No início do ano passado, o blog Onomatopeia Digital havia recuperado toda a coleção da Animal, a clássica revista paulistana de quadrinhos dos anos 80, mas os arquivos foram tirados do ar. Pois agora o blog voltou a recuperá-los para quem não baixou as 22 edições – raras e únicas, hoje em dia, sem possibilidade de reedição – naquela ocasião. Um serviço de utilidade pública.
Houve um tempo em que história em quadrinhos se resumia ao que a Abril publicava: Marvel, Disney, Maurício de Souza e DC. Quem quisesse ir além desse formato, tinha de penar pois eram pouquíssimos títulos que apareciam no Brasil – por editoras como Ebal e Martins Fontes – e ocupavam parcas prateleiras (quando mais de uma) nas maiores livrarias do país. Para ler quadrinho moderno (como para ouvir música diferente da que tocava no rádio) era preciso um exercício que incluía pagamentos em dólar (que na época era como doar um órgão do seu corpo ou fazer um contrato com algum agiota mafioso), pouquíssimos amigos que viajavam ao exterior, domínio de mais de um idioma além do português (de preferência, inglês, italiano e francês) e recomendações conseguidas de formas dúbias (“um amigo de um conhecido leu em uma revista estrangeira…”). Não havia internet, o governo dificultava importações, o Brasil vivia numa pindaíba braba (vocês que compram Bassi no supermercado não sabem o que é ter que pegar fila de madrugada pra ter de comprar um pacote determinado com algumas peças de carne…) e quadrinho era uma mídia literalmente underground, se saíssemos do quarteto publicado pela Abril. Foi nesse cenário que Fábio Zimbres, Newton Foot e Rogério de Campos lançaram a Animal, publicando um monte de autores brasileiros pela primeira vez ao mesmo tempo em que traziam para o Brasil autores que mal tínhamos ouvido falar. A revista circulou nos anos 80 e teve 23 edições, todas digitalizadas e postas para download pelo blog Onomatopéia Digital. Coisa fina.
Falando em Laerte e Chiquinha, é bom ficar de olho no documentário Malditos Cartunistas, que está para ser lançado (nem sei direito, se alguém souber certinho, dizaê). O doc, como diz o Mini, “supre uma lacuna histórica ao documentar, de forma direta, com uma simples e bem sacada edição de entrevistas, um pedaço fundamental porém pouco valorizado na cultura brasileira”. Ele continua:
Não estamos falando de gente que simplesmente desenha, mas de uma categoria que ajuda a moldar a forma como o país se diverte, se pensa e se enxerga. Quando não é pelas invisíveis cordas das publicações underground, que colocam os malditos cartunistas na posição de influenciadores indiretos da cultura (como a finada revista Animal que pautou editores, diretores de arte, designers, escritores, jornalistas durante sua vida), temos a atuação direta no mainstream, como Angeli e suas 100 mil edições de Chiclete com Banana vendidas em banca, o pequeno império de Mauricio de Sousa, as tiras diárias de Caco Galhardo, Ota, Arnaldo Branco e outros espalhados por jornais brasileiros, o Reinaldo com o Casseta e Planeta na Globo (por sua vez filhotes do Pasquim de Jaguar e Ziraldo) e, claro, não podemos esquecer, da época em que o Laerte e o Adão Iturrusgarai faziam parte da equipe de roteiristas do TV Colosso.
É mais do que uma tradição, é um cânone. Ó o trailer:
Parece foda. E é bom pra esse povo que aprendeu a rir com o CQC e com LOLcats aprender que o buraco, no caso do humor brasileiro, é beeeem mais embaixo…