Hit it!
Você já teve curiosidade de saber como soaria o Trem da Alegria alemão? Nem eu, mas o Tiago Lyra sacou essa jóia e… como tudo isso é bom. Primeiro que tem muita informação retrô pra digerir (dos efeitos especiais às roupas, passando pelo tom solene das crianças e essa música irresistivelmente parada), mas musicalmente isso parece próximo de um subgênero de música eletrônica recente que eu já acompanho faz um tempinho mas que nunca me dispus a escrever sobre. É uma psicodelia lo-fi com timbres anos 80 e dois pés na dance music que prefere exercitar as qualidades zen e ambient proporcionada por estes elementos, que pode ser referida tanto como “chillwave”, “chill disco”, “dream pop”, “synth pop” ou “balearic”. Quem ouve o Vida Fodona, no entanto, já cansou de ouvir Neon Indian, Washed Out ou Memory Cassette, alguns dos principais nomes deste gueto musical, que ainda conta com projetos de quarto com nomes como Toro y Moi, Best Coast, Small Black, Teen Daze, Mathemagic e Brothertiger. E estranhamente parecido com as crianças do Babaluga. Mas depois eu falo mais disso.
Via Daily What.
Pra muitos isso é um martíro, pra outros, um delírio – mas o fato é que Wander Wildner está passando por sua fase Berlim gravando sozinho num quarto e postando tudo no Vimeo. Eu acho massa, o cara tirando a onda do jeito que ele quer – mas eu não escuto mais do que uma vez isso. Vi lá no Marcelo.
Trecho do documentário Krautrock: The Rebirth of Germany, da BBC
Se você nunca ouviu falar no Neu!, talvez esta seja a melhor época para conhecer o grupo (além da época em que a banda estava na ativa, mas aí você tinha que estar na Alemanha no início dos anos 70). Afinal, ele reencarna com esta formação chamada Hallogallo para uma turnê nos EUA (será que algum produtor brasileiro se anima? Psicodelia minimal barulhenta!) como uma forma de divulgar a caixa definitiva com todos os trabalhos do grupo, incluindo um monte de coisas inéditas.
Michael Rother e Klaus Dinger entraram no Kraftwerk quando o grupo havia acabado de sair da sua fase rock progressivo e começava a se dedicar ao ritmo eletrônico e robótico. Resumido à dupla Ralf Hutter e Florian Schneider, o antigo Organisation adotava um nome essencialmente alemão (“usina de força”) e chamaram primeiro um baterista, Klaus, que depois chamou seu amigo Florian para consolidar o novo grupo. Juntos, gravaram dois discos – mais tardes conhecidos apenas como Kraftwerk 1 e 2, que contam com cones de trânsito, um vermelho e outro verde, em cada capa dos discos – antes das duas duplas se separarem. Ralf e Florian lançaram mais um disco (batizado apenas com o prenome dos dois, tipo dupla sertaneja) antes de chamarem outros dois músicos para oficializar sua carreira robótica, iniciada em Autobahn.
Thomas e Klaus seguiram para um caminho mais perigoso e radical. O Kraftwerk havia encontrado rumo no ritmo repetitivo e mecânico que seria o percurso de todos seus discos até hoje e passeia por paragens conhecidas (auto-estradas, ferrovias, o meio digital, a bicicleta, a tecnologia biônica, a energia nuclear) observando-as à distância, quase alien, melancólico, frio, paranóico e distante, mas apreciando a poesia dos ciclos de repetição criados pelos seres humanos. Já o Neu! preferia conduzir este mesmo ritmo – preciso e interminável – para os limites explorados pelo krautrock, O rock alemão dos anos 70 ganhou fama por experimentar fronteiras sônicas que expandiam o conceito da psicodelia para dentro dos conservatórios e para a selva, duas influências explícitas deste gênero. O Neu! ia para os limites de ambas e o barulho – elétrico, eletrônico, humano – era só a textura em que se sentia mais à vontade. A banda durou três discos e fechou as portas nos próprios anos 70, cada uma de suas metades seguindo rumos paralelos: Thomas seguiu carreira solo e Klaus juntou-se ao La Düsseldorf. Quando esta banda terminou em 83, os dois voltaram a se falar e voltaram a gravar juntos, produzindo um disco (Neu! 86) que só foi ver a luz do dia na forma de piratas nos anos 90.
Durante esta década, a influência da banda passou a ser assimilada principalmente entre bandas de rock alternativo nos Estados Unidos e indies ingleses e os discos da banda, que não eram relançados desde 1983, tornaram-se raridade, objetos de culto e, inevitavelmente, reedições piratas. As tentativas de relançar oficialmente o catálogo do Neu! sempre foi motivo de briga entre Klaus e Thomas, que só conseguiram chegar a um acordo sobre os relançamentos em 2001. A partir daí, os dois voltaram a tentar colaborar juntos, sem sucesso. Até que Klaus morreu em 2008, aos 61, de ataque do coração.
A nova caixa, que será lançada este mês, conta com os três discos originais (Neu!, Neu! 2 e Neu! 75), e dois discos que não foram oficialmente lançados (um maxi-single de 72 e Neu! 86), todos em vinil, um livro de 36 páginas e um estêncil para quem sempore quis grafitar o logotipo da banda por aí sair pintando Neu! pelas paredes da vizinhança. Maiores detalhes sobre a caixa no site do grupo.
Krautrock foi o nome que a imprensa inglesa – rótulo martelado com insistência por John Peel – deu às bandas alemãs que começaram a aparecer a partir do fim dos anos 60, mas em vez de republicar mais uma vez o texto que fiz sobre o gênero, vou apenas linká-lo enquanto também os redireciono para o torrent do documentário Kraftwerk and the Electronic Revolution me sugerido pelo João no post original.
Em tempo: “Kraut” pode ser visto como uma forma pejorativa de se referir aos alemães (“Sauerkraut” é o nome original do chucrute) como também é uma piadinha de duplo sentido com a onda viajandona daquela geração, pois, traduzido do alemão, “Kraut” quer dizer “mato” – e era como os contemporâneos do krautrock se referiam à maconha.
Um documentário alemão sobre a cultura do beatbox em Berlim.
Só achei o filme meio longo… Dica do Mini via Twitter (siga-o – e os outrOEsquemas, Bruno e Arnaldo também estão lá).