Fazia tempo que a música brasileira não soava doce e natural ao mesmo tempo, principalmente numa voz de homem. O falsete de Curumin passeia bonito por uma melodia simples, mas arranjada com um cuidado específico que permite que vocal, teclados, bateria e violão mantenham o mesmo pulso tanto nos momentos mais cândidos quanto no breque que não faz média para colocar o dedo na cara do ouvinte. Não é o momento central do melhor disco nacional do ano (que fica entre “Afoxoque” e a sutileza de “Paris Vila Matilde”) e talvez por isso soe tão… livre.
Há uma corrente da crítica musical que associa a psicodelia com saída da infância, em que as mudanças da puberdade podem ser encaradas como delírios extáticos ou… sonhos apocalípticos. Essa é a expectativa criada pelo Tame Impala ao anunciar seu segundo disco, numa música de estrada que se pergunta, entre solos de guitarras e timbres de teclado antigo, se estamos chegando, se um dia iremos chegar e se isso tudo importa. Na veia.
Timbres jurássicos de um passado sintético colidem com a fragilidade de um vocal quase indie, quase tímido, quase oriental, que se desfaz zen por sobre uma base insistente e caricata, um mashup de realidades que poderia ser criado por algum autor cyberpunk ainda nos anos 80. Grimes se comporta como a irmã caçula do LCD Soundsystem, mas ao mesmo tempo, parece sempre ter existido como um holograma no computador. Uma das artistas que melhor resumiram o hipsterismo catastrofista de 2012, em “Oblivion” ela soa otimista e pronta para recomeçar.
Perdida no meio do melhor disco do ano, “Lost” escorrega na pista de dança à medida em que Frank Ocean passeia e perde-se por emoções, cidades, países, meios de transporte, marcas – numa canção sobre a ausência do glamour no tráfico de cocaína. Algo como se o Prince fosse frágil feito Michael Jackson, mas cascudo feito Timbaland. Que música!
Chan Marshall deixou a cantora de bar de blues que encarnou nos últimos anos em um armário junto com as garrafas de uísque e jogou a chave fora ao reassumir a persona indie que cultuava pelo meio da última década do século passado. Mas se a Cat Power original era introspectiva e tristonha como o indie daquela época, a nova ressurge praticamente hipster, uma espécie de irmã mais velha da Grimes. “Cherokee” foi a música que anunciou a nova fase, consagrada no surpreendente Sun, e mesmo não sendo dos momentos melhores lapidados do álbum, é a música que marca o ano para a cantora – autônoma, esotérica, inabalada.
Uma música de Jorge du Peixe liberta de vez Céu ao final de seu terceiro disco, mostrando que a viagem andarilha pelo deserto que se dispôs em seu Caravana Sereia Bloom tem um inevitável lado pernambucano – que, em vez de bater os tambores do mangue beat, prefere deslizar pelo calor da paquera.
No meio do ano, a impenetrável dupla sueca JJ lançou um EP de verão – High Summer – e logo no início, o reggae pálido e esquivo “10” colocava em xeque relações artificiais, revoluções televisionadas, remixes feitos por amigos e conversas sem sentido – numa crítica hippie e triste não propriamente ao novo século digital, mas como suas qualidades são distorcidas pela maioria das pessoas.
Quando o Prince apareceu, no final dos anos 70, proporcionou uma colisão entre new wave e black music que inevitavelmente o conduziu a criar seu próprio gênero musical, com forte ênfase no rock e o olho firme no incipiente hip hop. Mas o que aconteceria se aquele momento desse origem não a uma assinatura musical, mas a um cânone aberto a novas colaborações? George Lewis Jr. responde a essa pergunta com um álbum andrógino e sintético, quase uma resposta fria e classuda ao groove electro do Chromeo, mas com um charme e estilo bem particulares. “Five Seconds” poderia estar na trilha sonora de Top Gun, numa coletânea do Blondie ou num comercial de cigarros Hollywood – mas resolveu dar as caras no apocalíptico 2012, hino antídoto à ironia, resgatando um oitentismo vintage.
A inesperada volta de Bobby Womack trouxe a ainda mais inusitada parceria com Lana Del Rey, em “Dayglo Reflection”. E o blue beat que transforma a canção num híbrido de soul elemental com balada dubstep funciona como cenário tanto para a introspecção gospel do vocal emotivo do velho Bobby como para o tom gélido e fatal do timbre da jovem Lana. O resultado, que soa indigesto à primeira vista, torna-se um envolvente lamento que transcende idade, gênero, raça.
(E com o Damon Albarn acompanhando então… A música entra a partir dos quatro minutos no vídeo abaixo.)
E a promessa vai se concretizando – e à medida em que Chazwick Bundick vai se distanciando do quarto e do computador, rumo a um funk que ao mesmo tempo é marrento feito os anos 70 (deixando os timbres dos anos 80 apenas como acessórios, não protagonista) sem perder o minimalismo eletrônico que agora o aproxima do electro que surgiu na era de ouro do hip hop. Seu terceiro disco é de 2013, mas a faixa de aperitivo que nos foi oferecida em 2012 já serviu pra mostrar como ele cumprirá as expectativas – com outra abordagem para o conceito de groove transcendental.