardo”, que pediu para Caetano Veloso, mostrando que, mesmo com o deslize passado, ainda mantém a majestade de uma das maiores cantoras do Brasil. Fodona.
Bem bom o show que o Interpol fez neste sábado no Áudio. Foi o último show que a banda nova-iorquina fez no Brasil nesta vinda, em que passou pelo Rio de Janeiro e fez duas datas em Sâo Paulo, celebrando seus dois primeiros discos, sabidamente a fase clássica da banda. Para não repetir exatamente o show que fizeram na sexta, inverteram a ordem dos discos e começaram com o segundo, Antics, lançado há vinte anos, e essa opção deu uma outra cara à apresentação. Afinal, sua obra-prima é seu disco de estreia, Turn On the Bright Lights, lançado em 2002, e o disco seguinte, apesar de manter o vigor e a energia do anterior, perde nos quesitos tensão e climão, qualidades que tornam o primeiro álbum tão memorável. Assim, a noite começou com um pique mais intenso, mas sem queimar os principais hits, opção que seguiu na segunda metade da noite, quando o grupo, ao contrário do que fez ao tocar seu segundo disco, mexeu na ordem das faixas. No palco, o trio fundador da banda segue firme como ícones do rock do século 21, que mantém alguns dos valores do estilo musical mais popular dos últimos 60 anos, mas sem cair na caricatura roqueira que prende o gênero no passado. O guitarrista Daniel Kessler segue a linhagem da guitarra pós-punk – que ruge mais do que sola – e deixa o ritmo do seu instrumento determinar a intensidade da banda, por vezes mais estridente, outras mais soturno. À frente de todos, Paul Banks encarna a intersecção entre a personlficação do cool e a pose de rockstar, começando o show de jaqueta de couro e óculos escuros e hipnotizando os fãs com seu grave implacável e sua postura ao mesmo tempo distante e quente, trocando pouquíssimas palavras com o público e regendo a multidão apenas com suas cordas vocais. Os outros três músicos – o baixista Brad Truax e o tecladista Brandon Curtis, ambos há mais de uma década na banda, e o baterista Chris Broome, que substituiu Sam Fogarino nesta turnê – não gravaram os discos celebrados na noite, mas estão completamente dentro da vibração do grupo, tornando a dinâmica da banda norte-americana quase inglesa – pouco movimento em cena (à exceção de Kessler, hiperativo), emoções contidas e entrega plena. Entre um disco e outro a banda fez uma pausa, saiu do palco, para retomar o primeiro álbum com a ordem das músicas trocadas – heresia para os fãs mais radicais, mas que fez sentido no decorrer do show. A parte de Turn On the Bright Lights começou com uma música que não está no disco (“Specialist”, lançada no primeiro EP da banda), pulou para a quinta do lado A (“Say Hello to Angels”) e só retomou a ordem original com a terceira faixa (“Obstacle 1”). Daí pra frente o grupo meio que seguiu a versão do primeiro disco (apenas puxando uma faixa do lado B, “Roland”, para depois de “NYC”, do lado A) e deixou claro o motivo de ter alterado o setlist em relação ao disco para deixar o grande hit “PDA” como penúltima música da noite, tocada antes de encerrar mais uma etapa, sair do palco e só aí retornar com a abertura épica do disco, “Untitled”, que neste contexto funcionou como o melhor jeito de encerrar a noite, fazendo o público que cantou todas as músicas o show inteiro, sair sonhando com os versos “Surprise sometime will come around” ecoando na cabeça. Bem bom – só pecou por tirar a música que encerra o disco, “Leif Eriksson”, que tocaram no dia anterior, do repertório da noite.
E antes da quinta acabar ainda pude ver a segunda noite dos shows que o Queremos fez em São Paulo, antecipando o festival que farão no sábado no Rio de Janeiro. Mais uma vez na Áudio, a produtora carioca reuniu duas atrações internacionais relativamente desconhecidas que trouxeram um bom público para a casa entrando na onda dos dois artistas, nomes em ascensão na cena soul jazz londrina. Quem começou a noite foi a impressionante Adi Oasis, que empunhando seu baixo com uma desenvoltura invejável, como seu carisma igualmente intenso, conquistou facilmente o público – e citar “Onda” do Cassiano ou chamar Luedji Luna para dividir o palco foram só as cerejas de uma apresentação de peso. Depois foi a vez do produtor e tecladista Alfa Mist, que levou o público para uma viagem mais jazz cabeçuda, que rapídamente hipnotizou os presentes. Mas acho que se a ordem das atrações fosse invertidas – deixando Adi Oasis para encerrar o dia -, a noite terminaria num clima ainda mais pra cima e alto astral do que terminou.
Por motivos de Centro da Terra não consegui ver o show do Bikini Kill desde o começo, mas que bordoada! A banda parece ter saído direto dos anos 90 de tão intacta que está – desde o vigor das músicas ao timbre de voz de Kathleen Hanna até a presença de palco de todas as instrumentistas. Claro que todos os olhos se firmam na sacerdotisa hipnótica do rock enquanto mulher, mas o resto da banda – a baterista Tobi Vail, que por vezes assumiu o vocal, a estonteante baixista Kathi Wilcox e a virulência da guitarra de Sara Landeau (única integrante que não fazia parte da formação original) – faz jus à reputação de grupo, de gangue, expandindo sua coletividade para o resto do público, grande parte dele formado por fãs extasiadas por estarem realizando o sonho de uma vida. O primeiro show do Bikini Kill no Brasil não só foi pautado pelo lema da banda – garotas na frente, gritado em inglês pelas fãs o tempo todo – quanto pelos sermões puxados por Hanna, falando sobre gênero, dando esporro nos caras que poderiam estar ameaçando quem não fosse homem, rindo com as fãs ao lembrar histórias da banda e feliz por estar tocando a primeira vez no país, enquanto as quatro desciam a lenha de forma simples e sem rodeios, colocando o dedo na tomada por nós, pecadores. O Áudio estava lotado como eu não via há muito tempo (e cheio de gente conhecida) e esse é outro grande feito da noite: um evento independente, bancado por duas pequenas forças da cena que tornaram essa noite possível: a Associação Cecília e o Girls Rock Camp. Uma noite histórica.
E vocês viram que abriu uma data-extra pro show do Bikini Kill no Brasil? Depois dos ingressos pro show do dia 5 de março do ano que vem evaporarem, a Associação Cultural Cecília, que está produzindo o show que acontece na Áudio, acaba de anunciar outro show das heroínas no dia 14 deste mesmo mês. Os ingressos começam a ser vendidos na quarta-feira, a partir da uma da tarde tanto pelo site da Ticket360, quanto na Associação Cecília e na Áudio (nesse caso, sem as taxas de conveniência). E a bela ilustração do cartaz é da mesma Letícia Moth que já tinha feito aquele coração bonito do pôster anterior.
Vamos começar a fazer a caixinha pros shows do ano que vem, porque se já não bastasse o Pavement, agora é a vez da confirmação da primeira vinda de ninguém menos que o Bikini Kill para o Brasil! Quem está trazendo a clássica banda para o país é ninguém menos que a Associação Cultural Cecília, que realizará a apresentação na Áudio no dia 5 de março de 2024. Os ingressos começam a ser vendidos na quarta-feira, tanto no site da Ticket360, quanto nas bilheterias da casa de shows e da própria Associação Cecília, custando a partir de R$165,00. E olha que foda: parte da arrecadação dos ingressos irá para a instituição Girls Rock Camp Brasil e os alimentos entregues na compra da meia entrada social — que vale para todos — serão doados para as aldeias Tekoa Pindo Mirim & Tekoa Itakupé, daqui de São Paulo. Sensacional!
Uma das bandas-revelação do ano passado, o Jungle já está com duas datas marcadas pra tocar no Brasil esse ano: dia 13 de maio tocam no Audio, aqui em São Paulo, e no dia seguinte em um show do Queremos, num lugar chamado Sacadura 154, no Rio de Janeiro. Vai ser showzão!
Foi de chorar.
Spiritualized – “Sound of Confusion”
Jason Pierce trouxe apenas o broder Tony Foster para acompanhá-lo ao teclado elétrico, enquanto empunhava apenas um violão à sua frente. Jason de branco, Tony de preto, um de frente para o outro, ladeados por oito brasileiras divididas em dois quartetos: de preto ao lado de Tony, as cordas; de branco ao lado de Jason, o coral.
Spiritualized – “Feel So Sad”
Uma formação simples que, auxiliada pelo sofrimento gospel das canções do Spiritualized elevou algumas almas na quinta-feira passada, no Audio Club. Cheguei depois do comecinho do show (perdi “True Love Will Find You In The End” de Daniel Johnston), pois saí correndo do curso que estava dando no Espaço Cult (depois falo mais dele aqui), mas consegui pegar mais de uma hora da apresentação que, embora tenha sido assistida em tom solene pela maioria do público, teve seu brilho arranhado por idiotas gritando “toca Raul” em pleno 2014 ou gritando time isso, time aquilo.
Spiritualized – “Stop Your Crying”
Fora esses, a apresentação foi exemplar, Jason moveu os corações dos presentes com suas músicas tristes e hinos a amores passados – não à toa vi mais de um marmanjo debulhar-se em lágrimas durante o show.
Spiritualized – “Ladies and Gentlemen We are Floating in Space”
Músicas simples, mantras circulares envoltos por cordas e um coral gospel que por vezes preenchiam delicadamente os vazios budistas de algumas canções, noutras dava o tom épico ou emotivo que a melodia original apenas insinuava.
Spiritualized – “Broken Heart”
Mas a apresentação Acoustic Mainlines, por mais comovente que pôde ser, é metade do que é o Spiritualized. Várias canções pediam o início de arrebatamento tradicionalmente puxado por viradas de baterias retumbantes ou riffs de guitarra espaciais – e por mais que nossos egos fossem dissipados pelos singelos versos gospel sussurrados por um Jason que quase não se comunicou com o público, fora alguns vagos “obrigado”.
Spiritualized – “Too Late”
Visitando músicas de seus discos mais recentes, a apresentação teve, entre seus grandes momentos, a versão abrasileirada de “I Think I’m in Love”, quando o coral revelou-se brasileiro, respondendo ao refrão com versos em português. Alguns torceram o nariz e acharam brega, mas achei um bonito gesto de saudação ao público brasileiro que não destoou do clima reverente da canção original.
Spiritualized – “I Think I’m In Love”
Um show comovente, mas que funcionou mais como aperitivo para um show completo do Spiritualized, que, um dia, quem sabe, dá as caras por completo por aqui.
Spiritualized – “Goodnight Goodnight”
Depois de uma apresentação relâmpago no Tim Festival de 2005, o trio mais carismático do hip hop finalmente vem dar as caras no país em um show só seu. O De La Soul se apresenta em São Paulo na comemoração de 12 anos da clássica festa Chocolate (cacete, já se vão doze anos?) no dia 25 de julho no Audio Club e o preço dos ingressos é bem razoável, confere aqui.