E na minha coluna na edição de segunda do Link, falo sobre a “maldita inclusão digital” de que tantos gostam de reclamar.
A ‘orkutização’ do Instagram e a natureza gregária da internet
O Instagram criou uma bolha de falso glamour
Iphoneiros em polvorosa: “Vão poluir minha timeline!”, reclamavam usuários do celular da Apple tanto no Brasil quanto no exterior. Eles haviam recebido a notícia de que o aplicativo Instagram havia ganhado, na semana passada, uma versão para Android, o sistema operacional rival do iOS, do iPhone. Por aqui, a indignação veio no inevitável tom de piada característico da nossa vida digital tropical, com a criação de tumblrs como o androidnoinstagram.tumblr.com ou orkutgram.tumblr.com, entre outros. O teor dos tumblrs – e das piadas – era sempre o mesmo: agora o Instagram perderia o seu status, pois uma tal “horda de pobres” começaria a usar o aplicativo.
Para quem não conhece, o Instagram é mais do que um software para celular que permite tirar fotos com filtros vintage. Criado pelo brasileiro Mike Krieger, o aplicativo também funciona como uma rede social – em que é possível assinalar contatos e personalizar perfis como em qualquer site deste tipo, com duas diferenças cruciais. A primeira: é uma rede social feita para o celular. Ela se replica, ao gosto do freguês, pelo Twitter e Facebook, mas seu ambiente nativo é a internet móvel. A segunda é o fato de não existir perfil público. Quem quiser ver a página de alguém no Instagram, ao contrário da maioria das redes sociais, precisa criar uma conta lá.
Eis o motivo da chiadeira. Enquanto era uma rede fechada para usuários de iPhone, o Instagram criou uma bolha de falso glamour que fazia qualquer fotinha vagabunda parecer cool só porque vinha com um tom sépia, com um amareladinho com cara de foto tirada nos anos 70. A reclamação dos antigos usuários levantou a velha falácia repercutida sempre que qualquer serviço online deixava de ser exclusivo de uns poucos early-adopters – a tal “orkutização”.
O termo surgiu, claro, depois que o Orkut começou a se popularizar no País. Antes restrita a quem trabalhava com comunicação ou tecnologia, a rede social aos poucos foi compreendida por pessoas que não passam o dia inteiro na frente do computador. Mais do que isso: à medida em que os anos 2000 foram passando, mais gente pôde comprar um computador e, com isso, a rede social perdeu o ar de ser exclusividade de grupos pequenos. E aos poucos começariam a aparecer perfis de pessoas que não eram descoladas e modernas, mas apenas… normais.
E riam “kkkkkk” ou tiravam fotos em quaisquer situações (parte delas indo parar em sites como perolas.com ou tolicesdoorkut.com) ou não se preocupavam com o português correto ou com “about me” espertinhos. A orkutização vinha acompanhada de uma reclamação obtusa, que resmungava sobre a “maldita inclusão digital” num tempo em que nem todo mundo tinha acesso à internet.
Em menos de dez anos, este quadro mudou – radicalmente. Não só ficou mais fácil comprar computador como a internet móvel trouxe uma imensa leva de pessoas para o dia a dia eletrônico das redes sociais. E cada novidade descoberta pelos primeirões era, em pouco tempo, “orkutizada”. Foi assim com o Twitter, com o Facebook e agora aconteceu com o Instagram.
“Em vez de crème brûlée vamos ver fotos do Habib’s”, alguém twittou, como se os usuários do Instagram não tirassem foto de qualquer PF com um filtro para parecer que não estavam comendo em um restaurante self-service. Ou como se os celulares que rodam o sistema operacional Android não custassem, em alguns casos, até mais do que o preço de um iPhone 4S.
A “orkutização” ou a “maldita inclusão digital” fazem parte da natureza da internet. A rede não é um clubinho exclusivo para uns poucos e bons. Até o fim desta década, todos estaremos conectados a ponto de nem percebermos a separação entre o online e o offline.
Reclamar que mais gente está desfrutando de serviços e produtos que, até determinada época, eram exclusivos de um número pequeno não é apenas reacionarismo barato – é não entender que a natureza digital agrega em vez de separar. Se você tem vergonha de estar na mesma rede social que pessoas que considera “menores”, não tenha dúvida: o problema é seu.
• República eletrônica: Três anos de Casa de Cultura Digital • Laboratório de vivência • A voz do futuro • TVs também ‘entendem’ português • Impressão Digital (Alexandre Matias): A ‘orkutização’ do Instagram e a natureza gregária da internet • Homem-Objeto (Camilo Rocha): Filmes na parede • P2P (Tatiana de Mello Dias): Punição contra a pirataria não reverte prejuízo da indústria • Google e a visão além do alcance • Notas •
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Google mostra seu rival contra o Windows
Sistema operacional Chrome acirra disputa da empresa com a Microsoft
A notícia veio na última quarta-feira como uma bomba. “Google lança seu sistema operacional”, aclamavam, em uníssono, blogs, sites e publicações impressas dedicadas à tecnologia – além de pegar qualquer um que se interesse pela cultura digital de surpresa. Menos de um ano depois de ter entrado no mercado dos navegadores com seu próprio browser, o Google Chrome, o gigante da internet amplia o mesmo Chrome para além da simples navegação – e o transformou em um sistema operacional, como o Windows da Microsoft, o Linux da comunidade do software livre ou Mac OS da Apple.
Mas depois das manchetes vinham as letras miúdas. A princípio, o sistema operacional do Google é destinado apenas para netbooks, os pequenos computadores que, ainda menores que os laptops, surgiram à medida que uma série de softwares foram criados para serem executados via internet.
A tal “nuvem de dados” da internet sem fio que permite o novo nomadismo digital tornou-se possante o suficiente para que o mercado destes pequenos computadores crescesse muito. Mas é um mercado minúsculo se comparado aos de celulares e computadores de mesa.
Ou seja: todo alarde sobre o lançamento do Chrome OS deve ser interpretado com certa cautela. Não, ainda não é o rival do Windows, justamente por funcionar em apenas um tipo de aparelho – e justo um dos menos populares. Além disso, temos o fato de que o próprio Google já tem outro sistema operacional para aparelhos portáteis, o Android, feito para celulares e smartphones. Contudo, a empresa diz que Chrome OS e Android são duas plataformas diferentes, mesmo que pareçam fazer a mesma coisa.
No entanto, todas as manchetes e profecias sobre o embate entre o Google e a Microsoft não dizem respeito apenas ao novo sistema operacional.
Desconte toda a megalomania tradicionalmente associada ao Google – tire os números gigantescos em relação às buscas, o altíssimo valor pago no YouTube, a reinvenção da geolocalização com serviços como Google Earth, Google Street View e Google Maps e o fato de, com os links patrocinados, o site ser uma das principais agências de publicidade do mundo.
Tirando isso, o que temos? Uma empresa que começou como um mecanismo de busca mas que, aos poucos, foi lançando serviços que seus concorrentes – Microsoft e Yahoo – já dispunham. Lançou seu próprio webmail, serviços para celular, programas de escritório (online, que não precisam ser instalados no computador ou vendidos em caixas de CD) e obrigou a própria Microsoft a reinventar sua busca – a empresa abandonou o LiveSearch e apresentou o Bing há dois meses.
Por isso, a apresentação do Google Chrome OS deve ser recebida com atenção – e não apenas com estupefação. Lembre-se que a Microsoft trabalha com o Windows há mais de duas décadas, mais ou menos o mesmo tempo que a comunidade de software livre tenta emplacar uma alternativa ao Windows. Ou seja: o novo sistema operacional não destronará – sequer ameaçará – o da Microsoft da noite para o dia.
Eis um detalhe que pode ser percebido por quem já usa o navegador Chrome. Ao abrir funções internas, como “histórico” ou downloads, o programa mostra um novo protocolo de navegação – em vez de http:// ele exibe chrome://. A princípio, parece apenas um detalhe.
No final dos anos 90, o colunista de tecnologia da rede americana PBS Robert X. Cringley cogitou a possibilidade de a Microsoft abandonar a conexão TCP/IP. A empresa ainda era o maior gigante do mercado digital e a instabilidade da internet – um tema sazonal, sempre alguém aparece para dizer que a internet não vai aguentar o volume de dados, repare – na época era atribuída à fragilidade da porta de conexão habitual, o TCP/IP (o mesmo que usamos até hoje – ou seja, mais uma profecia apocalíptica digital que não se cumpriu).
A partir deste cenário, Cringley cogitou a possibilidade de a Microsoft abandonar esta forma de conexão – aberta e universal – para criar seu próprio formato, o TCP/MS. Sim, MS de Microsoft. Assim, a empresa criaria uma internet particular, fechada e totalmente sob seu controle. Cringley, na verdade, era um pseudônimo usado pelo jornalista Mark Stephens, que usava sua coluna, I, Cringley, como uma forma de ironizar o mercado digital. Ao cogitar o TCP/MS, ele estava apenas provocando – não a Microsoft, mas o entusiasmo em abraçar novos formatos e tecnologias sem pensar nos desdobramentos.
Levando a brincadeira/provocação de Cringley para o Chrome, pergunto: e se o Google resolver criar serviços e aplicativos que, mesmo funcionando bem no protocolo http:// (para o Internet Explorer e para o Firefox), funcionem ainda melhor no Chrome? Ao usar qualquer serviço do Google, ele já consegue identificar o navegador que está sendo utilizado e recomendar, discretamente, o uso de seu browser, anunciando que seu funcionamento é ainda melhor no Chrome. Para quem já usa outros navegadores, a mudança não é drástica, pois os serviços foram pensados inicialmente para funcionar bem em todos os browsers.
Lembre-se que o Google anunciou um novo serviço, o Wave, este ano, que pretende misturar programas de escritório, mensagens instantâneas e e-mail numa mesma plataforma. E se o Google Wave só funcionar plenamente no novo Chrome, quem perde? Nós, por não usarmos o novo serviço, ou o Google, por restringir o acesso ao Wave para quem não navega usando o Chrome?
As armas de cada um
GOOGLE
BUSCA / Google – É hegemônica desde 2000, quando implementou seu modelo de negócios a partir de links patrocinados relacionados à busca. Neste ano, passou o Yahoo, seu principal concorrente na época
ESCRITÓRIO / Google Docs – Os softwares são todos online, não é preciso baixar nem salvar arquivos no computador. Apesar de prático, não chegou à massa de usuários da internet acostumada ao “.doc”
E-MAIL / Gmail – É de longe o melhor serviço do mercado, com conversas agrupadas numa só linha e vários recursos adicionais, disponíveis no Gmail Labs. Tem o maior espaço e a melhor integração com widgets
CELULAR / Android – O sistema do Google é aberto e fruto da colaboração de dezenas de empresas da Open Handset Alliance. Muito boa usabilidade e integração com serviços de internet. Chega ao Brasil no fim do ano
MICROSOFT
BUSCA / Bing – O serviço lançado recentemente substituiu o ruim Live Search e vem ganhando usuários pela Europa e Estados Unidos. É realmente bom para organizar informações. Mas ainda está longe do Google
ESCRITÓRIO / Office – O pacote da Microsoft domina o mercado empresarial e doméstico desde a década de 90 e habituou todo mundo com a interface do Word e a terminação “.doc”. Isso não parece próximo de terminar
E-MAIL / Hotmail – Passou por atualizações de recentes de lay-out e integração com a rede social Live. Mas perdeu há anos a liderança para o Gmail, tanto em número de usuários como em inovação e usabilidade
CELULAR / Windows Mobile – Já na versão 6.0, o sistema operacional da Microsoft é o que faz a melhor integração e sincronização com o Windows – e o Windows está em quase todos os computadores.
Saiba mais sobre o Chrome OS:
Chrome, a nuvem, o nomadismo e o futuro sem volta
Chrome OS só vai decolar se usar a estratégia do Windows
Chrome OS e Android? O Google matou a convergência?
Gazelle e o longo caminho da Microsoft rumo à nuvem
…e passava por um celular:
Não é brincadeira – um aplicativo do Android, o sistema operacional móvel do Google, transforma o celular num leitor de código de barras que pode servir para acionar, remotamente, o download de um torrent na sua casa. A princípio é o pânico nas megastores, mas deixe os parâmetros estabelecidos de lado e perceba a comodidade – e veja como esse é um modelo de negócios viável.