Na minha terceira coluna para o Brainstorm #9 pego como gancho o update do aplicativo do Radiohead para falar da importância do grupo de Thom Yorke hoje em dia.
“Você não é um aplicativo”
Por que prestar atenção no Radiohead
Setembro de 2014 começou com uma expectativa parecida com a do final de setembro de 2007: com a iminência de um novo disco do Radiohead, anunciado de supetão. No início deste ano, em fevereiro, o grupo inglês anunciou o lançamento de seu próprio aplicativo para celulares, chamado PolyFauna. O app misturava imagens e músicas do disco mais recente da banda, The King of Limbs, funcionando como um acessório multimídia ao disco, um extra digital que anunciava, à entrada que “sua tela é a janela para um mundo em evolução”.
A evolução começou a acontecer no início deste mês, quando o grupo atualizou o aplicativo com novas trilhas e imagens. O mundo pop ergueu suas orelhas: tem um disco novo do Radiohead a caminho. Os cínicos de sempre menosprezaram a notícia como se a banda precisasse de um truque de marketing para chamar atenção, tratando a novidade como se fosse uma atitude idêntica ao recente truque do U2 de embutir seu novo disco no novo iPhone (uma “novidade” que Ivete Sangalo já tinha apresentado em 2007 ao empacotar seu novo disco dentro do w200 da Ericsson).
Ainda nem sabemos se o disco novo virá mesmo através de um aplicativo – isso pode ser anunciado de repente, sem o menor alarde -, mas em se tratando de Radiohead a novidade está longe de ser uma “grande sacada” definida em uma reunião para saber como chamar atenção no próximo disco.
O app tem mais a ver com os experimentos multimídia de Björk – que também lançou um aplicativo completmentar a seu disco mais recente, Biophilia – mas não é só isso. É mais um passo na luta do grupo em conseguir um diálogo mais direto com seus ouvintes sem precisar lidar com intermediários gigantescos que pouco respeitam a estética da banda. Vale rebobinar um pouco a história para nos lembrarmos de outros atos protagonizados pelo grupo.
Depois de aparecer com o hit “Creep” do disco Pablo Honey, o grupo começou a distanciar-se do britpop e até do grunge (sério, muita gente chamava o Radiohead de “resposta inglesa ao Nirvana”) em seu segundo disco, The Bends, de 1995. Dois anos depois afastavam-se de vez do que sua geração estava fazendo ao atirar-se na música eletrônica e no rock progressivo em seu primeiro clássico, OK Computer, que lhe rendeu uma reputação que a permitiu tomar o tempo que precisava para gravar seu novo álbum.
No ano 2000 o grupo lançaria o enigmático Kid A, um disco em que a paixão do Radiohead pela eletrônica de vanguarda da gravadora Warp (casa de nomes como Aphex Twin, Boards of Canada e Autechre) foi exacerbada ao ponto de fazer as canções entrarem em colapso e começarem a se misturar com texturas, efeitos, vocais e riffs desconexos, melodias esparsas. Não bastasse isso, o disco ainda foi atropelado pelo recém-lançado Napster, o programa que permitia a qualquer um baixar músicas de graça dos computadores de outras pessoas. Ou foi Kid A que atropelou o Napster?
A data de lançamento do disco era outubro, mas, de alguma forma (muitos apostam ter sido a própria banda), o disco apareceu no Napster três meses antes do lançamento original. Além de causar desconfiança entre os ouvintes – afinal, o disco era muito diferente de tudo que o grupo já havia lançado – ainda inverteu a expectativa da indústria fonográfica, que apostava que aquele seria um dos grandes lançamentos do ano.
Mas a estranheza do disco e o fato de Kid A ter sido baixado milhares de vezes antes de seu lançamento fez muitos acharem que o auge da banda havia passado. O disco foi lançado e o grupo foi o primeiro artista inglês a ficar três semanas com um disco no topo das paradas americanas na história, além de terminar entre os 20 mais vendidos daquele ano nos EUA, deixando popstars como Kid Rock e Britney Spears para trás.
Corta pra 2007 e, no segundo semestre daquele ano, o grupo começa a dar pistas em seu site de que um disco novo estaria sendo finalizado. Notícias começam a especular sobre data de lançamento, cogitando a chegada às lojas em março do ano seguinte. Mas poucos dias depois das primeiras pistas o grupo volta a dizer que o disco está pronto e será lançado online em dez dias.
E no meio da novidade súbita um experimento inusitado: qualquer um poderia dizer quanto queria pagar pelo disco – mesmo que nada. Bastava indicar um preço na área de compras para dizer quanto você estaria disposto a pagar. In Rainbows foi o primeiro disco da banda lançado fora de uma grande gravadora, por conta própria, e deu início à transformação da banda em uma entidade própria, descolada de grandes grupos e disposta a experimentar formatos inclusive no que dizia respeito à forma de comercialização de sua música.
No início de 2011, ao apresentar seu novo The King of Limbs, o grupo chegou à conclusão de que era preciso por um preço no disco, mesmo sabendo que quem quisesse baixá-lo de graça o faria de alguma forma. E há um ano, no início desta era de serviços de streaming pago que estamos vivendo hoje, o líder da banda Thom Yorke causou polêmica ao retirar suas músicas do Spotify, logo depois de dar uma entrevista ao site mexicano Sopitas. Com a palavra, Thom Yorke:
“A forma como as pessoas lidam com música está passando por uma grande transição. Acho que como músicos nós temos que lutar contra essa coisa chamada Spotify. Acho que o que está acontecendo com o mainstream agora é o último suspiro da velha indústria. Quando ela morrer, o que vai acontecer, outra coisa irá acontecer. Tudo está relacionado com as mudanças que estão acontecendo na forma que ouvimos música, o que irá acontecer a seguir em termos de tecnologia e em termos como as pessoas falam umas com as outras sobre música. Muita coisa vai ser ruim, mas eu não endosso essa coisa que muitos da indústria vêm dizendo, que ‘ah, isso é só o que sobrou’, eu não engulo isso.”
“Quando fizemos o In Rainbows o mais excitante era a idéia de que você poderia ter uma conexão direta entre você como músico e seu público. Você corta tudo fora, e deixa só isso e aquilo. E então todos esses putos entram no caminho, como o Spotify que de repente tenta ser o segurança na entrada de todo o processo. Mas nós não precisamos que façam isso. Nenhum artista precisa fazer isso. Nós podemos fazer nossas coisas nós mesmos, então foda-se. Porque eles estão usando músicas velhas, eles estão usando as majors…E as majors estão com eles porque eles vêem uma forma de revender todas as coisas velhas de novo, ganhar mais dinheiro e não morrer.”
“É por isso que esse papo de Spotify pra mim faz parte de uma batalha maior. Porque é sobre o futuro de toda a música. É sobre se acreditamos que há um futuro para a música. O mesmo vale pra indústria de filmes e pros livros. Pra mim o lance não é o mainstream, isso é o último peido, o último peido desesperado de um corpo prestes a morrer. O que vai acontecer depois disso é que deveria ser a parte importante.”
“Por exemplo, sabe aquele cara Adam Curtis? Ele é um jornalista político que colaborou com o Massive Attack e fomos o assistir noite passada no centro da cidade e foi incrível, porque era disso que ele estava falando. Somos grandes fãs dele, eu e Nigel (Godrich, produtor do Radiohead e integrante da banda Atoms for Peace com o próprio Thom) e ele falava disso, que estamos entrando numa era em que, potencialmente, toda criatividade pode acabar. O passado forma o futuro e assim não temos outro futuro, etc. E ele está certo! Pessoas como ele, o Massive Attack, a gente, nós temos que confrontar toda essa merda. Isso não acabou.”
“Por que é como um truque, todo mundo falando que ‘com a tecnologia tudo estará em uma só nuvem e toda a criatividade se transformará em uma coisa só e ninguém mais vai ser pago e é uma coisa super inteligente’. Porra nenhuma. É difícil pensar nisso o tempo todo, porque acho que a coisa mais importante que está acontecendo hoje. É como a invenção da prensa de tipos móveis, o que aconteceu depois daquilo? É isso que está acontecendo hoje. Estou obcecado com este livro do Jaron Larnier chamado ‘Você Não é um Aplicativo’, você tem que ler, dá para entender melhor do que eu estou falando. É meio frustrante porque eu acho difícil explicar o que está acontecendo e esse livro explica bem.”
Por isso quando o aplicativo do Radiohead é atualizado, isso não diz respeito apenas a marketing pop ou a arte digital, mas também sobre o futuro de como nos relacionamos com a música. Mais novidades em breve.
Você lê uma coisa, mas sabe que ela quer dizer outra… Não era isso que o George Orwell chamava de newspeak?
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• O Feice e sua autobiografia • Como ativar a nova Timeline • Aplicativo apaga atualizações antigas do histórico no Facebook • O fim do futuro • Portáteis: carregue o seu • Google Music, ligação de Tim Cook, iTunes no Brasil, PayPal e Skype no Facebook…
O Brancatelli fez uma matéria sobre como os aplicativos feitos a partir de dados públicos podem facilitar a vida da cidade e do cidadão no Metrópole de quinta-feira – e me pediu para dar uma força e falar do contexto mais amplo desse cenário.
Dados abertos: em prol da qualidade de vida
A internet, para muitos, vem como uma ameaça. Afinal, tanto o antigo CEO do Google Eric Schmidt, quanto o dono do Facebook, Mark Zuckerberg, já avisaram que a privacidade acabou. A WikiLeaks de Julian Assange paira sobre a cabeça do status quo com a possibilidade de desvendar segredos bem guardados a qualquer minuto. Hackers ativistas do grupo Anonymous avisam: “Não tentem consertar suas duas caras escondendo uma delas. Em vez disso, tentem ter só um rosto – honesto, aberto.”
Há uma mudança drástica, sutil e otimista no meio dessa paranoia. Afinal, ela requer mais dados abertos para a maioria das pessoas, transparência de governos, empresas e, por que não, do cidadão. E esses dados podem melhorar ainda mais a qualidade de vida das pessoas, principalmente em uma cidade como São Paulo.
Imagine se todos os motoristas pudessem dizer onde estão seus carros? Isso tornaria mais fácil a localização de engarrafamentos. E se pudéssemos detectar mais facilmente pontos de alagamento na época de chuvas? Ou acompanhar o orçamento de obras públicas desde o início? O mundo pode melhorar – e bastante.
Na edição da semana do Link, pedi pra equipe do caderno comentar sua relação com os aplicativos e não poderia fugir de comentar meu vício portátil favorito, as enfezadas aves kamikazes e os malditos porcos verdes!
Nada vale mais que um pássaro voando
Depende do ângulo da borracha do estilingue e da hora do tapinha na tela. Tem também o tipo de pássaro arremessado e o material de que é feita a parede que ele tem de atravessar para matar o maldito porco verde. Morra!
“Opa, chefe, chegamos”, o taxista me tira do transe de explodir pássaros em cima de porcos. Calma, Ibama! Os bichos que explodem nas pontas dos meus dedos são os protagonistas de Angry Birds, um dos aplicativos mais populares do mundo. Tento conter o uso desses pequenos programas para não cair numa espiral de uso contínuo típica do meio digital – o “loop de tecnologia” descrito na série Portlandia. Mas eis que o celular me transporta para os Game Watch da minha infância e os Nintendinhos da minha adolescência, dragando mais energia vital que o player de MP3, checar e-mail ou tirar fotos.
E a minha coluna de ontem no 2 foi sobre aplicativos, antecipando o especial que fizemos nesta segunda-feira no Link…
Outros programas
Vivemos a era dos aplicativos
Houve um tempo em que dizia-se que o celular não era só um telefone móvel, mas também um dispositivo portátil de acesso à internet. Esse tempo já era. Estamos vivendo uma fase de transição que culmina com a extinção do computador pessoal, mas que começou justamente com a possibilidade de conectar um aparelho portátil à internet, inaugurado para as massas quando Steve Jobs apresentou o iPhone para o mundo, em janeiro de 2007.
O clichê que chamava o aparelho de “supertelefone da Apple” levava a crer que a revolução acontecia no hardware do celular, enquanto na verdade a grande novidade era seu sistema operacional, que funcionava online. Assim, seus programas ofereciam muito mais do que se fossem apenas instalados no próprio aparelho. Online, esses programinhas – chamados aplicativos – deixavam de fazer tarefas simples para ganhar funções impensáveis até mesmo para tradicionais programas de computador.
Fácil entender o porquê. Uma vez móvel, o aparelho ganhava qualidades impossíveis de serem aproveitadas num computador de mesa. Para começar, a mobilidade do aparelho permitia usar programas em que sua localização – e, portanto, de quem o usa – pudesse ter alguma utilidade. O mesmo pode ser dito aos sensores de movimento, que fazem o celular perceber se, por exemplo, você está o segurando com a tela na vertical ou horizontal. Una isso à câmera que filma e fotografa, microfone, sensores de luminosidade, a tela sensível ao toque e o fato de caber no bolso e, voilà, os programas de celular são muito melhores que seus companheiros dos velhos PCs.
Vivemos uma era em que o celular não é mais só um aparelho para fazer ligações ou conectar-se à internet. Com programas específicos, ele se metamorfoseia em todo tipo de ferramenta. Há aplicativos para achar o carro no estacionamento, que traçam o percurso que você precisa percorrer para chegar a algum lugar, que diz quais constelações estão acima de sua cabeça, que convertem medidas e moedas, que permitem edição de fotos e vídeos, entre um sem-número de opções.
A chegada dos tablets, que também usam esses aplicativos, e a popularização dos smartphones (celulares que acessam a rede) tornam esses programinhas cada vez mais onipresentes. E para quem quer saber por onde começar e quais os mais úteis e fúteis (afinal, lazer também está na agenda do celular móvel), basta ler a edição desta segunda do Link, o caderno de tecnologia e cultura digital do Estadão, que traz um guia para quem quer entrar nessa nova realidade móvel.
• Novos programas • Seu celular vira outro aparelho • O preço de ser pop • App, em si, não vicia • Aplicados • Bê-á-bá do celular •