Arca e o futuro da música

, por Alexandre Matias

arca2020

A produtora venezuelana Arca, queridinha de titãs do pop atual como Björk, Kanye West, Frank Ocean e FKA Twigs, deu um xeque ao lançar seu novo single. Batizado com o incomum nome de “@@@@@”, sua nova obra de sessenta e dois minutos que enfileira diferentes climas e atmosferas sonoras cujo fluxo musical caminha entre um DJ set autoral, uma mixtape ou até mesmo um álbum sem as pausas entre as faixas. Mas ele preferiu chamar o novo material de single e com isso propõe subliminarmente uma discussão sobre formatos no pop atual.

Em um tempo em que artistas discutem o fim do formato álbum, a aposta em singles, a obrigatoriedade do clipe ou a ascensão dos EPs e mixtapes, “@@@@@” expande esta questão para todos os horizontes possíveis, mostrando como a retenção de atenção do ouvinte (e telespectador) por parcos minutos é uma briga apenas mercadológica e propõe uma canção enorme dividida em trinta partes – que ela chama de “quantum” -, cada uma dela com seu título específico, nomes como “Diva”, “Construct”, “Travesti”, “Amputee”, “Avasallada”, “Pacifier”, “Chipilina”, “X”, “Murciélaga” e “Bebé”. O próprio fato de ter sido lançado como um vídeo, traz a imagem pós-apocalíptica com a produtora nua e plugada sobre um carro em um ferro-velho em chamas, com sua própria imagem dançando em uma tela holográfica ao fundo, uma imagem única, em constante movimento e repetição, mas que se estende por toda a duração do clipe, como uma capa de disco em uma outra dimensão.

E é claro que não se trata apenas de formatos – e o som de Arca é um sobrevôo por paisagens que transcedem a imagem distópica do clipe. Ela passeia por horizontes alienígenas de todas as matizes possíveis, da intensidade noise industrial a um ricochete pós-techno de beats eletrônico, passando por planícies ambient, samples de risadas e acidentes de carro, enxames de breakcore, fogs de ruído elétrico, drill’n’bass, reggaton picotado e padrões repetitivos de glitches eletrônicos às vezes sobrepondo duas – ou mais – destas realidades musicais ao mesmo tempo. A sensação é de desprendimento da realidade, como se estivéssemos sonhando um sonho de outra pessoa – o da própria artista. Que, por sua vez, canta nas próprias faixas pela primeira vez.

O single estrou na semana passada na rádio NTS e logo depois a própria Arca explicou a temática deste trabalho: “‘@@@@@’ é uma transmissão enviada para este mundo a partir de um universo ficcional especulativo em que a forma fundamentalmente analógica da rádio FN pirata continua uma das poucas formas de se escapar da vigilância autoritária alimentada por uma consciência refém gerada por uma inteligência artificial pós-singularidade. A apresentadora do programa, conhecida como DIVA EXPERIMENTAL vive em múltiplos corpos no espaço devido à sua perseguição – e para matá-la, é preciso primeiro encontrar todos seus corpos. Os corpos que hospedam seus fetiches malucos por paralinguística quebram a quarta parede e nutrem uma fé mutante no amor em frente ao medo.”

Pesado. E como ela quis deixar claro: é um single.

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